No dia cinco de outubro de 1988, a Constituição Federal (CF) foi promulgada, garantindo direitos sociais, políticos, culturais e econômicos a todos. Foi a sexta constituição desde a Independência do Brasil, porém a primeira, de fato, democrática.

 


Para o professor de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), Igor Sporch, em 1968, com o Ato Institucional nº 5 (AI 5), acompanhado do fechamento do Congresso Nacional, deixou de existir a constituição vigente na época. “Até 1988, fomos regidos por uma carta que prescrevia diversas formas de exercício de poder” e, para Sporch, não havia direitos fundamentais porque não existia liberdade”.

 

    
A Constituição de 1988 foi, portanto, fruto da redemocratização do país. O historiador e professor da rede pública de ensino, Cláudio Dias, afirma que, naquele momento, a Carta Magna foi importante para reconstrução da democracia. Isso, principalmente, porque o instrumento legal serviu para garantir direitos sociais básicos como “moradia, alimentação e segurança”, embora “pouquíssimo tenha se respeitado”, como ressalta Dias.

 


Constituição: cidadã?

 


Historicamente, ao se propor uma nova Constituição no Brasil, sempre ocorria a elaboração de pré-projetos. Para o Doutor em Constituição Alexandre Rocha, professor na UEPG, uma das principais características da elaboração da Constituição de 88 foi a rejeição do pré-projeto.

 


“O projeto foi totalmente reconstruído”, destaca o professor explicando que houve, realmente, uma participação significativa dos diversos setores da sociedade. Segundo Rocha, “a participação foi efetiva, pois era possível que os cidadãos encaminhasse sugestões individuais para a montagem do texto”.

 


A Constituição, naquela eṕoca, foi chamada de Cidadã pelo então presidente da Câmara dos Deputados, Ulysses Guimarães. Segundo Igor, a Constituição de 88 foi realmente fruto de um processo democrático. “Ela [a constituição] garante direitos aos indivíduos e coletividades e resolve dramas históricos”, entre eles, a demarcação de terras indígenas e quilombolas, como explica Sporch.

 

 

Sporch reitera que, embora muitas coisas não tenham se efetivado, ainda se vive um processo de regulamentação. Para o professor, o texto da Constituição buscou ouvir ideologias distintas muito efervescentes à época de sua elaboração. “O texto é a junção harmônica de várias orientações que eram presentes no contexto da época”, ressalta se referindo a movimentos conservadores e liberais da sociedade civil da década de 80.

 

 

Para Alexandre, o processo de elaboração obviamente não deixou de ter forças políticas que representavam interesses ambíguos. “Tem polarizações de esquerda, direita e centro, interesses diferentes de setores diferentes”, avalia.

    

 

Três poderes

 

 

Uma das principais características da Constituição de 1988 foi a divisão dos três poderes na República, Legislativo, Executivo e Judiciário, respeitando o “Sistema de Freios e Contrapesos”, que garante a harmonia e a independência entre eles. Embora independentes, o texto constituinte prescreve que há responsabilidades recíprocas entre eles.

 

 

Para Alexandre Rocha, a Constituição tem um potencial não explorado. “Embora a constituição de 88 claramente trabalhe com a separação de poderes, existe um excesso de intervenção do Poder Judiciário sobre os outros dois poderes”, afirma.

 

 

 Essa politização do poder, como alerta Rocha, decorre de uma leitura do Direito em si, abrindo uma margem excessiva para que o judiciário se “intrometa” em esferas que não são a sua. “Isso não é o que está na Constituição”, protesta.

 

 

Para Sporch, em termos jurídicos, a Constituição deveria funcionar plenamente. Porém, faticamente ainda existem alguns problemas ligados à conformação do Poder Judiciário. “O Judiciário pode ser extremamente conservador em alguns pontos e vanguardista em outros”, o que acontece, segundo Sporch, em grande parcela pela sua elitização implícita. “Se você fizer um recorte de gênero, classe e de raça, você vai perceber”, avalia Sporch.

 

 

Segundo o censo do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), apenas 2% dos juízes são pretos. As mulheres representam apenas 36% dos magistrados e 0,1% se declaram indígenas.

 

 

Jovem democracia marcada por dois processos de impeachment

Em 29 anos de democracia, o Brasil passou por dois processos de impeachment. Conceitualmente, a palavra significa “impedimento” e é utilizada como um modelo instaurado contra autoridades para a não respeitabilidade de seus deveres funcionais.

 

 

O primeiro aconteceu em 1992, após denúncias de corrupção do ministro da fazenda do presidente Fernando Collor. O governo vinha de alta rejeição e os índices de inflação e desemprego eram grandes. O segundo aconteceu em 2016, após denúncias de “peladas fiscais” da presidenta Dilma Rousseff.

 

 

Para o professor de História Cláudio Dias, há grande diferença entre dois processos já que “o mandato do Collor foi um caso de corrupção descarado”. Em relação ao processo sofrido por Dilma Rousseff, Dias avalia que, embora o impeachment possa ser usado, já que a Constituição prevê, “em nossa frágil democracia, ele é usado para o golpe”.

 

 

Sporch afirma que existem dois lados para se pensar os processos. “Embora indiquem que as instituições funcionem formal e processualmente, temos os termos materiais e, aí, é uma perspectiva”, diz.

 

 

Segundo o professor de Direito, não há possibilidade de se comparar os dois processos de impeachment. “Isso indica que ambos, por razões diversas, indicam um sentido de instrumentalização do Estado”, o que para Sporch significa que os gestores públicos gerem o Estado como se privado fosse.

 

 

O professor Alexandre Rocha também avalia os processos de forma semelhante, afirmando que o processo é totalmente constitucional e aceitável, porém, a forma como são manejados esconde fraturas que afetam a democracia. “Isso depende da representação e prática política existente no momento”, destaca.

 

    

Segundo Rocha, o procedimento se aproxima do jeito como se entende o crime, mas como quem faz o julgamento é o Senado, ele tem uma dimensão inteiramente política. “Infelizmente pode retratar circunstâncias do momento”, conclui.

 

     

Alexandre também afirma que o impeachment de Dilma Rousseff foi um processo muito frágil. “Juridicamente, não tinha nenhuma justificativa para o impeachment da Dilma, mas ele aconteceu. O processo é muito frágil, mas, procedimentalmente, observou-se aquilo que a Constituição estabeleceu para o impeachment”, afirma Rocha.

 

 

Movimentos pró-ditadura

 

Desde os movimentos de junho de 2013, se percebe, no Brasil, uma intensificação de movimentos pedindo a volta da ditadura Civil-Militar no país. Essa foi, inclusive, uma reivindicação que se misturou à pauta da greve dos caminhoneiros em maio deste ano.

 

 

Para Cláudio Dias, a pobreza e a falta de esperança geram crenças que “por intermédio da força, se resolveria problemas”. Segundo o professor, essas particularidades são próximas e observáveis em alguns regimes totalitários, como o fascismo e o nazismo.

 

 

Igor Sporch afirma que a série de manifestações de 2013 foi um evento que despertou algumas particularidades. “Parece que despertou algo muito ruim do que se poderia chamar de brasilidade”, alerta.

 

 

Para o professor, além de o país ter períodos democráticos muito curtos, ele foi historicamente  formado em bases autoritárias, despertando o reacionarismo que já existe inconscientemente. “O autoritarismo das instituições está na cabeça das pessoas e isso aparece como um indicativo na cabeça do brasileiro”, conclui.