Projeto que prevê concessão do Centro de Eventos para iniciativa privada recebe críticas

Conselho de Desenvolvimento Econômico de Ponta Grossa pediu a retirada do projeto de tramitação; vereador pediu vista no mês passado

Centro de Eventos recebeu a Feira Paraná em outubro/ Foto: Thailan de Pauli Jaros

Célia Teixeira mora há 37 anos no bairro Santa Terezinha. Todos os dias ajuda a cuidar da pequena loja de produtos agropecuários de seu filho, que fica nas proximidades do Centro de Eventos de Ponta Grossa. A vizinhança já está acostumada com o movimento causado pelo espaço, construído nos anos 1990, com área equivalente a 85 campos de futebol e capacidade para cerca de 50 mil pessoas, para receber a tradicional MünchenFest. “Ali era plantação de soja, tinha vacas, essas coisas. Quando foi construído o Centro de Eventos a gente acompanhou tudo, desde a terraplanagem até a inauguração”, relembra Célia.

Os moradores da região ficaram surpresos quando, no ano passado, a Prefeitura de Ponta Grossa anunciou a mudança da München para o Parque Ambiental, no centro da cidade. A tradicional festa do chopp escuro acontecia todos os anos no bairro Santa Terezinha desde a sua segunda edição e passou por uma reformulação em 2018. De acordo com a Fundação Municipal de Turismo (Fumtur), a mudança se deu porque o evento “perdeu sua tradicionalidade”. Além da troca de local, os shows de sertanejo, rock e pop foram esquecidos, cedendo lugar à cultura germânica.

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Feira Paraná aconteceu dentro do Centro de Eventos em outubro deste ano, local foi reformado para ser sede do evento que contou com shows, workshops e estandes de negócios/ Foto: Thailan de Pauli Jaros

Prefeitura alega custo elevado para manter Centro de Eventos

O bairro Santa Terezinha e outros núcleos no entorno cresceram a partir da construção do Centro de Eventos. Mas nos últimos anos o local se tornou uma espécie de “elefante branco” para a prefeitura, custando cerca de R$ 720 mil por ano somente com as despesas de água e luz. De acordo com a prefeitura, o custo exato para manutenção pode variar, dependendo da realização de eventos ou da necessidade de deslocamento de servidores para cumprir expediente no local.

Os problemas financeiros e a falta de eventos de grande porte na região fizeram o governo do prefeito Marcelo Rangel (PSDB) enviar um projeto de lei (PL) para a Câmara Municipal em agosto deste ano. O PL 281/2019, autoriza o poder executivo a instalar um polo tecnológico onde hoje fica o Centro de Eventos da cidade.

O projeto teve pareceres favoráveis nas comissões de Legislação, Justiça e Redação; Finanças, Orçamento e Fiscalização; Obras, Serviços Públicos, Trânsito, Transporte, Mobilidade Urbana e Acessibilidade; além das comissões de Agricultura, Pecuária, Indústria, Comércio, Turismo e Meio Ambiente; e Educação, Cultura e Esporte. No dia 16 de outubro, durante a primeira votação na câmara, o vereador Rudolf Polaco (Cidadania) pediu vistas e o projeto está parado.

Se aprovado pelos vereadores, o projeto autoriza a concessão do Centro de Eventos para a iniciativa privada, com o objetivo de instalar um polo tecnológico por um prazo de 15 anos. O polo teria a finalidade de “consolidar um ambiente promotor de inovação, gestão de parques tecnológicos e incubadoras de empresas”.

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Centro de Eventos, localizado no bairro Santa Terezinha, tem área de 605 mil m² e capacidade para cerca de 50 mil pessoas / Foto: Hygor Leonardo

De acordo com o documento assinado pelo prefeito Marcelo Rangel, o atual Centro de Eventos perdeu sua função original “em decorrência da diversificação das atividades turísticas e da ampliação de possibilidades privadas de entretenimento”. O texto ainda afirma que “não há prejuízo para a comunidade a destinação do imóvel para outra finalidade”. Para a funcionária de um comércio local, Edislene Alves Oliveira, a mudança causaria prejuízos, já que a clientela aumenta em dias de eventos. “Para nós [do comércio] é mil vezes melhor que tenha eventos aqui. Movimenta o negócio”, afirma.

Secretário de governo afirma que projeto foi sugestão de empresário da cidade

 

O PL gerou manifestações de diversos setores do município. Uma das críticas foi da Associação Comercial, Industrial e Empresarial de Ponta Grossa (ACIPG). Em uma reunião com o secretário de governo, Mauricio Silva, a associação se posicionou contra a concessão. Durante a conversa, publicada pela assessoria de imprensa da ACIPG, os diretores da associação perguntaram ao secretário sobre a origem do projeto. Mauricio Silva respondeu que “houve uma sugestão do Dr. Cunha [diretor do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais, o Cescage, José Sebastião Fagundes Cunha Filho), isto é público, não tem problema nenhum em falar isto e posteriormente o projeto foi elaborado pelo procurador geral do município”.
Procurado pela reportagem, José Sebastião Fagundes Cunha Filho não quis comentar publicação da ACIPG. O diretor do Cescage afirmou que está à disposição para explicar o projeto do polo tecnológico, mas não as críticas recebidas.

Em nota, a prefeitura de Ponta Grossa afirmou que a “elaboração do projeto é resultado de uma política do município de incentivo à inovação, da mesma forma como ocorre com a criação da Cidade do Conhecimento e Inovação e o Parque Ecotecnológico”. A reportagem perguntou se a elaboração do projeto foi, de fato, uma sugestão do diretor do Cescage, mas a assessoria de imprensa da prefeitura não respondeu.

Ainda de acordo com a ACIPG, o projeto deveria passar por um estudo e parecer do Conselho de Desenvolvimento Econômico de Ponta Grossa (CDEPG). Em reunião no dia 5 de novembro, o conselho pediu a retirada de tramitação do projeto já assinado pelo prefeito. O presidente do CDEPG, Wilson de Oliveira, confirmou que o conselho não foi consultado e manifestou surpresa. “Estamos acompanhando o assunto, mas esse assunto não chegou para nossa discussão, o que eu lamento. Até porque nós estamos abertos a isso”, afirma Oliveira. “Inclusive o nosso presidente de honra é o prefeito e vários secretários [municipais] estão entre os 22 conselheiros. Mas eu acho que nunca é tarde, é importante que essa área inovação e tecnologia seja fundamental para a cidade”, finaliza o presidente do CDEPG.

Em outubro deste ano o Centro de Eventos foi sede da Feira Paraná, que aconteceu juntamente com a 41ª edição da Exposição Feira Agropecuária Industrial e Comercial de Ponta Grossa (Efapi). Os eventos movimentaram a região e cerca de 300 mil pessoas passaram pelo local, conforme números apresentados pela organização.

A reportagem visitou a região no entorno do Centro de Eventos e comentou o caso com os moradores. A maioria da população entrevistada não sabia do projeto em tramitação na câmara. Para Célia, a mudança da München para outro local deixou o Centro de Eventos abandonado. “Já que a München foi para o centro, o que vai ter aqui?”, indaga a moradora. “Vai ter um baile de vez em quando, uma Efapi uma vez por ano e só. Eles têm que reformar e usar para alguma coisa. O que não pode é um espaço desse ficar fechado”, finaliza.

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Estacionamento do Centro de Eventos recebeu reparos para a Feira Paraná, mas permanece vazio quando nenhum evento é realizado no local / Foto: Hygor Leonardo

Ficha técnica:

Autores: Hygor Leonardo, Luiz Zak e Thailan de Pauli Jaros
Edição: Veridiane Parize
Fotos:  Hygor Leonardo, Thailan de Pauli Jaros
Supervisão: Kevin Kossar, Angela Aguiar e Fernanda Cavassana