O problema de moradia em Ponta Grossa se expressa de diversas formas, seja pelo alto número de casas em áreas de risco na cidade ou no aumento no número de pessoas em situação de rua
Em Ponta Grossa há atualmente 197 pessoas morando em situação de rua, segundo dados de abril fornecidos pelo Centro de Referência em Assistência Social (CREAS-Pop). O Creas é responsável por mapear e dar auxílio às pessoas em vulnerabilidade social. Cibele Taborda trabalha como assistente social no Creas e diz que a instituição presta apoio às pessoas que vão até a sede, localizada na rua General Carneiro no centro da cidade. A instituição entretanto vai atrás destas apenas quando recebe denúncias ou ligações de hospitais e da guarda municipal. Os atendimentos são de acordo com a demanda específica de cada caso. “Eles [moradores de rua] nos procuram quando precisam de ajuda com questões de saúde, documentação e, se necessário, o encaminhamento para casas de acolhimento provisório”.
Em 2017, o Creas realizou 3.194 atendimentos e 961 abordagens. “Nosso objetivo no Creas-Pop é tirar essas pessoas da rua para que eles tenham autonomia”, destaca Taborda, que também aponta que essas tentativas nem sempre são bem sucedidas uma vez que muitas pessoas acabam voltando à rua. “Nós prestamos atendimento para identificar o que a pessoa deseja. Faz três anos que eu estou nesse trabalho e eu já vi casos em que os moradores de rua até conseguem moradia pela PROLAR mas acabam voltando para a rua. Depende muito da pessoa querer sair dessa situação”, declara a assistente social. Sobre o perfil dessa população de rua, Taborda destaca que em sua maioria são homens, com dependência alcoólica e química.
A prefeitura não oferece abrigo temporário e depende de organizações não governamentais que acolhem pessoas em vulnerabilidade social. Na cidade, as entidades que prestam esse serviço são o Ministério Melhor Viver e a Casa da Acolhida, ambas instituições religiosas. Cibele Taborda aponta que quando a temporada de frio chega, mais pessoas procuram ajuda. “Às vezes acontece de termos muita demanda por causa do frio e acaba faltando vaga, mas no verão é tranquilo e conseguimos encaminhar”. Para Taborda o número de moradores tem aumentado. “Acredito que seja pela conjuntura que estamos vivendo de crise econômica. Muitas pessoas que atendemos são itinerantes também, são pessoas que viajam em busca de trabalho”, ressalta a assistente social.
Para o representante do Movimento Popular Periferia (MOPPE) Marcelo de Barros, o município deve melhorar suas medidas de reintegração social dos moradores em situação de rua. “A prefeitura tem que tratar esse problema com mais seriedade. Dentro de Ponta Grossa nós não temos um atendimento que auxilie de verdade essas pessoas. Temos as casas de passagem, que são poucos dias que essas pessoas ficam e depois não tem aonde ir de novo".
Áreas de risco
Ponta Grossa tem aproximadamente 344 mil habitantes, segundo último censo realizado em 2017 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas ainda uma parte dessa população convive com o drama diário de não ter uma moradia digna e infraestrutura urbana necessária.
Segundo a Companhia de Habitação de Ponta Grossa (PROLAR), 19 mil famílias aguardam na fila para serem atendidas pelos programas habitacionais do município. O número de moradores de áreas de risco chega a 20% do total dos cadastros atualizados. Segundo dados de 2017 da Defesa Civil de Ponta Grossa, há um total de 105 pontos de risco. De acordo com o Plano Local de Habitação, o Município de Ponta Grossa tem cerca de 9.000 famílias em situação de precariedade habitacional. Neste número constam cerca de 111 pontos de favelização, onde cerca de 3.800 famílias estão em situação de risco iminente e precariedade habitacional. Sobre o cronograma de atendimento às famílias, a prefeitura apenas informou que os dados estão divididos nos setores do município referentes a cada região, e que seria necessário fazer um compilado de informações.
O órgão municipal responsável por fiscalizar essas áreas de risco é o Departamento de Patrimônio que integra a Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos. A chefe de regularização de imóveis públicos urbanizados do Departamento de Patrimônio, Olinda Vera Cruz dos Santos, explica como é feita a retirada das famílias em áreas de risco. “Nós temos um trabalho em conjunto com a Companhia de Habitação de Ponta Grossa (PROLAR) no qual as famílias são cadastradas e retiradas através dos empreendimentos disponíveis”. Vera Cruz aponta que a retirada de pessoas em áreas de risco depende da verba existente no momento e que será destinada ao atendimento de um número limitado de pessoas, priorizando os casos de risco eminente, apontados pela Defesa Civil.
As realocações acontecem através do Programa Casa Segura que desocupa e fiscaliza as áreas de risco. O cadastro das moradias em áreas irregulares pelo programa acontece apenas no momento em que a família será atendida. “A partir do momento que você faz o cadastro de todas as famílias residentes nas áreas você está despertando nela que elas serão atendidas na sequência, então nós só fazemos essa abordagem a partir do momento que temos um destino para essas famílias”, explica Olinda Vera Cruz.
A pesquisadora e professora do Departamento de Serviço Social da UEPG, Maria Sandra Scheffer, trabalhou 22 anos na Prolar e afirma que Ponta Grossa tem 3 situações complexas de áreas de risco: pessoas que moram em áreas de fundo de vale, famílias que moram a 30 metros a margem dos arroios, aqueles que moram próximos ou junto com a linha de trem e embaixo de fio de alta tensão.
Para a assistente social, não é só com um grande estoque de moradia que vai se resolver o problema, é necessário uma intersetorialidade entre as políticas públicas. “Não basta só atender, há a necessidade de se trabalhar a área de risco, caso contrário, poderão ocorrer novas ocupações de risco. Por isso, a política habitacional, não pode trabalhar com si só, há a necessidade de trabalhar com a secretaria do meio ambiente, recuperação de fundo de vales, plantar uma nova mata ciliar, restaurar aquela região”, expõe a professora.
Segundo a representante do Departamento de Patrimônio, 90% das áreas de risco são cortadas por arroios, uma vez que há 157km de arroio na cidade. O geógrafo e mestre em Gestão do Território, Henrique Simão Pontes, explica que o grande número de áreas de risco na cidade se deve também a peculiaridade do relevo de Ponta Grossa. “A parte elevada da cidade é a parte central, como também as ramificações como a Nova Rússia, a região que vai para Oficinas assim como a de Uvaranas são as partes elevadas da cidade. Em conjunto com essas áreas elevadas nós temos encostas bastantes íngremes com vales bastante profundos e é exatamente nesses vales que ocorrem processos geomorfológicos como escorregamentos, desmoronamento e inundações. Então é essa característica geológica da cidade que faz com que existam áreas instáveis que apresentam risco para a ocupação, principalmente de moradia”, explica o geógrafo.
O coordenador da Defesa Civil de Ponta Grossa, Alessandro de Macedo, explica o que acontece em caso de desastres naturais. “Será feito um primeiro atendimento para ver a necessidade do auxílio, caso a pessoa tenha condições de ir à casa de parentes será direcionada. Ou será encaminhado para o abrigo público, exemplo é o Ginásio Oscar Pereira”, explica o coordenador.
Segundo a Diretoria e arquivos da Companhia de Habitação de Ponta Grossa, a busca na PROLAR de pessoas que habitam em moradia de risco diminuiu esse ano. “Em 2018 reduziu. Isso se deve ao fato de termos atendido um grande número de famílias em condições de risco nos últimos 5 anos, e depois da relocação áreas, projetos eficientes de revitalização e recuperação de arroios tem coibido a ocupação dessas áreas por outras famílias”, expressa a Diretoria.
As áreas de risco são um critério prioritário para a obtenção da habitação. Segundo a assessoria da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, “em caso de risco extremo, até pouco tempo a Defesa Civil não tinha nenhum mecanismo de atendimento imediato, apenas os empreendimentos propostos pela Companhia de Habitação. De 2014 para cá, programas pilotos de aluguel social tem atendido mensalmente famílias em extremo risco ou precariedade habitacional”, resposta via e-mail.
Após dois anos de eleição, conferimos como está o planejamento da política habitacional do governo de Marcelo Rangel
Eleito em seu segundo mandato dia 1º de janeiro de 2016, Marcelo Rangel (PPS), propôs cinco metas para a habitação de Ponta Grossa. O Periódico conferiu como está a execução do plano de governo habitacional do prefeito um ano e quatro meses depois de sua eleição. A meta proposta é de reduzir e extinguir em curto e médio prazo pelo menos 60% dos pontos de favelização e montar um cronograma de até 10 anos, para o atendimento de todas as famílias que estão aguardando programas habitacionais na cidade. Outra meta do plano de governo é implantar 1.500 moradias por ano, até 2020, observando a redução de vazios urbanos, o acesso aos equipamentos públicos no mesmo ritmo. Entretanto, desde 2013 até o ano passado foram entregues em média 1.200 unidades por ano. A habitação é um programa diretamente ligado ao Governo Federal, em 2016 e 2017 houve uma redução de contratações e liberações de recursos para os programas de habitação por interesse social.
O plano de governo prevê também otimizar processos de transparência das informações sobre cadastros na Prolar, permitindo ao usuário projetar prazo de atendimento, que foi cumprido com a implantação do portal da transparência, agendamento online e demais recursos técnicos no site da Prolar. Cerca de 100 famílias são atendidas por dia com um tempo de no máximo 18 minutos entre a retirada da senha e a conclusão do procedimento.
Em valores, as médias desenvolvidas se mantém dentro dos empreendimentos já entregues, ou seja, 1,5% dos valores totais das unidades entregues.
A política habitacional de Ponta Grossa depende de programas governamentais para buscar alternativas de solução. Os programas habitacionais expressam que apesar de serem implantados por Companhias, estes se apresentam como ações voltadas para o atendimento da carência por moradia. Essas ações foram reflexos de uma política habitacional em âmbito nacional, não ocorrendo uma efetiva política habitacional, com planejamento, execução e avaliação de suas ações.
Movimento Popular Periferia
Com essas condições críticas de moradia nas áreas periféricas da cidade, surge o Movimento Popular Periferia (MOPPE). Criado no início do mês de maio deste ano, o MOPPE tem por objetivo unir forças com diversas comunidades da cidade para reivindicar melhorias em regiões distantes do centro. Um dos membros do MOPPE é Marcelo de Barros, conhecido como Professor Careca que atua na comunidade do Ouro Verde. O professor aponta que dentro do MOPPE existem comunidades que estão inseridas em áreas de risco como o final do bairro Santa Maria, Santo Antônio e partes do Santa Luíza. “Se a casa estiver 30 metros longe do córrego a pessoa não é obrigada a sair de sua casa e deve receber sua documentação. A maioria dessas famílias que moram em áreas de risco estão esperando ser realocadas”. Sobre a retirada da população das áreas de risco, Marcelo diz que a Prefeitura não faz fiscalização. “Estamos cobrando a prefeitura para que eles deem uma moradia digna para esse povo que precisa. O que acontece é que relocam as pessoas dentro dos núcleos habitacionais só que eles [prefeitura] não fiscalizam, as pessoas vão para o núcleo mas às vezes voltam para sua casa de origem por causa das raízes que criam com o local".
Segundo Barros, existem regiões em Ponta Grossa que estão em condições muito precárias, como o Ouro Verde II. “Lá existe uma ocupação com cerca de 40 casas que não tem uma estrutura mínima como água e luz. Estamos cobrando da Prefeitura a regularização destas casas e que essas famílias sejam atendidas com saneamento básico”. Para o professor, a população pobre foi 'empurrada' para longe do centro, onde não há uma estrutura ideal. “Se você ver o Costa Rica, Panamá ou Londres, eles não tem escola estadual. Temos uma grande dificuldade no deslocamento dos alunos, eles também tem muita dificuldade em conseguir o passe livre”, exemplifica Marcelo.
As principais reivindicações do MOPPE estão embaçadas na conquista de direitos básicos e ao acesso a serviços essenciais como saneamento básico e saúde. “Está faltando muitas coisas nas comunidades, principalmente nas unidades de saúde que faltam médicos e remédios. Lutamos também pela melhoria de ruas esburacadas e por mais áreas de lazer.” Ele aponta que as comunidades precisam de atendimentos na área de lazer como medida para diminuição de crimes. “Não temos um trabalho vindo da prefeitura no âmbito do esporte e cultura dentro dos bairros. A prefeitura só age com repressão e não com prevenção. Os jovens estão ociosos dentro dessas comunidades e o índice de criminalidade só têm aumentado".
A política habitacional, como uma política social, deve estar adequada ao planejamento urbano. O problema habitacional não é um fenômeno isolado, pelo contrário, faz parte dos processos sociais, econômicos e políticos.