Líder de ocupações alega que sem-teto não podem ser retirados de áreas ocupadas

Nos últimos meses, a cidade de Ponta Grossa teve três ocupações de áreas reivindicadas por famílias sem-teto. O líder dessas ocupações é Leandro Santos Dias, 35 anos. Entre outras atividades sociais, ele está à frente da ocupação que vem sendo chamada de Parque das Andorinhas.
Dias é advogado formado pela UEPG e se tornou um estudioso na área do direito à moradia digna. Em 2002, começou a fazer parte de movimentos sociais e já participou de outras ocupações. Atualmente, ajuda em cursinhos populares na Rede Emancipa.
Com companheiros do cursinho, observou a demanda por moradias na cidade. Segundo dados da Companhia de Habitação de Ponta Grossa (PROLAR), existem aproximadamente 23.000 famílias na fila por uma casa na cidade.
Diante desse quadro, os ativistas passaram a planejar a ocupação no Parque das Andorinhas no começo de outubro de 2021. Ela ocorreu em 4 de dezembro do ano passado. Hoje, reúne cerca de 700 famílias. O nome oficial homenageia Ericson John Duarte, um jovem ativista que morreu de Covid em 2020.
Além dessa ocupação, mais duas ocorreram recentemente no município, ambas eme áreas desocupadas. Uma delas, no terreno vizinho à Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR), chamada ocupação Rosa Luxemburgo. Nela, Dias quase foi preso em 27 de março. O líder da ocupação teve que ir até a delegacia, mas, como não havia crime, foi dispensado.
A outra ocupação é a Fidel Castro, no Parque do Sabiá, ocorrida em 4 de fevereiro, no final da tarde. Na madrugada seguinte, a Polícia Militar, com cerca de duzentos policiais, desocupou a área.
Na entrevista a seguir, Dias detalha os processos de ocupação, as reivindicações, a ameaça de prisão e a situação jurídica dos acampados.

 

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Leandro Dias, líder do movimento Frente Nacional de Luta Ponta Grossa 

 

Periódico - Pode resumir a desocupação do Parque dos Sabiá?
Leandro Dias - Nós fizemos a ocupação no dia quatro de fevereiro e lá nós fizemos às seis e meia da tarde. Quando foi na madrugada do dia cinco, a Polícia Militar (PM) chegou lá numa mega operação, com mais de cem viaturas, com mais de duzentos policiais e apontando a arma pra cabeça de todo mundo, criança, mulher, idoso, as pessoas dormindo já nas suas barracas e fizeram o despejo. Essa ocupação a gente batizou de Fidel Castro, e já tinha demarcado 83 lotes, caberiam ali 400, 500 famílias. É um terreno abandonado pela Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar). Existe um imbróglio jurídico que nós estamos batalhando na justiça pra ver exatamente quem é o dono, porque tá nebuloso isso né. A PROLAR diz que não é dona, mas, no entanto, foi ela quem entrou com a ação. Então existe uma ilegitimidade.

No último domingo, dia 27 de março, vocês fizeram uma nova ocupação?
Realizamos essa ocupação no domingo, com 50 famílias. Essa nós fizemos diferente: entramos no terreno às três horas da madrugada. Abrimos uma picada no mato, que tem três metros de altura. Engraçado que a propriedade é tão sagrada para alguns setores da sociedade, que eles preferem mato, cobra, escorpião, mas se um grupo de sem tetos ocupam, eles vão lá e, mesmo ao arrepio da lei, desocupam. Não havia documento nenhum, não tinha boletim de ocorrência dos donos, não tinha mandado de reintegração, não tinha nada. Assim como no Parque dos Sabiás. Eles estão chamando isso de operação da polícia e chamando de crime de esbulho possessório, sendo que isso não existe no código penal. Você pode procurar lá em todos os artigos do Código Penal, não existe esse crime. Tanto é que eles queriam me conduzir no carro da polícia até a delegacia para assinar um termo circunstanciado e eu me recusei, porque eu sou advogado, eu tenho as minhas prerrogativas, eu não me negava a ir até a delegacia com o meu próprio carro. E termo circunstanciado e nada, dá no mesmo. É uma forma que eles têm de querer criminalizar, com o líder foi preso. Eles queriam me conduzir, eu falei ‘não vou, não tem porquê eu ser conduzido’. Aí eles acharam um meio termo. ‘Então você vai no seu carro e vai um policial dentro’. Não, não tem cabimento. Eu tenho as minhas prerrogativas como advogado, não tem porque, eu não sou um criminoso. Aí eles quiseram agarrar no meu braço, começar a me puxar e eu deitei no chão, falei ‘então vocês vão ter que me arrastar, vocês que sabem, vocês tem que consumar o abuso de autoridade de vocês, porque isso é um absurdo’. Aí a gente conseguiu contato com o setor de prerrogativas da OAB, que o advogado, quando está numa situação dessas, ele tem direito da Comissão de Prerrogativas da OAB acompanhar. Chegaram lá e o comandante da operação, o major Moreira Só, virou a criatura mais doce e educada do mundo.

Aí vocês foram para a delegacia?
Fui com meu carro mesmo, como de fato eu tenho direito, e chegando na delegacia, uma demora para fazer um Boletim de Ocorrência, como sempre. Eles são tão eficazes que é sempre três, quatro horas para fazer um mero Boletim de Ocorrência. Quando, de repente, me chamaram para uma sala, o delegado da Polícia Civil queria me ouvir, não assinei nada, inclusive eu iria me recusar a assinar, porque primeiro eu gostaria ter registrado o meu boletim contra o comandante da operação da Polícia Militar.

Qual o tamanho do terreno da ocupação do Parque das Andorinhas?
O terreno tem 12 hectares, contando com rua. Equivale a 12 mil metros quadrados, com aproximadamente 700 famílias. Noventa e cinco por cento da área pertence à Companhia de Habitação de Ponta Grossa, PROLAR. Nós fizemos uma extensão da ocupação, já que muitas pessoas estavam procurando a gente, isso três semanas depois da primeira ocupação. Essa parte estendida pertence ao ex-presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Antonio Busato.

Tem alguma novidade jurídica?
Na sexta, dia 25 de março, houve uma audiência, foi fechado um acordo parcial. Estamos aguardando o desenrolar dos fatos e do processo. Agora a PROLAR está fazendo o cadastro, que já deveria ter sido feito. Eles descumpriram a determinação do TJ Paraná, que era de cadastrar as pessoas nos 30 primeiros dias. E agora foi determinado que eles façam o cadastro de novo.

Houve mais alguma decisão?
A audiência ocorreu no CEJUSC Fundiário, comandado pelo desembargador Fernando Prazeres, uma audiência para tentativa de mediação entre as partes, se havia uma possibilidade de um acordo sobre a ocupação. Não foi possível um acordo porque a Prefeitura segue irredutível, eles querem retomar a área. Agora dizem que tem projeto, depois de dez anos parado, com o terreno juntando mato, entulho, sendo um criadouro imenso de cobras, ainda hoje tem muita cobra lá, inclusive perigosa, como a urutu cruzeiro. Só houve um acordo parcial, que é a PROLAR cadastrar, entre segunda e sexta-feira, das 14h às 19h. Porque eles foram lá e sacanearam o primeiro cadastro, oram durante o dia, quando poucas pessoas estão lá. Conseguimos essa extensão até às 19 horas para facilitar para quem trabalha. O outro acordo é que vão ser fixadas quatro placas nas laterais e uma perto da nossa sede, informando que é área está sob litígio, está proibido vender, locar ou ceder. No dia 25 de abril vai retomar a audiência, às 15 horas, para tentar fazer uma composição entre as partes, para que não chegue à situação de despejo. Há tratado internacional de Direitos Humanos que o Brasil assina, que numa situação de despejo tem que prever onde vai levar as famílias, não pode largar nas ruas. Então, é uma situação difícil para a Prefeitura, porque toda vez que eles são questionados, eles dão a mesma resposta, eles não têm para onde levar essas famílias.

Ocupação Rosa Luxemburgo, localizada próxima a UTFPR, foi desocupada - Foto: Redes Sociais FNL-PG

 

Para onde foram as pessoas das desocupações?
Elas voltaram de onde elas vieram, coabitação com parente ou amigo, alguma parte voltou para rua, tinha moradores de rua lá no Parque do Sabiá e o pessoal que está pagando aluguel, está sofrendo em pagar aluguel, por isso é uma grande demanda da ocupação porque não estão conseguindo pagar aluguel, comprar comida, comprar roupa. Então elas voltam de onde vieram, via de regra essas trẽs situações: voltam pra rua, voltam pra morar de favor e voltam pra onde estavam pagando aluguel.

Os despejos estão proibidos durante a pandemia?
É um absurdo o que está acontecendo, não pode ocorrer despejo durante a pandemia, e ocorreram dois. Nós estamos tomando as providências, vamos cobrar na justiça, vamos entrar com um processo na Corregedoria da Polícia para cobrar do comando da Polícia Militar a punição aos envolvidos. A polícia não pode agir ao arrepio da lei, como se ela fosse portadora de condições de criar a própria lei. Se isso acontecer, a gente está lascado; eles têm o poder das armas, o poder da força e a gente fica à mercê disso. Nós estamos fazendo um esforço para que se prorrogue até dezembro deste ano a proibição de despejo, mas mesmo assim você precisa ter um boletim de ocorrência dos donos, um pedido de reintegração de posse, tudo conforme o devido processo legal e o princípio da ampla defesa, questões aí que estruturam o direito processual civil. Precisa haver o cometimento de um crime segundo algum dos artigos do Código Penal, e não existe, repito, não existe o crime de esbulho possessório, eles estão confundindo com um conceito do código de processo civil com o Código Penal. O que houve ali foi um abuso de autoridade e, enfim, a Polícia Militar quer desmontar as ocupações. A gente está absolutamente tranquilo, a gente sabe que luta de classes é assim mesmo, a gente sofre muito mais derrotas do que vitórias, mas a gente segue na luta.

 

Ficha técnica:
Repórteres: Maria Eduarda Eurich, Matheus Gaston, Larissa Onório, Ana Moraes, Lucas Müller, João Gabriel Vieira
Edição e Publicação: Lucas Müller, João Gabriel Vieira
Supervisão de Produção: Maurício Liesen e Marcos Zibordi
Supervisão de Publicação: Marcos Zibordi