O maior desafio para resolver o problema habitacional é o enfrentamento da especulação imobiliária

 

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Localizado no centro e em toda região da Vila Vilela, o Arroio Pilão de Pedra concentra o maior número de moradias de risco em Ponta Grossa. Foto: Verônica Scheifer

 

Faltando cerca de dois anos e meio para o final do segundo mandato, o prefeito Marcelo Rangel (PSDB) sancionou a Lei nº 13.245/2018 que institui o aluguel social. Para especialistas, a iniciativa é importante, mas tem caráter paliativo. Em Ponta Grossa, 19 mil famílias estão à espera de serem beneficiadas por programas habitacionais do Governo Municipal.

 

A Câmara Municipal de Ponta Grossa aprovou, no mês de agosto, o projeto que institui o aluguel social. O projeto-piloto já começou a ser implantado. A expectativa é que o Programa Lar Acolhedor beneficie, aproximadamente, 70 famílias neste primeiro ano de implantação. O público-alvo do programa são famílias que estão em situação de risco iminente ou precariedade social.

 

O geógrafo e pesquisador em espaço urbano, Henrique Pontes, enfatiza a importância do aluguel social. Para ele, trata-se de uma “lei que visa a atender famílias em vulnerabilidade, em condições delicadas com relação à moradia e precisam de maneira urgente de uma moradia de qualidade”.

 

O pesquisador destaca, no entanto, o fato de que imóveis ociosos são alvo de especulação imobiliária.  “Hoje temos lotes vagos e áreas construídas, que não são ocupados e que estão apenas sob o interesse de especulação”, aponta.

 

Além do interesse econômico do mercado imobiliário, o pesquisador destaca que em Ponta Grossa, a política urbana habitacional é pouco efetiva. “Se a prefeitura investisse nas leis urbanas e exigisse contrapartida desses proprietários ou utilizasse de forma que realmente atribuísse valor social, resolveria muito o problema da moradia, principalmente para famílias de baixa renda em Ponta Grossa”, critica.

 

Pontes também reconhece as  várias políticas públicas a nível Federal e a melhoria significativa, nos últimos 12 anos, advindas de planos de habitação.

 

Defende, no entanto, a importância de que os municípios criem programas de moradia social, como o Minha Casa Minha Vida. “A lei do aluguel social é muito boa, mas são situações que servem apenas para remediar problemas mais graves. É preciso políticas um pouco mais incisivas que insistam na questão social das propriedades, para que efetivamente a gente corrija o problema”, argumenta.

 

Para o geógrafo, caso isso não aconteça, será impossível “estancar essa grande hemorragia que é ao problema da habitação não só em Ponta Grossa, mas no país”.

 

De acordo com uma reportagem feita, em 2012, pelo alunos do curso de Jornalismo da UEPG, o censo realizado em 2010, pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE), aponta que, no Brasil, 6,07 milhões de moradias estão vagas, enquanto o déficit habitacional é de 5,8 milhões. Ou seja, o número de casas vazias superaria o déficit habitacional brasileiro.

 

Já em Ponta Grossa,  os dados do censo do IBGE indicam, como já mostrava a reportagem de 2012, a existência de 12 mil imóveis desocupados, ou seja, mais da metade do valor do déficit de moradias do município.

 

O diretor da Companhia de Habitação de Ponta Grossa (Prolar), Dino Schrrut, reconhece que “o aluguel social é um programa pontual e temporário”. Schrrut sustenta, no entanto, que as famílias contempladas “migrarão para um acesso a moradias definitivas e, assim, participarão de todos os eixos de geração de emprego e desenvolvimento de renda”.

 

A equipe de reportagem do Portal Periódico entrou em contato com a Prolar para saber como funcionará esse processo, mas até o fechamento da matéria, não obteve respostas.

 

O advogado e doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), João Luiz Stefaniak, relembra o projeto anterior de aluguel social que não foi colocado em prática e aponta que o atual tem a mesma função de atender apenas áreas de extremo risco.

 

Para o pesquisador, o aluguel social proposto pela Prefeitura de Ponta Grossa, “é mais uma política assistencial do que habitacional propriamente dita”.

 

O problema, destaca Stefaniak, é que “a política habitacional brasileira privilegia o domínio (propriedade) como forma de aquisição deste direito”. Mas ele destaca que o “paliativo é melhor do que nada”.

 

Stefaniak alerta ainda que a atual gestão não deu encaminhamento ao Plano Local de Habitação de Interesse Social do Município de Ponta Grossa (PLHIS) que existe desde 2011. “Na realidade, a Prolar não tem uma política habitacional para Ponta Grossa. Ela apenas administra a lista de espera dos loteamentos do programa federal Minha Casa Minha Vida”, critica.

 

O Plano de Habitação de Interesse Social (PLHIS) foi elaborado pela primeira vez no município e publicado em 2011. O documento sintetiza o planejamento habitacional local e as estratégias de ação a curto, médio e longo prazo a serem executadas. Os objetivos do plano é construir uma proposta para reverter o quadro habitacional do município.

 

Cerca de 50 famílias já foram atendidas por projeto-piloto

A identificação e a verificação das demandas das famílias são feitas pela prefeitura. A avaliação é realizada pelos órgãos de assistência social e de defesa civil.

 

De acordo com o diretor da Prolar, Dino Schrrut, as famílias selecionadas serão realocadas “para um imóvel que terá o aluguel custeado pelo Fundo Municipal de Habitação de Interesse Social (FMHIS), por três meses”. O prazo pode ser estendido, por duas vezes, por igual período. Isso depende, no entanto, de avaliação da prefeitura e de liberação pelo Conselho Municipal de Habitação de Interesse Social de Ponta Grossa.

 

Schrrut destaca que a previsão de valor a ser pago é de até ⅗ do salário mínimo vigente. Atualmente, isso representaria cerca de até R$ 572. De acordo com o site Custo de Vida, em Ponta Grossa, um aluguel de kitnet varia, em média, de R$ 400 (região barata) a  R$ 800 (região cara); de um apartamento com dois quartos, de R$ 662,50 (região barata) a  R$ 1.866,67 (região cara); e de um apartamento com três quartos, de R$ 800,00 (região barata) a  R$ 2.833,33 (região cara).

 

Segundo a Prefeitura de Ponta Grossa, ainda não existe, no entanto, um valor exato para o aluguel social. Em e-mail enviado à equipe de reportagem do Portal Periódico, a Assessoria de Imprensa da Prefeitura informa: “inicialmente, trabalharemos com o cadastro das famílias até o final de outubro de 2018 para, então, implementarmos no orçamento de 2019”.

 

Em contato realizado posteriormente, a Assessoria de Imprensa afirma, no entanto, que cerca de 50 famílias já teriam sido beneficiadas pelo programa desde a implantação do projeto-piloto. Ainda segundo a Assessoria de Imprensa, “como os valores dependem de diversas variáveis - número de famílias, valor do aluguel, prazo de utilização pelas famílias - não há como estipular, hoje, a quantia que será aplicada no programa”.

 

Para os critérios de avaliação, é utilizado o Plano Local de Habitação de Interesse Social “que mapeou, em 2009, situações de risco e precariedade habitacional em nosso município e, desde então, a Prolar, juntamente com a Prefeitura, vem monitorando as áreas, com visitas recorrentes, e realocando famílias por meio dos empreendimentos entregues”.

 

Continua a demanda pela construção de moradias populares

Mais de 19 mil famílias aguardam para serem atendidas pelos programas habitacionais do município, segundo dados fornecidos pela Companhia de Habitação de Ponta Grossa (Prolar). Isso representa 348.043 habitantes, cerca de 6% da população de Ponta Grossa. O número de  moradores de área de risco chega a 20% desse total de famílias.

 

Os casos prioritários para conseguir uma casa são dos moradores que residem em áreas de risco. “A lista de espera é tecnicamente chamada de cadastro, onde a área de risco é um critério prioritário e, nos empreendimentos da Prolar, pela lei municipal, o mínimo a ser atendido é de 15% da totalidade de unidades entregues”, aponta a Diretoria da Companhia via email.

 

A professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Estadual de  Ponta Grossa (UEPG), Sandra Maria Scheffer, trabalhou por 22 anos na Prolar. A professora avalia que a alta demanda de habitação em Ponta Grossa.

 

“Em Ponta Grossa, temos uma situação interessante. Paralelo ao trabalho das companhias de habitação, nós também temos uma demanda de habitação bem alta. Isso faz parte do nosso modo de produção capitalista que sempre vai ter pessoas necessitando de moradia”, afirma.

 

Para Scheffer, não é apenas com um grande estoque que o problema vai ser solucionado. “Filhos desses moradores também vão precisar de uma moradia. Isso perpassa uma questão de raíz estrutural capitalista”, aponta a pesquisadora.

 

Ela relembra que Ponta Grossa recebeu um recurso alto do Programa Federal Minha Casa Minha vida. Segundo levantamento de dados feitos pela pesquisadora, entre o período de 2009 a 2014, o município foi contemplado com  cerca de R$ 311 milhões, valor oriundo do Fundo de Arrecadamento Residencial (FAR). “Das cidades de porte médio, Ponta Grossa é a que mais recebeu recurso no Paraná. Foram construídas 6.209 unidades, distribuídos 19 conjuntos habitacionais”, descreve.

 

Uma notícia publicada em 2011 no site da prefeitura traz entrevista com o ex-presidente da Prolar, Herivelto Benjamin. A matéria destaca que, na ocasião, Ponta Grossa, à exceção de Curitiba, era o município do Paraná com o maior número de casas financiadas pelo programa Minha Casa, Minha Vida.

 

Na tese de doutorado defendida na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR),  Sandra Maria Scheffer apresenta a distribuição espacial de conjuntos habitacionais do programa MCMV. Os dados de 2014 são da Prolar.

 

Paralelo ao crescimento da oferta pelo programa Minha Casa Minha Vida, há cerca de 10 anos, os preços do metro quadrado (m2) no município  superaram a inflação. “O preço médio do m2 em Ponta Grossa evoluiu conforme a inflação até o ano de 2008. A partir de 2009, o valor do m2 expande ano a ano crescendo acima dos índices de inflação”, aponta Scheffer.

 

Os dados analisados pela professora têm como base o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) e o Índice Geral de Preços - Mercado (IGPM) da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Os índices medem a variação de preços que resultam na taxa de inflação.

 

Tese indica que valor do m2 do terreno, em Ponta Grossa, varia acima do IPC e do IGP-M (FGV) de 2009 a 2015

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Segundo Scheffer, acabaram as verbas para os investimentos para loteamentos do Minha Casa Minha Vida destinados à faixa 1 que compreende famílias de baixa renda que recebem até R$ 1.800. A pesquisadora avalia que é correto ter o aluguel social como medida paliativa, mas, paralelo a ele, é preciso construir conjuntos de habitação.

 

Em resposta via email, a Prefeitura de Ponta Grossa, quando questionada sobre a escolha do aluguel social ou da construção de casas populares, aponta que o município não optou por um programa em detrimento do outro. Na resposta, a prefeitura relembra que  o Programa Minha Casa Minha Vida contratou quase 10 mil unidades habitacionais em Ponta Grossa e que o Lar Acolhedor “é mais um projeto que a gestão habitacional do município entendeu ser necessário para compor questões relativas ao déficit habitacional”, alega.