O Paraná no Ar, da Rede Record, é apresentado pelo jornalista Ricardo Vilches e transmitido, diariamente pela manhã, em todo o estado com a duração de cerca de três horas. É um programa informativo, no qual o âncora tem a liberdade de apresentar a sua opinião. Além disso, ele é transmitido pelo canal do YouTube no qual, durante os comerciais da TV, o apresentador lê comentários dos espectadores e responde ao vivo.

O problema maior que eu encontro é a própria apresentação de Vilches, que é um jornalista formado. Por se tratar de um informativo que é, em sua maioria, de notícias policiais, com pautas de acidentes, assaltos, ocorrências em si, o jornalista toma liberdade para condenar suspeitos e usa de uma linguagem forte quando se trata desses casos, inclusive, com alguns comentários racistas. No programa do dia 22 de novembro de 2019, por exemplo, o âncora, ao se referir sobre um assalto que aconteceu na noite anterior, usa a expressão “Nego é perigoso”.

 
Este tipo de atitude vai contra às normas de conduta dos jornalistas. No princípio 9 do Código Internacional de Ética dos profissionais, onde se diz respeito à eliminação da guerra e outros “Great Evils” confrontando a humanidade, consta que:

“O compromisso ético para os valores universais da humanidade pede que o jornalista se abstenha de qualquer justificativa, ou incentivo a guerras de agressão ou de armas, especialmente armas nucleares, ou outras formas de violência, ódio ou discriminação, especialmente racismo e apartheid.” (Código Internacional de Ética dos Jornalistas, 1983, s/p, tradução própria).

 

Também cita-se, no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, a respeito da questão da discriminação. É dito como um dos deveres dos jornalistas combater a prática de qualquer tipo de discriminação. Pode-se perceber que a conduta de Ricardo Vilches falha no que se espera de um profissional e que ele não age de acordo com o que a FENAJ exige em suas normas.

Isso fica mais intenso na televisão. De acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2016, é a partir dela que a maioria das pessoas se informa no Brasil, portanto, ela é o principal meio que de influência para construir sua visão de mundo (Veloso, Cruz e Carvalho, 2015). Segundo Kucinski (1998), “num processo midiático de âmbito nacional, os principais formadores de opinião são os colunistas de destaques e os comentaristas de televisão”. É por essa questão que a postura do jornalista no programa da Record é danosa à população, pois ele traz um discurso de ódio e contraditório. O apresentador condena e não condena determinados suspeitos de acordo com o que ele quer.

No mesmo programa do dia 22/11, ao comentar sobre um caso em que um homem é preso por porte ilegal de arma, o jornalista diz que a prisão não é justa, pois a polícia descobre sobre a arma quando o cidadão se defende de um assalto em sua loja. O apresentador segue dizendo que o sistema legal não é justo e não funciona no Brasil, mesmo com o homem tendo cometido um crime. Mas, ao apresentar um caso de um jovem que assaltou uma loja, usa a palavra “bandido”, e ainda diz que a prisão não é o suficiente para casos como esse.

Ou seja, acaba condenando conforme sua opinião sobre os casos e não necessariamente expondo informações pautadas pela veracidade e pelos fatos. O uso de determinados termos e o modo como o âncora trata de determinados assuntos fomentam um discurso de ódio que não condizem com a prática do bom jornalismo.

A atitude que o apresentador tem com a sua equipe também mostra a postura antiética do jornalista, comunicando-se de maneira debochada por meio do ponto eletrônico. No mesmo programa do dia 22, ao ser avisado de ter cometido um erro de informação, Ricardo Filches fala para a pessoa que está “atrás” do ponto, que ele chama de Paula, a frase: “Fala pro titio. O titio falou errado?”, posteriormente ele ainda diz “A Paula é uma megera”. A conduta do âncora faz com que ele perca a credibilidade profissional tão necessária para o jornalismo, especialmente desse tipo, de programas policiais, que acabam se especializando em temas sensíveis e complexos da sociedade.

Além da postura individual do âncora, o programa em si acaba falhando com a ética jornalística. As reportagens do Paraná no Ar mostram pouco trabalho jornalístico, em que os repórteres consultam poucas fontes e em sua maioria oficiais. Em livro que classifica a atividade jornalística a partir daquilo que os profissionais deveriam saber e seu público exigir, os autores Bill Kovach e Tom Rosenstiel (2005) citam nove elementos para realizar um jornalismo de qualidade. Um desses elementos trata da questão da apuração. Os autores dizem que “a disciplina da verificação é o que separa o jornalismo do entretenimento, da propaganda, da literatura ou da arte” (Kovach e Rosenstiel 2005, p.113). O programa Paraná no Ar falha neste quesito. Ricardo Vilches mostra inúmeras vezes a confiança que o telejornal tem com a apuração da polícia. Ele até diz “A polícia foi lá e apurou”, indicando que a fonte principal e, muitas vezes, única de informação é a polícia. É um jornalismo de pouca apuração, no qual os jornalistas confiam demais e apuram de menos.

A postura do âncora de um jornal ou de um programa informativo é extremamente importante, pois, como já dito neste artigo, esse jornalista é um formador de opinião. Ricardo Vilches falha em inúmeras ocasiões com a ética jornalística, sua postura não é a de um profissional sério e me parece que, durante as aulas de ética da sua graduação, Vilches não estava prestando muita atenção. Os espectadores precisam ser mais críticos em relação à postura dos jornalistas, é direito do cidadão exigir que o profissional aja de maneira ética.

 

*Este texto, produzido na disciplina de Ética e Legislação em Jornalismo, expressa a opinião da autora e não se vincula à opinião do Portal Periódico.

 

Referências:
FENAJ. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. 2007.
Código Internacional de Ética dos Jornalistas. 1983.
KOVACH, Bill; ROSENSTEL, Tom. Os elementos do jornalismo. Geração Editorial, 2003.
VELOSO, Maria do Socorro Furtado; CRUZ, Matheus; CARVALHO, Renato de. Jornalismo e Direitos Humanos: um estudo de caso sobre o incentivo à ação de “justiceiros”, na televisão brasileira. In: Derechos humanos emergentes y periodismo. p.855-865.

 

Ficha técnica:
Texto: Leticia Gomes
Revisão: Professora Fernanda Cavassana
Supervisão: Professoras Angela Aguiar e Fernanda Cavassana