“Novas circunstâncias, medo da contaminação e isolamento passam a ser gatilhos para esses quadros”, ressalta psicóloga

De acordo com Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU), de março a novembro deste ano, a quantidade de ocorrências de surtos psicóticos aumentou 143% se comparado ao mesmo período do ano passado, são 693 casos a mais. No decorrer da pandemia de Covid-19, somam 1.178 ocorrências do tipo no município. Durante os meses equivalentes de 2019, foram 485 chamados para essa emergência na cidade.

Infográfico: Robson Soares

O coordenador de enfermagem do SAMU, Rinaldo Gaia Levandoski, relata que à exceção de casos relacionados ao novo coronavírus, as crises psíquicas tornaram-se os atendimentos mais recorrentes neste ano. “Um dos chamados que mais despontaram são surtos psicóticos, em geral, costumam ser pessoas ansiosas e assustadas em casa, acredito que o aumento esteja relacionado ao contexto da Covid-19”, ressalta. 

Conforme aponta a psicóloga Thais Alves, o surto psicótico corresponde a uma desorganização mental grave, em que o indivíduo perde o contato com a realidade. “Esses distúrbios surgem por questões que afetam as percepções normais do sujeito, ocorrem mudanças comportamentais acompanhadas de oscilações de humor, alucinações e reações desproporcionais às situações corriqueiras”, explica. Sobre a identificação do transtorno, a psicóloga distingue que “crises de raiva inesperadas podem acontecer frente aos acontecimentos do dia a dia, mas estão relacionadas a algo real e passam em pouco tempo”. Já os surtos estão ligados a situações fora da realidade e podem permanecer por dias ou semanas. Doenças mentais preexistentes e consumo de álcool e drogas também têm influências nesse distúrbio.

Para confirmar se uma pessoa, de fato, manifesta um quadro desse tipo de emergência, faz-se necessário um exame médico completo na intenção de descartar outras situações. “Na consulta médica verifica-se o histórico do paciente e com análises de laboratório são aferidos o uso de entorpecentes, se não surgir explicações físicas, o sujeito é encaminhado a um profissional especializado em saúde mental”, descreve Alves.

Com relação ao prognóstico, a psicóloga esclarece que existem fatores que levam a um surto psicótico em potencial, mas não é possível antever de maneira precisa a manifestação do transtorno. “Os catalisadores de um surto são gatilhos ocorridos na vida do sujeito, um histórico médico familiar de doença mental, por exemplo, levanta questões de probabilidade, ainda assim não representa algo determinante”, diz.

Dessa maneira, o contexto de insegurança promovido pela pandemia de Covid-19 pode ter influência na manifestação de um surto psicótico. “Mudanças súbitas no estilo de vida causam desequilíbrios emocionais, novas circunstâncias, medo da contaminação e isolamento passam a ser gatilhos para esses quadros”, ressalta. Alves expõe que o cenário atual pode não só piorar casos clínicos, mas também desenvolver distúrbios.

No que diz respeito às pessoas mais suscetíveis a manifestar surtos psicóticos, a psicologia Alves destaca pessoas com perdas significativas ocorridas nesse período. “Alguém que ganhou a conta no trabalho, deixou de ocupar alguma função ou até teve um ente querido morto pelo vírus, passa a ser mais sensível a passar pelo transtorno”, expõe. O descuido com medicações controladas também pode acarretar um surto psicótico.

Durante um desequilíbrio mental desencadeado por esse transtorno, recomenda-se que os familiares permaneçam sem agitações e aguardem a chegada do serviço médico de urgência. “O paciente está descompensado, então qualquer conflito torna a situação pior, a família deve apenas proteger a vítima e quem estiver por perto, afastar objetos perigosos, atentar-se para o risco de fuga e nunca menosprezar um surto”, salienta a psicóloga.

Segundo Alves, o tratamento varia conforme o nível do transtorno. “Em casos graves, o paciente passa pela internação, na qual são realizados exames para determinar a intervenção médica mais adequada. Nos casos leves, um atendimento em ambulatório torna-se suficiente para realizar a assistência à vítima”. A terapia com psicólogo ou psiquiatra é a maneira mais eficiente para reduzir a necessidade do internamento hospitalar.

Conforme explica Levandoski, a abordagem realizada pelo SAMU em casos de surto psicótico segue um protocolo extenso e varia conforme as condições da vítima. “Existem casos em que a vítima está armada e agrediu algum familiar, então o atendimento é feito com a Polícia Civil ou Guarda Municipal, nos casos mais leves temos o preparo para conversar e convencer a vítima a entrar na ambulância”, relata.

No intuito de evitar o desenvolvimento de surtos durante a pandemia, a psicóloga Alves ressalta a importância da autoavaliação e atenção das pessoas próximas ao paciente. “Ao passar mais tempo em casa, o indivíduo reflete mais sobre os pensamentos que possui, assim estar alerta para mudanças incomuns no humor e comportamento representa uma forma de trazer um desfecho menos conturbado para o transtorno”, ressalta.

Número total de emergências atendidas durante a pandemia também apresenta aumento

O número total de chamados atendidos pelo SAMU durante a pandemia também aumentou em comparação aos meses equivalentes do ano anterior, 11.003 atendimentos a mais em Ponta Grossa. Em 2020, de março a novembro, foram efetuadas 41.132 assistências na cidade. Já em 2019, ao longo do mesmo intervalo de tempo, o número de chamados registrados soma 30.129 ocorrências no município.

Infográfico: Robson Soares

O coordenador Levandoski conta que, em razão da quarentena, nos primeiros meses da pandemia, o número de ocorrências foi menor, mas aumentou com o afrouxamento do isolamento social. “No início, as pessoas permaneciam mais em casa e tinham um cuidado maior com a saúde, então o número de chamados não estava tão alto na cidade, mas no decorrer dos meses o número de chamados aumentou”, relata.

Conforme Levandoski, o aumento seguinte trouxe impactos no trabalho do serviço, dado que com o maior número de chamados na Central de Regulação do SAMU, sobrevenha a necessidade de deslocar mais ambulâncias. “Mesmo com a triagem na Central, nem sempre conseguimos ter veículos disponíveis para todas as ocorrências, o que aumenta o tempo de resposta e espera da vítima que solicita o serviço”, diz.

Outra mudança no perfil das assistências realizadas neste ano, diz respeito às medidas sanitárias. Em razão da Covid-19, o serviço teve de atualizar os protocolos de limpeza de ambulâncias e atendimento aos pacientes. “Para atender ocorrências, a equipe precisa estar paramentada com equipamentos de proteção individual e, ao final, fazer a limpeza da viatura, isso também tem influência no tempo de resposta”, afirma.

Quanto aos tipos de ocorrências, o coordenador explica que, se comparado com os mesmos meses de 2019, durante a pandemia encontram-se mudanças. “No início, houve um decréscimo nos atendimentos de trauma, porque diminuiu a circulação de pessoas nas ruas, já em um segundo momento, quando o pessoal começou a sair mais, aumentaram tanto as ocorrências de Covid-19 quanto de demais emergências”, destaca.

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Ficha técnica:

Repórter: Robson Soares

Vídeo: Robson Soares

Edição: Alex Marques

Supervisão: Angela Aguiar, Cintia Xavier, Jeferson Bertolini e Vinicius Biazotti.