A equipe de reportagem do Portal Periódico ouviu brasileiros que residem no exterior sobre a repercussão internacional da vitória do presidente eleito,  democraticamente, em 28 de outubro, com cerca de 57 milhões de votos válidos. A associação da imagem de Jair Bolsonaro (PSL) ao crescimento de governos de extrema-direita em todo o mundo é alvo da crítica dos entrevistados. Propostas conservadoras - com exaltação do militarismo e declarações homofóbicas, racistas e machistas - são vistas como uma ameaça à democracia e à política das relações exteriores do Brasil.

Para Karina Janz Woitowicz, professora do Departamento de Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), atualmente pós-doutoranda do Centro Internacional de Estudios Superiores de Comunicación para América Latina (Ciespal), em Quito, Equador, é notório que sucessivos golpes de Estado em países da América Latina contribuíram para o cenário. “Do golpe a Manuel Zelaya Rosales, em Honduras, em 2009, a Rafael Correa, no Equador, em 2010 e, em nossa realidade mais próxima, o golpe que destitui Dilma Rousseff, em 2016, há avanços de forças conservadoras e neoliberais”, avalia.

Para a professora, mesmo nos dias atuais, em países que elegeram democraticamente representantes, como Argentina e o Chile, há um discurso comum “de redução do Estado, extinção de programas sociais e instauração de um modelo que retira direitos sociais duramente conquistados”.
Karina diz que a polarização entre direita e esquerda, fortalecida pelas fake news, incentiva o discurso de ódio e intolerância presente na sociedade. Para Woitovicz, a figura de Bolsonaro não deve ser entendida como uma força conservadora que “aconteceu de repente”, mas ela resulta da conjuntura histórica e social da América Latina.

 A professora destaca que, durante o processo eleitoral de 2018, houve uma tendência, nos noticiários do Chile, de retratar Jair Bolsonaro como um candidato de extrema-direita e Fernando Haddad como um sucessor do lulismo. “Pode-se falar de uma associação direta a projetos políticos no Brasil - progressista versus conservador - que possuem identificação com governos equatorianos”, interpreta.

Em um universo de cerca de mil votantes residentes no Equador, a maioria votou, como descreve a professora, em Jair Bolsonaro, que obteve 63% no primeiro turno e 72% no segundo. Para Karina, pode ter influenciado o fato de que além de limitada a cobertura jornalística também houve a associação a políticos que não disputavam a corrida eleitoral. Jair Bolsonaro era, portanto, constantemente associado ao republicano Donald Trump, presidente dos EUA, enquanto Lula aparecia mais do que Haddad. “Como pouco se conhece sobre a realidade brasileira, colar a imagens conhecidas foi uma forma de colocar a pauta política na agenda”, completa.

Para Guilherme Guardezi, estudante de Administração da UEPG, identifica um cenário parecido na Itália, onde bolsonaro também venceu. Guilherme, que atualmente estuda Gastronomia na Europa, afirma que a eleição brasileira repercutiu muito na mídia italiana e nas ruas também.

“Aqui, as pessoas que sabem que sou do Brasil vinham me falar do quão crítica estava a situação política no país”, destaca. Para o estudante, chamava a atenção o fato de haver, “de um lado, a extrema-direita, que se assemelha muito ao fascismo, e, de outro, uma esquerda desacreditada pelo povo”.    

A Itália viveu o fascismo de Benito Mussolini no início do século XX e atualmente, mais de 100 anos depois, volta a ter representantes no parlamento que flertam com ideais autoritários. “Com a consolidação do resultado que já era previsto por todos, muitos italianos comentaram da saudação ao nosso próximo presidente de [Matteo] Salvini, um congressista aqui da Itália de extrema-direita”, relata Guardezi que destacando que muitos acreditavam que isso não era bom pelos ideais e propostas que ambos apresentam.

O estudante se refere ao tweet (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2018/10/10/Nos-EUA-e-na-It%C3%A1lia-o-que-Sanders-e-Salvini-dizem-de-Bolsonaro) publicado por Matteo, em 8 de outubro, dia seguinte ao primeiro turno das eleições de 2018. “No Brasil, Bolsonaro conseguiu um monte de votos”, disse Salvini no post. “Os ventos estão mudando em toda parte. Eu não entendo alguns jornalistas que chamam qualquer um de ‘racista-nazi-xenófobo’ só porque defende mais ordem e segurança para os cidadãos”, comenta no tweet.

Ana Simionato, estudante de Direito da UEPG, está em um programa de mobilidade cursando Direito na Universidade de Coimbra, em Portugal, onde Bolsonaro também venceu. A estudante acredita que os portugueses estavam “preocupados” com as eleições no Brasil. “Era visível que a mídia portuguesa não via Bolsonaro com bons olhos. Muitos portugueses estavam preocupados e o tratavam como fascista”, explica.

Embora se sinta vivendo numa “bolha universitária”, Simionato acredita que Jair Bolsonaro venceu em Portugal porque a maioria dos brasileiros que vivem no país só reproduzem um discurso elitista, ainda que sejam da classe média em ascensão. “Eles [brasileiros] abandonaram tudo no Brasil para tentar uma vida aqui e ocupam cargos que os portugueses não querem”, enfatiza.

“Não dava pra andar de táxi, ir ao mercado ou conversar com alguém que não perguntasse o que eu achava sobre [as eleições]”, relembra. Portugal é um dos poucos países europeus em que a esquerda progressista ainda tem grande proporção no parlamento.
Polarização semelhante a do cenário político brasileiro se observa os EUA. É o que destaca a estudante de Relações Públicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Rhaiany Leicy, que há cinco meses participa de um intercâmbio em cidade próximo a Washington, nos Estados Unidos. “O país está dividido em dois polos, como o Brasil”.

Rhaiany acrescenta que as pessoas não falam de política pelo medo de serem censuradas. “Muitas vezes, eu fui alertada a não conversar sobre isso se não quisesse perder amigos”. Vale lembrar que, no início de novembro, os estadunidenses foram às urnas decidir para votar para os cargos de deputado, senador e governador.
Nos EUA, o voto é facultativo e se divide entre dois grandes partidos: o Republicanos, de Donald Trump, atual presidente eleito, e o Democratas, do ex-presidente, Barack Obama. Rhaiany afirma que, pelo menos onde mora, na cidade de Ashburn, a grande maioria é democrata e, no país, a única emissora de TV, assumidamente republicana e pró-Trump, é a FOX News.

Para estudante, o maior problema da eleição de Bolsonaro é o risco de acontecer o que já se verifica nos EUA. “Espero que não se perca o espaço para o diálogo porque foi isso que aconteceu aqui, as pessoas não falam mais sobre política”, salienta. “Até a FOX fez matérias falando sobre como Bolsonaro é um perigo para a democracia brasileira”, alerta.

A jornalista formada no Brasil e atualmente residente na França, Lidia Conde, acredita que  Bolsonaro não está preparado para o cargo. “Suas entrevistas revelam um homem sem nenhuma noção de humanidade”, ressalta. No entanto, o resultado da eleição, pondera a jornalista, pode estar associado ao “desejo de mudança de uma classe que não consegue ir além do mundo que lhe é apresentado”.
Conde destaca o movimento de oposição à candidatura de Bolsonaro que aconteceu no país. “Na França, muita gente se uniu, em especial mulheres, para fortalecer o antifascismo, mas a mídia parece ter trabalhado bem a cabeça das pessoas no Brasil, porque o discurso é sempre o mesmo e inacreditavelmente vazio”, critica. Do universo de 4.654 votantes, 69,54% escolheram Fernando Haddad (PT).

Pré e pós-Trump: o avanço da extrema-direita pelo mundo

Os destaques internacionais que a mídia deu às eleições estadunidenses despertaram análises do crescimento da extrema-direita no mundo. Em 2016,  a improvável vitória do republicano Donald Trump sobre a democrata Hillary Clinton, sucessora partidária de Barack Obama, pegou a imprensa internacional de surpresa.
É importante, no entanto, entender que a onda da extrema-direita não começou nos Estados Unidos, como o imaginário popular sugere. A América Latina viveu o fenômeno que ficou conhecido como “Guinada à Esquerda”, a partir do início da década de 2000, representantes progressistas se elegeram em diversos países. É o caso de Néstor e Cristina Kirchner, na Argentina, de Lula, no Brasil, e de Mujica, no Uruguai.

Na década seguinte, a então chamada “Onda Conservadora” cresce. Em 2010, é eleito Sebastián Piñera, no Chile; em 2013, Horacio Cartes, no Paraguai; e, em 2015,  Mauricio Macri, na Argentina. No Brasil, o cenário conservador começa a se desenhar com o impeachment da presidenta eleita democraticamente Dilma Rousseff (PT), em agosto de 2016.

Na Europa, conjunturas como a da Polônia remetem a um contexto de retrocesso, com a chegada de um grupo ultraconservador ao poder. Jaroslaw Kaczynski foi eleito, em 2015, pelo partido Lei e Justiça (PiS). Durante a campanha, o ainda candidato deu inúmeras declarações polêmicas. O jornal El Pais (https://brasil.elpais.com/brasil/2016/09/30/internacional/1475262674_243888.html) destaca a afirmação de Kaczynski de que refugiados seriam responsáveis pela disseminação de doença e parasitas.
A Áustria é outro exemplo de nação europeia que elegeu um representante com alinhamento político à direita. No ano passado, Sebastian Kurz foi eleito. O chanceler ainda não era considerado o representante da extrema-direita do país. No entanto, durante a campanhas, se apropriou de discursos do adversário, Heinz-Christian Strache. Na ocasião, assumiu como assumiu como uma meta acabar com a imigração ilegal, na Áustria, e supervalorizar a polícia.

 Países da União Europeia (UE), como Alemanha e França, apresentam uma trajetória similar. Embora a extrema-direita não tenha vencido nas últimas eleições, ela cresceu consideravelmente e de maneira muito rápida.
Na França, a candidata conservadora Marine Le Pen conseguiu 34% dos votos em segundo turno, no ano passado. Na Alemanha, embora a chanceler Angela Merkel tenha sido eleita, em quarto mandato consecutivo, o partido que representa a extrema-direita conseguiu a terceira maior bancada do parlamento.