luis felipe maio 20181

O professor Luis Felipe Miguel faz parte do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB). O docente esteve na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) em março desse ano para ministrar a palestra “O golpe de 2016 e o futuro da democracia no Brasil" que abordou as consequências do impeachment da presidenta Dilma Rousseff e esclarece questões sobre a atual política brasileira. O tema é o mesmo do curso criado pelo professor e censurado pelo chefe do Ministério da Educação, José Mendonça Bezerra Filho. A entrevista foi concedida para as repórteres do Foca Livre.

 

 

P: Vivemos o acirramento das polaridades esquerda/direita no Brasil. Qual a diferença entre esses dois conceitos e como isso tem sido entendido pela grande maioria da população brasileira?

 

 

R: Existe um grande desconhecimento do significado da polaridade. As pessoas têm pouco incentivo para entender a política e existe, muitas vezes, um entendimento de direita como aquilo que é direito, correto. E a esquerda sendo, portanto, o oposto disso. Historicamente, a esquerda é vinculada aos grupos com menor poder aquisitivo, os mais pobres e a classe trabalhadora. Quem se opõe aos interesses desse grupo, portanto, os grupos mais privilegiados, está associado à direita. Tento acreditar que o que diferencia esquerda/direita é o julgamento se as formas de dominação podem ser superadas numa sociedade.

 

 

P: Sobre essa intolerância política, qual a causa desse comportamento?

 

 

R: Temos um acirramento do conflito político no momento em que grupos, que normalmente sempre perderam, começam a exigir melhorias.

 

 

P: Quais momentos anteriores da história podem ser comparados a esse tipo de embate?

 

 

R: Nos dois momentos em que tivemos um governo que propôs a diminuição da injustiça social. Antes do golpe de 1964, houve um acirramento muito parecido com o de hoje, com o governo de João Goulart [1961-1964]. Agora, tivemos Lula [Luiz Inácio Lula da Silva] e Dilma [Rousseff] promovendo medidas muito igualitárias no Brasil, que tem um padrão de muita desigualdade. Os grupos dominantes, muito acostumados à desigualdade, toleram muito pouco o ideal de igualdade, o que vem da herança escravocrata, de uma sociedade que sempre se organizou assim.

 

 

P: Qual o papel dos meios de comunicação brasileiros como construtores ou não da intolerância política entre grupos de diferentes posições?

 

 

R: Há uma responsabilidade muito grande, pois eles não contribuem para a educação política. O espectador médio da televisão aberta brasileira tem um grau de informação muito baixo em relação aos fatos, à política e à economia. As pessoas não vão ser informadas pelos meios de comunicação e, ao mesmo tempo, a interpretação da realidade é sistematicamente enviesada a favor de grupos e contra outros.

 

 

P: O que as eleições nacionais de 2018 representam para a democracia brasileira? O que está em jogo no atual cenário político?

 

 

R: No Brasil, nós já temos uma eleição complicada porque o candidato [Lula] que é líder nas pesquisas eleitorais está sendo impedido de concorrer. Portanto, você retira dos eleitores a decisão sobre se ele deve ser presidente ou não. Sempre houve processos eleitorais complicados no Brasil porque a mídia tem lado, porque alguns têm poder econômico. Hoje, há uma perda de legitimidade maior por causa da interferência no processo eleitoral. A universidade sempre teve o papel de estimular a pluralidade de ideias, proporcionar o debate aberto sobre todo tipo de questão.

 

 

P: Como o senhor recebeu a reação do Ministro da Educação, José Mendonça Filho, de tentar impedir a realização do Curso na UNB que chama o impeachment da Presidenta Dilma de golpe?

 

 

R: Infelizmente, o ocupante do Ministério da Educação não é familiarizado com esses processos. Ele parte de um entendimento de que o fazer científico em uma universidade tem de ser algo que não toma posição diante dos conflitos sociais. Mas isso não é verdade. A ciência sempre se faz respondendo às indagações da sociedade. O fato de o curso interpretar a queda da presidente Dilma como golpe é uma posição e existem posições diferentes. Mas essa posição não é arbitrária. É baseada em uma compreensão do processo político brasileiro, que não é só minha. Tentar impedir o debate é um gesto autoritário e, por isso, causou uma repercussão tão ruim.

 

 

P: Do embate dominação e resistência, qual versão predominará na história política brasileira sobre o impeachment da presidenta Dilma Rousseff?

 

 

R: Espero que sejam os dois lados. O sentido do golpe de 2016 é a ampliação da dominação da sociedade brasileira, ou melhor, impedir as reações contra a dominação. O que o governo que assumiu tem feito? Redução de direitos e políticas sociais de combate. As formas de justiça perdem o funcionamento ou deixam de existir. Foi aprovado o fim da legislação trabalhista. Investimentos sociais foram congelados. Ocorre o fortalecimento da dominação. Mas acho que a sociedade brasileira está começando a mostrar também que é capaz de resistir. O que aconteceu após o assassinato da vereadora Mariele Franco mostra isso. O Golpe foi o momento de reforço da dominação, mas em resposta a ele cresce a resistência.