Setor de saúde de Ponta Grossa vem gastando menos que o valor orçado anualmente

É de praxe: todo órgão público constrói, a cada ano, um planejamento orçamentário para os setores que engloba em seus serviços. A Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, dividida em 13 secretarias e 4 fundações, utiliza como base os valores gastos por cada uma de suas subdivisões nos anos anteriores para orçar quanto as secretarias ou fundações terão à disposição entre janeiro e dezembro do ano em questão. O Portal da Transparência expõe, em cumprimento à lei da transparência - que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal -, cada um dos valores orçados, assim como o empenhado (gasto previsto) e o liquidado (gasto totalmente quitado pelo órgão). Mas, no último ano, nem todos os valores que estavam previstos no orçamento pelo Portal da Transparência foram utilizados pelos órgãos.
Unidade de saúde em Ponta Grossa, no bairro Órfãs | Foto: William Clarindo

 

Saúde e educação estão entre as maiores demandas de uma sociedade e é comum encontrá-las em qualidade inferior à esperada pela maioria da população. Entretanto, a Secretaria Municipal de Saúde de Ponta Grossa, nos últimos anos, tem deixado “sobrar” em caixa. O Portal da Transparência aponta que, nos últimos três anos, o valor orçado em previsão para a saúde, no início do ano, foi sempre maior do que o valor gasto, ao final dos 365 dias. Ou seja, a saúde não utiliza todo o montante que lhe é fornecido, mesmo com inúmeras carências no serviço.

Em 2018, o valor orçado para a secretaria de saúde foi 216.734.032,54 reais e a secretaria gastou 196.196.841,30 reais. Os outros 10% não utilizados foram remanejados para outros setores da prefeitura ou permaneceram no cofre municipal. O mesmo se repetiu nos anos anteriores: em 2017, o orçamento previa 201.598.678,55 reais e foram gastos 184.401.972,92 reais; em 2016, o valor orçado era de 179.511.802,00 reais, e o valor gasto foi de 166.849.545,26 - variações consideradas normais pela administração financeira da cidade.

O planejamento anual de uma prefeitura está intimamente ligado a três instrumentos constitucionais: o Plano Plurianual (PPA), a Lei Orçamentária Anual (LOA) e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O Plano Plurianual é aprovado sempre no segundo ano de mandato do prefeito eleito - valendo, portanto, até o primeiro ano do próximo mandato. Em vigor, está o PPA do quadriênio 2018-2021. O documento detalha a estimativa de receitas e define objetivos, ações e programas a serem colocados em prática por cada função na prefeitura. Trata-se de um grande planejamento orçamentário da administração municipal a longo prazo. Para alterar essas ações orçamentárias de acordo com as necessidades detectadas em cada ano, existe a Lei Orçamentária Anual.

A LOA estima a receita e fixa a despesa do município para o ano vigente. Neste ano, os valores ficaram em cerca de 1 bilhão e 15 milhões de receita estimada, e aproximadamente 940 milhões de despesa fixada para o exercício de 2019. Este documento é o responsável por definir quanto cada setor terá como teto para os gastos ao longo do ano. Nesta LOA, dos 940 milhões de despesa previstos, em torno de 249 milhões são referentes à educação, 190 milhões referentes à saúde e 117 milhões pertencem à administração, sendo estes três os maiores gastos estimados.

“A gente já sabe, do ano anterior, quanto uma secretaria ou uma fundação necessitou de investimento, teve de despesa. Com base nessa média histórica a gente define o orçamento para o próximo exercício. O que a gente não pode ter é valor solicitado de despesas pela secretaria acima do valor previsto de receita. Muitas vezes as secretarias mandam solicitações de obra ou investimento que vai ultrapassar o valor orçamentário, aí na própria lei orçamentária temos que fazer o ajuste”, explica o Secretário da Fazenda da Prefeitura de Ponta Grossa, Cláudio Grokoviski.

O pesquisador em Economia Política, Michel Samaha, afirma que é comum que existam eventuais problemas durante construção orçamentária de um município. “Em um país com crises econômicas recorrentes, a tarefa do gestor público em acertar nas suas previsões é mais difícil. A solução para esse tipo de problema é construir, com apoio da tecnologia e de profissionais capacitados, sistemas de acompanhamento que respondam de forma rápida e precisa a variações conjunturais”. Ele explica também que os profissionais que atuam na área devem prever as necessidades de elaboração de políticas fiscais e tributárias que contribuam para o equilíbrio das contas públicas municipais.

“Existem secretarias e fundações que, durante a execução orçamentária, têm uma economia, aí fazemos cortes orçamentários. E existem também aquelas que, durante a execução orçamentária, consomem um pouco mais daquilo que foi previsto na lei orçamentária anual, onde é feito remanejamentos orçamentários e colocado uma dotação, uma rúbrica, uma verba maior”, completa o Secretário Grokoviski.

Em junho de 2018, a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa anunciou mudanças no secretariado. A Fundação de Turismo passou a ser Secretaria de Turismo, a Fundação de Esportes passou a ser Secretaria de Esportes, e a Secretaria de Saúde passou a ser Fundação de Saúde. O anúncio foi feito pelo próprio Prefeito Marcelo Rangel em coletiva de imprensa. Na ocasião, afirmou que a alteração na figura da Secretaria de Saúde faria com que as despesas patronais fossem reduzidas, possibilitando maiores investimentos. Essas despesas são encargos que a administração é levada a atender pela sua condição de empregadora, resultante de pagamento de pessoal, como as contribuições previdenciárias.

Uma secretaria é um órgão localizado na cúpula da administração, diretamente subordinado à prefeitura, sendo, portanto, intermediário, com todos os atos imputados à entidade a que pertence. Esses órgãos integrantes dos Poderes e responsáveis pela função administrativa fazem parte da administração direta ou centralizada. Já uma fundação tem uma administração indireta, de personalidade jurídica própria, atividades administrativas descentralizadas, receita e patrimônio próprio.

A mudança de secretaria para fundação na área da saúde do município implica também em alterações para que a fundação exerça seu papel de autonomia dentro da prefeitura, reduzindo burocracias para o uso dos recursos. Constitui-se um novo CNPJ, pregoeiros específicos para fazer licitação, concurso público próprio para contratar os profissionais necessários, medicina do trabalho específica. Enquanto a mudança completa não é efetivada, a prefeitura ainda compartilha setores e funcionários com a nova fundação.

Como fundação, neste ano, o valor exato orçado para a saúde ponta-grossense ficou na casa dos 194 milhões, cerca de 22 milhões a menos do que o orçado no ano anterior. O esporte, que foi de fundação para secretaria, gastou 4.691.432,30 reais em 2018, e tem 7.491.455,26 reais como valor orçado em 2019. Vale destacar que, em fevereiro, o Portal da Transparência previa 9.943.755,26 reais como valor orçado para o esporte, o que daria um aumento de quase 100% para este setor.

O problema é que, apesar das ‘sobras’ no setor de saúde segundo o que aponta o Portal, a saúde de Ponta Grossa está longe de um ideal. A população da cidade indicou, neste mês de agosto, que saúde, segurança e pavimentação sejam prioridade na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2020, ou seja, quer que a cidade invista mais nesses serviços. Para elaboração da LDO, foram disponibilizados questionários em escolas e centros municipais de educação infantil através de um formulário online na página da Prefeitura e também pela Câmara Municipal, nos gabinetes dos vereadores. Com esta consulta popular foram coletadas mais de 30 mil sugestões com as prioridades de investimento da população, como divulgado pela Prefeitura.

O Secretário Adjunto de Saúde de Ponta Grossa, Rodrigo Manjabosco, relata que, com a mudança para fundação, o setor da saúde do município consegue mais autonomia nas decisões, o que interfere também no orçamento para a saúde. Em relação à sobra de verbas destinadas ao setor, Manjabosco afirma que não existe sobra de dinheiro e que o valor já está destinado a pagamentos subsequentes. “Eu não pago imediatamente o prestador, tenho que fazer o empenho, prestar contas, passar para o sistema de contabilidade e conferir se aquilo está correto. Isso leva de 30 a 45 dias para acontecer, e, depois, eu libero o recurso. A Fundação não paga à vista”, explica. Ainda, segundo o secretário, a fundação permite que o setor deixe de pagar cerca de 30 milhões em tributos, valor estimado enquanto secretaria, com pagamentos obrigatórios previstos em lei como impostos, taxas e contribuições de melhoria.

Vale ressaltar que, ainda que exista um prestador a ser pago, o valor deve constar na aba ‘empenhado’ do Portal de Transparência. Em 2018, 202 milhões estavam empenhados, 216 milhões haviam sido orçados e o valor liquidado ficou na casa dos 190 milhões.

Como citado anteriormente, na mudança de Fundação para Secretaria, há uma adaptação interna que gera economia porque a administração volta a ser compartilhada - é o que aconteceu com o esporte, que teve o valor orçado inflado. Na mudança de Secretaria para Fundação, também existe uma economia proveniente de tributos que deixam de ser pagos, mas esse dinheiro não retornou à saúde. O valor orçado diminuiu, enquanto a saúde terá gastos internos com a formatação de uma administração própria, com novos profissionais que precisam passar por concursos para que a fundação assuma uma organização independente.

Confira a tabela com os valores orçados e os valores gastos no setor de saúde em Ponta Grossa:

 

Ficha Técnica
Reportagem: Mariana Santos e Raylane Martins
Edição: Ane Rebelato, Bruna Kosmenko e Rafael Santos
Foto: William Clarindo
Supervisão: Professoras Angela Aguiar, Fernanda Cavassana e Helena Máximo