Violência Obstétrica acontece por abusos sexuais, físicos, verbais e intitucionais 


Allana esperava, internada, pela sua primeira filha: Julia. Entra no quarto a técnica de enfermagem com o kit para o processo de lavagem intestinal, que já foi muito realizado para evitar evacuação durante o parto vaginal. Hoje o processo está em desuso. 


Naturalmente, Allana já havia usado o banheiro várias vezes durante o dia. Ela pensa que deve ser fisiológico ou que talvez tenha algo a ver com as contrações, mas “não, eu não quero que você faça a lavagem”, a grávida diz. A enfermeira aceita, sem graça, e logo sai do quarto. 


Não leva muito tempo até que ela volte trazendo o mesmo kit e quase como quem implora “por favor, Allana, me ajude. Você sabe que é prescrição médica. Eu falei com a médica e ela disse que tem que fazer a lavagem”, diz a enfermeira. Allana também é enfermeira e professora na área da saúde da mulher na faculdade. Ela sabia que a lavagem não era necessária. Mesmo assim, percebe que precisa aceitar. 


Quem sabe, se ela dissesse alguma coisa e insistisse que não queria e que não faria a enfermeira tivesse desistido. Ela imagina, também, como seria se ela não soubesse de nada disso, como tantas mães. 


Allana estava de 37 semanas, no limite da prematuridade. Algumas contrações aqui e ali, mas nada de trabalho de parto ainda. Mesmo assim, foi internada. Recebeu a já não recomendada ocitocina. Um parto induzido. Agora sim em trabalho de parto ativo, às 37 semanas, com 8 cm de dilatação, ela recebe uma ligação do médico responsável pela assistência. Até então, o médico não havia aparecido. Quem estava acompanhando o processo era a equipe de enfermagem. 

- “Como está a dor?”, o médico pergunta. 
- “Tá doendo muito”, ela responde. 
- “Se tá doendo muito ainda dá tempo de fazer uma cesariana”, indica. 


Oito centímetros de dilatação e todo um pré-natal de insistência no parto vaginal, ainda assim o médico recomenda uma cesárea pelo telefone. Allana insiste no parto normal e, quando chega aos 10cm de dilatação (o ideal para um parto vaginal), é levada para a sala de parto.  Posição ginecológica (deitada com as pernas abertas). Força, força.  “Quer analgesia?” Aceita analgesia. Os batimentos da Julia caem para 80, enquanto o normal fica entre 120 e 160. “Se não melhorar o batimento, a gente precisa fazer cesárea”. 


Dez centímetros de dilatação e todo um pré-natal de insistência no parto vaginal, ainda assim a possibilidade da cesárea aparece durante o parto. 


Agora sem dor. Quase sem sentir a perna. “Força, força”. A força não basta. Uma das funcionárias do centro obstétrico sobe em cima de Allana e empurra com todo seu peso a barriga para baixo - a chamada “Manobra de Kristeler”. Aí vem Julia. Calma, a grávida pediu para que não fosse feito nenhum corte, para que não fosse feita episiotomia. “Vai ter que fazer. Não tem como. Eu sei que você não queria que cortasse, mas eu preciso cortar”. 


Feito o corte, Julia nasce, com 2 quilos e 750 gramas. Pequenina. O parto durou 15 minutos. O bebê não parece tão ativo. Dificuldade respiratória. Corta-se o cordão umbilical sem esperar o tempo de pulsação. Julia é levada diretamente para o pediatra. Allana olha para a menina e não pode segurar no colo. “Não vou erguer muito porque a questão da placenta vai prejudicar ela”. 


O contato pele a pele não acontece. Allana liga pedindo pra ficar com sua filha. “Ordem médica, tem que ficar aquecendo”. “Mas eu aqueço”, Allana pensava. Quase duas horas depois, o bebê pode ficar com sua mãe. Por conta da falta de primeiro contato, recomendado pelo Ministério da Saúde, houve dificuldade na amamentação durante alguns dias. 


Em seu segundo parto, Allana teve Alice. Alice levou 1h40 para nascer, pesou 3 quilos e 450 gramas e o processo, realizado por uma enfermeira obstetra, não envolveu episiotomia.             


“Não foi feita lavagem, não foi colocado soro, e a gente deixou o parto evoluir, sem intervenção, sem nenhum procedimento. E aí ela nasceu de forma respeitosa, natural, eu em quatro apoios e não em posição ginecológica que foi a da minha primeira filha. Ela nasceu sem corte, sem episiotomia. Nasceu e veio direto pro meu colo, imediatamente. Não foi dado banho, veio direto, ficou comigo o tempo inteiro, nunca se afastou de mim desde que eu entrei para ganhar bebê até a hora que eu fui embora, ela ficou comigo o tempo inteiro. E ela mamou lindamente. Eu tenho vídeo dela sugando meu peito 20 minutos depois que tinha nascido. Super bem, de primeira, coisa mais linda de ver. Totalmente diferente, totalmente diferente”, relata a mãe, enfermeira e professora Allana Pietrobelli Trierweiler (33). 


Desde 1996, a Organização Mundial da Saúde contraindica procedimentos considerados rotineiros nos hospitais como a lavagem intestinal (enema), a raspagem de pêlos (tricotomia), posição ginecológica (litotomia), lavagem uterina após o parto, exames vaginais repetidos ou frequentes, especialmente por mais de um prestador de serviço, a episiotomia (corte realizado na área da vagina, caso não ocorra a dilatação por completa da vagina). A episiotomia além de não terem comprovação científica de sua eficiência, são formas de violência contra mães e alguns procedimentos podem deixar marcas e lesões físicas e psicológicas por muito tempo. 


Segundo a pesquisa “Mulheres brasileiras e gênero nos espaços público e privado”, realizada pela Fundação Perseu Abramo e SESC, uma em cada quatro mulheres sofre algum tipo de violência no parto no Brasil. “É comum a gente escutar as mulheres aceitarem essas violências e no final agradecerem aos profissionais que violaram elas. Então precisa mudar essa cultura do que é um parto e nascimento. E eu acho que vai levar ainda algumas gerações pra gente conseguir ter um ambiente diferente, um modelo humanizado vigente”, observa a pesquisadora Ana Maria Bourguignon de Lima. 


A Medicina Baseada em Evidências (MBE) conclui que 90% dos procedimentos obstétricos realizados são procedimentos feitos com base na tradição e não na segurança e efetividade para a mulher e para o bebê. Daí parte o ideal do parto humanizado. “A crítica é proveniente de segmentos alternativos na Medicina, mas, sobretudo, da Enfermagem e da Saúde Coletiva, bem como de movimentos sociais. Esse discurso de contestação ao saber médico obstétrico é comumente denominado no Brasil de movimento pela humanização do parto e nascimento”, afirma Ana Maria Bourguignon Lima em sua tese. 


A base da humanização do parto está nos direitos humanos e nas evidências científicas. “A humanização tem a questão do direito da usuária ser respeitada. É a nossa luta, porque os direitos delas não são respeitados. E é por isso que a gente fala das violações, das violências obstétricas. Cada direito que não é respeitado é uma violação, é uma violência que essa mulher sofre”, defende a pesquisadora. 


“A questão do direito ao acompanhante, a questão do direito de contato pele a pele, isso tudo é regulamentado, isso tudo é legislação brasileira. Então o não cumprimento é ilegal. Mas a gente percebe que não tem uma fiscalização em cima disso, então acaba virando banal”, critica a mãe, enfermeira e professora Allana Pietrobelli Trierweiler.    


Assistência obstétrica de Ponta Grossa             


Ponta Grossa conta, atualmente, com 3 maternidades: Hospital Universitário Regional (HU), Unimed e Santa Casa da Misericórdia. Deles, somente o HU e a Santa Casa que atendem pelo SUS.             


A taxa recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) é de que apenas 15% dos partos sejam cesáreas. A taxa de cesarianas no Brasil está entre as maiores do mundo. De acordo com a Gerência de Epidemiologia da Secretaria Municipal de Saúde, entre 2012 e 2016, o hospital que mais realizou cesáreas em Ponta Grossa foi o da Unimed. Apenas 13,77% dos partos foram vaginais, contra 86,14% que envolveram o procedimento cirúrgico. Enquanto isso, na Santa Casa, 67,09% dos partos foram cesarianas e, no HU, 36,02%.             


Os dados municipais espelham a realidade nacional, onde a taxa de partos cirúrgicos podem chegar a 88% na rede privada contra 52% no geral. Os dados são da pesquisa Nascer no Brasil , realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A mesma pesquisa mostra que, no início da gravidez, 70% das brasileiras têm o parto normal como primeira opção, no entanto 90% delas acabam dando à luz através de cesárea. “O profissional vai falando tanta coisa para essa mulher que chega uma hora que ela fala ‘gente, eu não vou parir, porque imagina, vou colocar em risco o meu bebê, porque o médico está falando que eu não tenho condições’ e elas vão para a cesariana. Mas se você for conversar [sobre a escolha da cesárea] foi porque ela não teve apoio, ela foi induzida a mudar de opinião. E tem casos extremos”, explica Trierweiler.             


Segundo a enfermeira e professora Allana Pietrobelli Trierweiler, a maioria das assistências de parto em Ponta Grossa são “intervencionistas, medicalizadas e sem respeito à autonomia da mulher”. Ela já trabalhou como enfermeira numa maternidade e acompanhou alunos em estágio nesses locais. “A gente percebe quando se trabalha numa assistência hospitalar em obstetrícia que você vai vivenciar violência obstétrica ali diariamente. A maioria dos profissionais ainda praticam esse ato. E eu uso o termo violento mesmo. É violência obstétrica porque é uma violência, tem que ser tratada como tal. Inclusive incentivo as mulheres a denunciar.” defende Trierweiler.             


A enfermeira nota na prática profissional que os médicos se formam achando que as intervenções são necessárias. “O que eu percebo é que grande parte dos médicos não intervém querendo lesionar aquela mulher. No raciocínio deles, a impressão que dá é que eles desacreditam do potencial da mãe como protagonista no parto. Eles acham que têm que auxiliar, aí eles colocam soro, eles usam fórceps, eles cortam, fazem tudo para ‘ajudar’, mas hoje é mais do que comprovado que atrapalha”, explica a profissional. 


Para a estudiosa Ana Maria Bourguignon de Lima, a construção social do corpo da mulher como um corpo fisiologicamente patológico, doente, é o que estrutura o saber médico tão intervencionista e tão autoritário sobre o corpo da mulher. “Se uma área do saber científica pensa dessa maneira e organiza toda a sua assistência, sua forma de se relacionar com o usuário do serviço dessa forma, então os usuários também vão perceber assim, as mulheres, as famílias, a sociedade acabam incorporando essa cultura de que o corpo da mulher não funciona bem”, considera. 


Segundo Maria do Carmo Leal, pesquisadora titular da Fiocruz, os médicos mais antigos aprenderam com livros, algo estático, e hoje a situação é diferente. “A medicina mudou muito, hoje ela é toda baseada em protocolos e evidências científicas. Para se saber o que está acontecendo, é preciso estudar o tempo todo e isso é uma prática nova na medicina”, explica a pesquisadora. 


Outro fator que impacta na forma como os partos acontecem no município é a maternidade. A pesquisadora Ana Maria Bourguignon de Lima afirma que na cidade também não há uma maternidade com uma “ambiência propícia” pensando no modelo de humanização. “Os ambientes daqui, as arquiteturas, o modo como se organizam ainda são do modelo biomédico tradicional (inspira-se na visão mecanicista do ser humano, considera que saúde é mera ausência de doença e que, como numa máquina, se uma das peças dá um problema o foco baseia-se em centrar na sua reparação)”, avalia a estudiosa.    


Hospital Evangélico e a falta de estrutura             


O Hospital Evangélico realizava cerca de 300 partos por mês, segundo estimativa, até que suspendeu suas atividades em maio de 2016 para uma reforma. A demanda do Hospital foi repassada para o Hospital Universitário Regional. 


A justificativa da suspensão foi a reforma do prédio, construída na década de 1960. A instituição não tinha condições de atender todas as pacientes que recebia. Segundo a 3ª Regional de Saúde, o Hospital não possuía médicos suficientes para a grande demanda. 


O processo, iniciado em 2015, se deu por conta de uma Comissão Especial de Investigação (CEI) que buscava averiguar a situação das maternidades ativas na cidade de Ponta Grossa. 


Além da fiscalização constante dos hospitais, a CEI também recebeu diversas denúncias de violência obstétrica de gestantes ao longo do processo. As denúncias não estão presentes no relatório final, pois são dados protegidos por direito constitucional à intimidade. A CEI das Maternidades informou que solicitaria que o Ministério Público Federal abrisse uma investigação sobre o assunto.

 

violencia obstétrica ana 
Hospital Regional, o substituto  


O responsável por receber as gestantes que iriam ao Hospital Evangélico foi o Hospital Universitário (HU) Regional. No ano de 2017, o HU realizou em média 219 partos por mês. Um total de 2.636 nascimentos durante todo o ano. Até março de 2018, foram realizadas 642 operações.              Aproximadamente 32% dos partos realizados em 2017 foram cesáreas. Durante as entrevistas realizadas para esta reportagem, o Hospital recebeu elogios pela sua tentativa de humanização, mesmo estando longe do ideal. “Eu acho que uma das maiores tentativas, maior investimento dessa mudança do paradigma está sendo no Regional. Escuto várias histórias bem legais de assistência lá, mas ainda escuto histórias bem terríveis, bem tradicionais. É uma mudança, mas ainda tem muito o que melhorar”, comenta Trierweiler.

Unimed, a maternidade particular


No dia 19 de fevereiro a doula Francisca Francine Jardim foi impedida de entrar na maternidade da Unimed para assistir o parto da sua melhor amiga. Francisca acompanhou o processo desde antes da gravidez. Além de doula, ela era parte da família.


Um mês antes, Francisca foi ao hospital para conseguir informações sobre o que era necessário para acompanhar o parto. Tinha um mês livre, tirou férias esperando que o processo fosse parecido com o do Hospital Universitário e precisasse de uma ambientação. Disseram a ela que nada além do certificado de doula seria necessário.


A informação veio diretamente da maternidade, mas não era correta. No dia do parto, quando a grávida estava sendo internada, já em trabalho de parto, Francisca é informada de que não pode acompanhar. Era necessário alguma assinatura do diretor do hospital. “Mas eu tenho o meu certificado! Olha o meu cartão!” A moça empurra o cartão. Não olha. “Não me interessa, não farei nada para te ajudar”.

           
Quarenta minutos de apreensão. A mãe sozinha durante todo o tempo. O pai negociando para que a doulagem fosse permitida. A melhor amiga de Francisca lá dentro.

- “É lei!”, defendem.
- “Não entra”, retrucam.
- “É o meu dinheiro em jogo!”, mente o pai, que nem precisou pagar pelo serviço.
- “Não entra”, retrucam.

Francisca nervosa. As mãos tremem. “Você pode entrar como visitante”, os funcionários informam. Francisca trabalha como doula. O seu trabalho sendo questionado durante todo o tempo. “O que você vai fazer lá dentro?”. “Você sabe o que vai fazer?”. “Pra que entrar?”.
“O que que é doula?”.


Francisca teve seu primeiro contato com parto aos 8 anos. Ela ama esse universo. Quando questionada, é ferida também como mulher. Não é enfermeira e “não tem formação”. Mas para ser doula não precisa ser enfermeira. Mesmo assim é questionada.

           
Quando ela entra como visitante, é maltratada por todos além do porteiro, que não parece se importar, e de sua amiga, que se importa. Francisca entra no quarto e pede uma bola para exercícios. Chega uma bola murcha. “Vamos tomar um banho”. Chuveiro frio. Não tinha toalha.

           
Francisca pergunta e não tem respostas. Ela começa a massagem na mãe, que evolui dois dedos. A médica entra. “Tem certeza que é isso que você quer? Vai doer, vai doer. Talvez você não consiga. Têm mães que ficam 30 horas e não conseguem ganhar o bebê. Dói. É muito dolorido, você não queria sofrer, lembra?”

           
Dói. Dói. 6 de dilatação, contra os 4 com os que ela entrou. Francisca chora atrás da médica. Seu trabalho indo por água abaixo. Por fim, a mãe concorda com a cesárea, para a felicidade da médica. Francisca conta que é doula, nervosa, e a médica diz que não pode fazer nada. Que “não vai mexer um dedo”. Que “não tem nada a ver”. Ela aceita.

           
Francisca assiste sua amiga indo para uma cesárea com 6 cm de dilatação. Mais tarde, ela recebe a ligação da amiga se desculpando por não ter ouvido. “Eu não consigo ver minha filha porque tenho um corte na barriga”.


- “Vocês têm que cumprir a lei.”
- Doula/querida/linda/filha, aqui é um hospital privado!
- A lei não vale? O dinheiro está acima da lei aqui?”.


O caso ocorreu no dia 19 de fevereiro. Na página do Facebook do hospital, no dia 22 de março, foi compartilhado um post sobre doulas. “Você sabe o que é uma doula?”, esclarecia sua função e afirmava que “os partos dentro do HGU permitem doulas nos partos. Respeitamos a Lei 12.166, que prevê um cadastro prévio das doulas e também que elas apresentem uma certificação ocupacional. Converse com seu médico! A presença das doulas no parto é uma experiência única de afeto e vínculo entre a mamãe e o bebê”.


Contatamos a Unimed, que reafirma que o motivo do caso foi a falta de cadastro prévio da doula na instituição, processo necessário para todas as profissionais. Mesmo assim, Francisca não foi informada quando procurou ajuda no hospital.

No Brasil

           
No Brasil, o hospital que é referência na questão de partos humanizados é o Hospital Sofia Feldman, localizado em Belo Horizonte. Em 2017, cerca de 25% dos partos realizados foram cesáreas. Além disso, 85% dos partos foram assistidos por enfermeiras obstetras retirando a autoridade central do médico e propiciando o protagonismo das mães no momento do parto. Apenas em 2,1% dos casos foi realizada a episiotomia.

           
O Hospital Sofia Feldman é um hospital filantrópico que nasceu de uma iniciativa da comunidade. “A comunidade percebeu a necessidade de construir um hospital periférico num bairro de Belo Horizonte, numa das regiões mais pobres do município. Ele nasceu através dessa iniciativa, através de doações, de trabalho em mutirão, trabalho comunitário e até hoje a gente mantém uma presença muito forte na comunidade”, conta o diretor clínico do hospital João Batista Marinho de Castro Lima.


Durante o 1º Encontro Nascer nos Campos Gerais, o diretor apresentou a estrutura do hospital, capacitado para realizar 150 partos por mês, quartos com banheiras para parto na água, oferecimento de métodos não-farmacológicos para alívio da dor e incentivo ao parto normal.


Um dos pilares do Hospital Sofia Feldman, segundo o diretor do hospital, é a valorização da experiência humana. "O nascimento sempre empolgou e sempre mobilizou a humanidade, afinal de contas é um novo ser que vem para o mundo e com isso ele modifica não só quantitativamente esse planeta, mas de forma qualitativa também. A experiência humana é fundamental nesse momento. Todos nós que estamos assistindo, participando da assistência ao nascimento temos que ter em mente a importância dessa experiência, que a gente pode chamar de humanização”, defende doutor Lima.

A realidade


“Ponta Grossa tem uma estrutura de sociedade tradicional, conservadora e tem muito pouca abertura para falar em direito reprodutivo, que a mulher tem direito ao aborto, que a mulher tem direito a escolher o local do parto, que a mulher tem direito a acompanhante. Todos esses direitos existem, a questão maior é o preconceito que eu penso que se estrutura em função dessa autoridade médica que acha que o médico é o único profissional que é capaz, que é competente para realizar a assistência obstétrica e neonatal e não é”, lamenta a pesquisadora Ana Maria Bourguignon de Lima.


Pelo SUS, desde 1998, a enfermeira obstétrica pode atender o parto. E a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda essas profissionais desde 1996. Lima também reconhece que na cidade ainda há muita resistência à inserção das enfermeiras no atendimento ao parto. “Agora a gente está conseguindo falar com os profissionais sobre humanização do parto, falar que as mulheres têm direito, que agora as mulheres estão conseguindo levar seus companheiros, mas muito aos poucos, é muito gradual… Eu acho que é um processo que não tem reversão, espero. Mas ainda é um caminho que se inicia em Ponta Grossa”, relata.


A enfermeira Allana Pietrobelli Trierweiler luta em defesa da assistência obstétrica por enfermeiras especialistas. “Eu penso que até a classe médica tem que discutir sobre isso. Qual é a real necessidade de eu ter um médico, que custa muito mais caro para qualquer instituição, assistindo todos os partos, sejam eles complicados ou não? Não faz sentido. Então vamos deixar aquele parto fisiológico, natural, que não tem nenhuma complicação para a enfermeira assistir. E os médicos ficariam somente nos casos necessários, que aí sim eles têm que intervir”, explica a enfermeira.


A professora de história da UEPG Georgiane Garabely Heil Vázquez acredita que hoje ainda existe certa disputa entre médicos e parteiras. “É necessário lembrar que historicamente o espaço do parto e os cuidados com puérperas e bebês sempre foram exclusivos de parteiras, sejam as diplomadas ou as parteiras tradicionais, do conhecimento prático”, conta a professora.


Trierweiler também relata que as outras realidades no mundo afora modificaram suas assistências, aumentando o número de enfermeiras obstetras (profissionais formadas pelo curso de Enfermagem com especialização na área) e obstetrizes (graduadas em Obstetrícia) no atendimento ao parto e não foi aumentando o número de médicos. “Nos grandes centros [São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis] isso acontece. E dá certo. Então nada mais justo que a gente seguir esses exemplos que já estão aí faz tempo e que funcionam. É só querer mudar, porque exemplo a gente tem pra seguir.” reitera.


“Hoje em dia eu sei que aqui em Ponta Grossa está tendo uma mudança de paradigma, mesmo lento, mas está tendo”, comenta a enfermeira. Exemplo disso é que hoje as mulheres podem protocolar um plano de parto onde elas colocam tudo que elas querem e o que elas não querem durante esse momento. Ele é avaliado pela equipe técnica do hospital que dá um retorno para a mãe se vai ou não acatar aos seus pedidos. “Em algumas situações o pedido não é respeitado e eles têm que embasar o porquê. Vai depender muito da equipe que vai avaliar esse plano de parto. Mas a gente sabe também que se eles não quiserem respeitar nada do que está escrito ali, eles vão acabar embasando de forma absurda e não vão realizar”, ilustra Trierweiler.


“Minha mãe viveu violência obstétrica, mas ela jamais mencionou isso, porque antes esse termo não existia. Ela não acha que viveu, porque foi criada numa cultura onde os médicos podiam fazer tudo na hora do parto e ela deveria aceitar. Então, acho que a politização do parto e da maternidade são necessários para que mais mulheres não sejam expostas à violência e às marcas de um parto traumático”, defende professora de história Georgiane Vázquez.