Corredora Roseli Machuca há cerca de um ano da equipe de corrida “Superação”. Foto: João Guilherme Castro

  

Na linguagem dos corredores, a temida "quebra" acontece quando o atleta não consegue manter o ritmo durante toda a prova e precisa reduzir o passo na tentativa de chegar ao final. Funciona basicamente assim: o corpo se sente bem e forte no início da prova, mas com o passar o gasto de energia é tão grande que o corredor tem dificudade de completar a prova. O que acontece na quebra com o organismo, também pode ser comparado aos dramas vividos de quem sofre de depressão.

 

 

No final da tarde de terça-feira, com o café pronto já na mesa, a dona de casa Roseli Machuca calça o tênis, veste o uniforme e se prepara para mais um dia de treino. Então, se despede do cãozinho e do marido e entra no carro. “Tchau, amor, se cuide”. Passa na casa de amigas e, juntas, elas vão ao pátio do Conservatório de Música e da Biblioteca Municipal. Lá estão reunidas, com a mesma camiseta, várias mulheres que conversam animadamente umas com as outras, entre abraços e saudações. Às 19h20, soa o apito. O treino vai começar.

 

 

A equipe de corrida Superação existe há três anos e reúne aproximadamente 120 mulheres de 17 a 65 anos. Os encontros acontecem duas vezes por semana, alternando a semana de corrida com a que as esportistas treinam em circuitos, alongamentos e danças. Para participar, basta entrar em contato com a coordenadora da equipe, Caroline Barchaki. São cobrados R$ 20, mensais, das atletas. Em Ponta Grossa, existem vários grupos de corrida, com diferentes objetivos. Entretanto, a equipe Superação é a única que busca reunir pessoas com depressão, ansiedade e síndrome do pânico.

 

 

A organizadora e policial militar Caroline Barchaki criou o grupo após achar, no esporte, uma saída para enfrentar a depressão. “Foi através da corrida que eu consegui uma segunda chance. Talvez eu nem estivesse aqui se não fosse por ela”, conta Barchaki. “Para mim, correr é vida e eu vejo que correr é vida para elas também, porque não fui só eu que saí do fundo do poço. A gente conseguiu sair junta e a gente sempre ajuda alguém a sair também”, comenta.

 

 

Há dez anos, Roseli Machuca, de 53 anos, luta contra a depressão. Ela estava passando por um momento de manifestação mais grave do transtorno quando, há cerca de um ano e meio, a médica que a acompanhava indicou a realização de uma atividade física. “Na próxima consulta, eu quero ouvir você me contar que está fazendo alguma coisa”. Roseli ficou ansiosa com a situação, pois não estava animada a cumprir a recomendação e cogitou não voltar mais a se consultar com a médica.

 

 

Mas, no intervalo entre as consultas, ela conheceu a equipe de corrida. Informou-se com a organizadora a respeito do funcionamento e disse que iria experimentar participar um dia. No primeiro dia, chegou a pensar em não ir, procurando alguma desculpa para se ausentar. “Era tão forte aquilo que eu sentia de não querer sair que eu queria arrumar alguma desculpa para não ir”. Chegou o horário da aula e meu esposo falou que eu tinha que ir. Quis me esquivar, mas ele insistiu para que eu fosse. “Você falou que iria hoje, vá lá conhecer”. Então, eu fui

 

 

A depressão e o esporte

 

 

No Brasil, segundo a Pesquisa Nacional da Saúde de 2013 realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) junto com o Ministério da Saúde, 11,2 milhões de pessoas foram diagnosticadas com depressão. As definições e critérios médicos sobre a doença não são um consenso entre os profissionais e estudiosos da área. Atualmente, é a quinta edição do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais que guia o diagnóstico. Segundo o documento, a depressão é caracterizada pela “presença de humor triste, vazio ou irritável, acompanhado de alterações somáticas e cognitivas que afetam significativamente a capacidade de funcionamento do indivíduo”

 

 

.A condição clássica do transtorno depressivo - transtorno depressivo maior - apresenta episódios de pelo menos duas semanas de duração, sendo que, geralmente, a maioria dos casos dura um tempo maior, segundo o manual. Alterações do humor, mantidas por pelo menos dois anos em adultos e um ano em crianças, podem ser características de um quadro crônico do transtorno. É importante ressaltar que é necessária a procura de um profissional adequado para o diagnóstico e tratamento da depressão.

 

 

 

Entenda mais sobre depressão com o áudio do Professor de Psicologia Elvio Maximo

 

“O sujeito [com depressão] vai perdendo reforçadores ao longo da vida”, explica o professor de Psicologia e especialista em Psicologia do Esporte, Elvio Maximo. Um sujeito com depressão, muitas vezes, acaba se isolando, como destaca o professor. “Conviver em grupo, praticando um exercício físico, o motiva e isso vai auxiliar no tratamento dele”, defende Maximo

 

 

.A atividade física libera hormônios no corpo que aumentam a sensação de prazer e bem-estar diminuindo a sensação de desânimo e tristeza causada pela depressão. “O exercício físico libera mais serotonina, mais endorfina. Então, isso vai contribuir para a pessoa de fato melhorar”, explica o especialista.

 

 

Apesar da validação do esporte como uma ferramenta que auxilia no tratamento da depressão, às vezes o paciente não se motiva com a ideia de começar a praticar alguma atividade física. Mas após o início, o praticante percebe os benefícios da atividade e continua a exercitar-se.  “Já tive relatos de pessoas que foram ao treino porque tinham que ir e depois me contaram que estavam felizes por terem ido, pois agora estavam se sentindo bem melhor”, comenta o educador físico Luís Henrique Flaviano.

 

 

A corredora Roseli Machuca foi uma dessas pessoas que, a princípio, relutou em ir ao treino, mas após participar do primeiro dia de aula, não perde nenhuma corrida mais. Quinze dias após o primeiro dia, ela voltou para a consulta com a médica. “Tenho duas novidades”. A primeira era que ela estava fazendo uma atividade física e a segunda era que ela tinha ganhado uma medalha na primeira corrida que participou.

 

 

A paciente, iniciante na prática da corrida, tinha participado de uma prova rústica de cinco quilômetros. “Foi uma emoção muito grande. Eu quase não consegui terminar a prova, mas eu terminei o percurso”. E desde que se tornou membra do grupo, foram sete participações em corridas, tendo ganhado várias medalhas.


 

As medalhas de participação e premiação da corredora Roseli Machuca.

Foto: João Guilherme Castro

 

O desafio de superar o limite físico da corrida - como ocorreu com Roseli Machuca - pode funcionar como um estímulo, tendo consequência no tratamento. “Para a saúde mental a atividade física é excelente, porque você sai da rotina. Você sempre está fazendo coisas diferentes, conhecendo pessoas, tendo qualidade de vida. Então, são desafios, digamos, todos os dias”, argumenta Caroline Barchaki que, na coordenação do grupo Superação, viu os casos de superação se multiplicarem.

 

 

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2015, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a caminhada e corrida ocupam o segundo lugar na lista dos esportes mais praticados no Brasil, com 9,5 milhões de adeptos. “A corrida é um esporte democrático, barato, dá para praticar em qualquer lugarzinho. Todo mundo pode praticar e também tem bastantes eventos na cidade e fora dela”, justifica Barchaki.

 

 

A expressão de felicidade é nítida em quem encontra, na corrida, uma forma de superar a depressão, cultivando amizades e colecionando medalhas. “Corridas são muito semelhantes ao que a gente passa no dia a dia da nossa vida. É difícil, tem subidas, tem descidas, tem retas, alegrias, realizações, tristezas, agonias, decepções, mas a gente sempre consegue chegar lá. E, agora, eu estou dando tchauzinho para a minha depressão”, relata a corredora Roseli Machuca.