Entre panelas, fraldas e livros, mães se desdobram para conquistar um diploma

Conheça as histórias e dificuldades de mães no Ensino Superior

Mães estudantes cuidam dos filhos ao mesmo tempo que fazem os trabalhos da faculdade | Foto: Arquivo pessoal de Nayara dos Anjos

Trabalhar, limpar a casa, preparar comida, cuidar dos filhos: esta é a rotina fora da graduação que muitas mães enfrentam, para além das atividades que os cursos superiores demandam. Embora para muitos essa realidade seja admirável, considerada o reflexo de uma "super mulher", quem a vive encontra na dupla jornada de trabalho sobrecargas que dificultam uma maior dedicação em setores como a educação. 

Segundo a PNAD - Contínua Educação (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua), de 2019, a cada quatro mulheres entre 14 e 29 anos que abandonaram os estudos, uma deixou para trabalhar (23%), uma por desinteresse (24%) e uma por gravidez (24%). Dados de 2021, obtidos por mapeamento realizado pela UEPG, apontam que um a cada quatro estudantes já precisou desistir ou trancar o curso devido a maternidade/paternidade. 

A estudante do 4º ano de História da UEPG, Nayara dos Anjos, 22 anos, apesar da maternidade, continua em busca do diploma. Para ela, se formar é a garantia de futuro melhor. “Não quero ter que depender de ninguém financeiramente, penso no Pedro [seu filho] e isso me ajuda a continuar. Alguns colegas mais próximos me aconselham, então, sempre que penso em desistir tento aguentar mais uma semana e assim vai indo”, conta Nayara.

A acadêmica descobriu a gravidez em maio de 2020, durante a pandemia, quando estava com quase dois meses de gestação. “Achei que fosse impossível continuar, pois seria muito difícil depois que ele nascesse”.

A estudante relata que sofreu discriminação por parte de algumas professores e colegas da universidade, pela gravidez. Conforme Nayara, alguns a motivaram, mas outros falavam que ela era muito nova e assim, deixavam nas entrelinhas que a partir dali não iria fazer mais nada da vida. 

Atualmente, a atividade acadêmica é muito acelerada. Sua rotina diária compreende acordar cedo, preparar o café da manhã e depois o almoço. Entre uma tarefa e outra, atende o filho e arruma a casa. Pela tarde, a criança dorme e ela aproveita para fazer as atividades da faculdade e conciliar isso com as pesquisas para o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC). “Evidente que não consigo dar conta. Me sinto constantemente atrasada, que deveria estudar mais, entregar o TCC logo. Mesmo sem trabalhar fora, ao fim do dia, sinto um cansaço enorme, às vezes me pego fazendo três, quatro coisas ao mesmo tempo. Tem dias que não tenho forças para fazer nada, então só tento manter o Pedro bem cuidado”, ressalta. 

Outra graduanda que se tornou mãe foi Maria Fernanda Oliveira, de 21 anos. Soube que estava grávida em outubro do ano passado, quando estava no 6º período do curso de Direito do Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (Cescage). Neste ano retornou para a casa dos pais, em Jaguariaíva-PR, para ter ajuda nos cuidados com o bebê e poder se dedicar aos estudos. Quanto à graduação, também transferiu o curso para a cidade natal.

“Quando meu filho dorme tenho tempo para estudar e fazer os trabalhos, mas confesso que não é fácil. Um bebê demanda muito da mãe”, afirma. Para ela, a graduação se tornou uma “obrigação”, mas o que a motiva a finalizar é o filho.

Jessica Campos, 28 anos, atualmente é analista e mãe de dois filhos: um de nove anos e outro de quatro meses. Formada em Engenharia Química pela UTFPR/PG, Jéssica descobriu a primeira gravidez no segundo ano do curso. Para a estudante foi difícil à época, pois não pode participar do programa de internacionalização Ciência Sem Fronteiras como vários colegas. “Pela idade e por todo o contexto me sentia perdendo oportunidades e uma fase da minha vida”.

Jessica foi uma das primeiras alunas grávidas dos cursos integrais na instituição. Na graduação a identificavam como “Jessica grávida”, e após o nascimento da criança, era chamada de “Jessica mãe”, até o fim do curso ficou conhecida assim.

A analista lembra que voltou à faculdade quando o filho completou cinco meses e o levava junto para as aulas. Como o bebê ainda mamava era inviável ir para faculdade e depois voltar até a casa apenas para amamentar, então sua irmã mais nova ia junto para ajudar a cuidar dele. Alguns meses depois, Jessica conseguiu matriculá-lo num Cmei integral. “Foram algumas noites em claro. Eu cuidava do meu filho doente e estudava para as semanas de prova.  Posso dizer que me formar foi um desafio até o último segundo”, enfatiza.

Maria Eduarda Solano Baptista, 21 anos, estudante de Serviço Social na UEPG, engravidou aos 17 anos, no 3º ano do ensino médio. Ela já estava com oito meses de gestação quando prestou vestibular na UEPG. “Minha filha nasceu um dia após o resultado do vestibular. Quando ela estava com apenas dois meses tive que parar de amamentar para ir às aulas. Foi uma dor enorme deixar ela por conta da universidade”, explica. 

Durante o ensino médio Maria Eduarda sofreu muito preconceito por estar grávida. Mas a realidade foi outra quando entrou na universidade, porque nesse espaço foi muito acolhida. Assim como Jessica Campos, também teve que levar a filha para algumas aulas. Segundo dados do mapeamento de pais e mães realizado pela UEPG, mais de um terço (36%) dos respondentes já precisaram levar os filhos para a universidade.

Maria relata que, na pandemia, teve muitas dificuldades já que morava com a mãe. Para que pudesse assistir às aulas online, ela precisava que sua mãe a ajudasse no cuidado com a bebê, o que não acontecia. No segundo ano da pandemia, Maria foi morar com o pai da criança. Segundo ela, tudo só piorou, já que ele não a ajudava e assim a rotina universitária se perdeu.  

Em 2022, com o retorno das aulas presenciais, Maria voltou a morar com a mãe. Como não tem condições de pagar uma babá e a filha não foi aceita no CMEI, é sua mãe quem fica com a criança. Agora está no 3º ano da faculdade, faz estágio obrigatório e participa de projeto de extensão, então passa a semana toda na universidade das 7h às 17:30. “É difícil demais pra mim, eu sinto muita falta da minha filha, mas sei que preciso disso pra dar um futuro estruturado para ela”.

Beatriz Cardoso Dias, 23 anos, é mãe e esteticista. Ela estava namorando há oito meses quando ficou grávida, no mesmo período em que pediu demissão do emprego que estava. Beatriz entrou em desespero, já que estava no 1º ano da faculdade. 

Durante as provas de junho, mês de nascimento de sua filha, Beatriz não conseguiu realizar as avaliações e ficou retida. “Eu me senti muito mal com tudo aquilo, a faculdade era meu sonho. Não consegui fazer nenhuma atividade ou trabalho para compensar a nota e quando retornei da licença maternidade tive que fazer as provas de dois semestres de uma só vez”, explica. 

Quem ficava com a criança para Beatriz ir às aulas era sua sogra. Algumas vezes também teve que levar a filha para as aulas. A esteticista conta que na pandemia, ela, a filha e o marido ficaram em casa e que se sentia sobrecarregada. Para ela, a faculdade muitas vezes era um refúgio e que lá sentia-se jovem: “como uma menina de 21 anos e não uma dona de casa”. O apoio dos pais foi o que a impulsionou a terminar a faculdade. 

A estudante de Engenharia Química na UTFPR/PG, Natália Gruczka, ficou grávida no final do ano passado, no segundo período do curso, onde as atividades eram 100% on-line devido a pandemia. A gravidez foi planejada.

Com a volta do ensino presencial sofreu preconceito de alguns professores de disciplinas que eram realizadas em laboratórios, porque, segundo eles, era inviável que uma gestante fosse a essas aulas. “Diante disso, procurei ajuda com as assistentes sociais e psicólogas, e elas conversaram com esses professores. Parte do laboratório fez à distância. Outros professores foram acolhedores e me deixaram fazer aulas práticas com mais supervisão e cuidado quando haviam reagentes mais fortes. Os colegas também me ajudaram”.

O bebê nasceu há pouco tempo e ainda não completou um mês, então ela está nas funções de mãe e dona de casa. Natália pensa em trancar o curso porque a licença concedida é de apenas três meses, o que considera pouco tempo para poder deixar a criança em casa.

“Além de trancar a faculdade, penso em mudar de curso porque não me identifiquei com a engenharia. Os professores cobram demais a ponto de eu saber que não vou conseguir conciliar filho e faculdade, já senti isso quando entrei na graduação e trabalhava”, explica.

A Lei 6.202, de 1975, regulamenta o regime domiciliar para estudantes, e garante um afastamento de três meses, a partir do oitavo mês de gravidez. O período de afastamento, é determinado por atestado médico. A licença-maternidade também não garante, por exemplo, abono de faltas.

 

Ficha técnica:

Reportagem: Ana Moraes

Edição e publicação: Kadu Mendes

Supervisão de produção: Ricardo Tesseroli 

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira, Marcelo Engel Bronosky e Ricardo Tesseroli