"A tortura é uma ferida que sangra para sempre", desabafa Maria Amélia Teles

Colquio Amelinha 2017
Foto: Saori Horonato

Na manhã desta quinta-feira, 9, último dia do 5º Colóquio Mulher e Sociedade, Maria Amélia de Almeida Teles foi a convidada especial para a palestra “Gênero, direitos humanos e movimentos sociais”. Maria Amélia foi militante durante a ditadura, participante do PCdoB e presa política ao lado da família – período em que sofreu com a tortura dos militares. Em duas horas de conversa, a convidada abordou diferentes temáticas do universo feminino, a luta em favor da democracia e o surgimento do movimento feminista no país.

Feminismo e Movimentos Feministas
Teles relatou que, em diferentes momentos históricos, os movimentos e partidos de esquerda não apoiaram o feminismo. Tinha-se a ideia de que as mulheres buscavam retirar a atenção da luta operária, e que apenas esta última deveria receber o cuidado dos militantes da época. O tópico “mulher” em si era censurado e a participação delas era ignorada ou simplesmente apagada, aponta Amélia. Os espaços de discussão sobre os direitos das mulheres também eram restritos: nem a esquerda nem a direita davam vazão para o assunto. A escritora, então, descreve o feminismo antes da década de 70 como sendo “privado e clandestino”. “As feministas são rejeitas pelo movimento de esquerda”, ela afirma.

Outra limitação da esquerda na visão de Teles é falta de auto-crítica, que ficou evidente na votação do impeachment de Dilma Rouseff e na homenagem feita pelo deputado Jair Bolsonaro, a Carlos Alberto Brilhante Ustra, que torturou a ex-presidente. “A tortura é o limite, a fronteira. Mas ninguém parou aquilo, ninguém reagiu”, pontua Amelinha, como se tornou conhecida entre os militantes.

Escritoras Feministas
    Maria Amélia comentou que durante suas militâncias acompanhou o surgimento do movimento feminista no Brasil: “a gente não sabia nada de nossa história, só sentia necessidade de compartilhar experiências”. Ainda nessa fase, a escritora envolveu-se com o primeiro jornal totalmente voltado à mulheres e suas lutas, numa nova linhagem da imprensa alternativa, o Brasil Mulher. Sobre o jornal, Maria afirmou que foi censurado pois “não podíamos nem pensar, quem dirá pulicar o que pensávamos”.

Ao comentar sobre as mulheres na imprensa e na literatura, Teles afirma que havia pioneiras que faziam publicações e as vendiam escondido, como por exemplo Cassandra Rios, que foi escritora de contos lésbicos eróticos. Segundo ela, Cassandra vendia muitos exemplares pela curiosidade das pessoas, por ser algo que não estava à vista – assim, nos anos 60 e 70 a autora chegou a vender mais de 1 milhão de cópias, superando Jorge Amado. Contudo, Cassandra não tinha tanta visibilidade pois “mulher que pensa não podia aparecer”.

Autora do livro “Da guerrilha à imprensa feminista”, escrito em parceria com a também militante e ex-presa política, Rosalina Santa Cruz Leite, a convidada usou do espaço para lançar a obra que trabalha sobre a luta pelos direitos das mulheres durante o regime militar.

Tortura e Comissão da Verdade
Teles, que foi presa política, fez um panorama sobre suas experiências ao ser torturada e sobre seu depoimento para a Comissão da Verdade, pois foi presa juntamente com sua família e irmã grávida. Em relação aos estupros, Maria Amélia desabafa que foi silenciada até mesmo por colegas de esquerda pois eles diziam que “é melhor você não denunciar para eles não acharem que a culpa é sua”. Para ela é difícil falar sobre as torturas que viveu e que presenciou mas sabe que é uma necessidade pois “um povo que não tem memória, que não tem história é um povo despolitizado”.

Violência contra a mulher
Ao lembrar das violências sofridas, Maria Amélia afirma que “o Estado e a sociedade dão permissão para violentar mulheres e culpabilizar a vítima”. Para ela, a violência não se configura só como a agressão física: existem outras formas mais sutis de se apresentar, como a opressão política, simbólica, psicológica e verbal.

Embora Maria Amélia valorize a geração de jovens que têm levantado a bandeira do feminismo, ela aponta que as relações de agressor e agredido ainda são ensinadas, assim como o padrão de homem forte e dominador e da mulher receptiva e submissa. “A violência contra a mulher ocorre porque somos mulheres: estamos sempre ameaçadas, e nunca se sabe quem será o próximo alvo”, argumenta. Maria Amélia ainda aponta que o Brasil é um país de feminícidios e que apoia uma cultura de silêncio e não-denúncia. De acordo com o 9º Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 47.646 estupros foram registrados em 2016 – uma redução de 6,7% em relação a 2013. O órgão estima que apenas 35% dos crimes sexuais são notificados. Os dados foram questionados na palestra. Para Amelinha as denúncias de estupro representam menos de 10% do número real de casos, o que significa uma estimativa de meio milhão de mulheres vítimas de estupro no pais por ano.