Autor do livro “Estado e política: A história de Ponta Grossa, PR”, Fábio Anibal Goiris é formado em Odontologia pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) e em Direito pelo Centro de Ensino Superior dos Campos Gerais (Cescage), com mestrado em Ciências Políticas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e em Odontologia pela Universidade de São Paulo (USP). Possui ainda pós-graduação em Sociologia Política pela Universidade de Londres, na Inglaterra.

 

 

O que está em jogo no segundo turno das eleições? O que vai mudar a partir daí?

O que está em jogo é um confronto entre esquerda e direita, talvez como nunca antes. Porque o confronto anterior entre Dilma [Rousseff] e Aécio Neves não é nem a sombra do que hoje, em termos de confronto ideológico. Até certo ponto é natural. Natural que eu digo porque esse confronto existe na Europa também. Lá temos a [Marine] Le Pen, na França, com suas políticas xenófobas. Temos, na Itália, com um deputado que é claramente também com políticas anti-imigração. Temos também, nos Estados Unidos, o próprio Donald Trump. Se você quiser levar mais adiante, o [Rodrigo] Duterte nas Filipinas, também tem esse discurso. Na Europa, esse discurso inclusive na Alemanha. E também na Inglaterra, o Brexit. Esse é um movimento à direita porque se torna intolerante aos imigrantes. Esse é o problema. Surgiu justamente por medo de tirar o emprego, por exemplo, dos naturais de cada país.

 

Então, esse é um movimento que vem, no momento, muito forte. Um exemplo que surge disso é a chamada “velha direita” e “nova direita”, que é um conceito que precisamos entender também. Um exemplo da “nova direita” na Europa é a Maréchal-Le Pen, sobrinha da Marine Le Pen, jovem, 22 anos, loira, enfim, tem essas características. Mas qual é a diferença entre a “velha direita” e a “nova direita”? A “velha direita” é mais quieta, mais ligada ao dinheiro, ao capital. Nós temos, por exemplo, o [João] Dória, esse um nome da “velha direita”. Temos aqueles grandes empresários brasileiros, Abílio Diniz, por exemplo. Essa é a “velha direita” que não é ideológica a ponto como é agora, por exemplo, da Joice Hasselmann, da “nova direita” que apresenta características peculiares. Ela escancara os valores da direita publicamente. Adere também a movimentos de direita publicamente. Enfim, essa direita mais escondida surge e o Bolsonaro, por exemplo, se encaixa muito bem nesse processo, porque representa muitos valores dessa “nova direita”. Talvez por razões diferentes da Europa.Porque, necessariamente, o problema do Brasil não são os migrantes estrangeiros. É um problema estrutural, cultural e ideológico, que surgiu aqui mesmo.

 

 

Nessa “nova direita” e “velha direita”, você diz que esse conservadorismo está no Brasil e a gente viu no primeiro turno que elegeu muitos conservadores, talvez mais conservadores desde a redemocratização. É nesse ponto que você quer chegar?

Sim. A questão é essa. Uma das pessoas que explica esse processo é o Jessé de Souza. Por que surge essa questão tão duramente hoje em dia? Tão acirradamente? Porque o Brasil, ou os brasileiros, não sei, não conseguiram ainda superar dois elementos infraestruturais fundamentais: a escravidão e o genocídio indígena. Esses dois elementos ainda perpassa toda a nossa moral, todo nosso comportamento. A partir desses dois elementos não superados surgem, então, o patrimonialismo que é “manda quem tem dinheiro”, vamos dizer assim, que é patrimonialismo, com todo o seu autoritarismo embutido. Temos também a corrupção a partir disso. Temos também então o populismo de esquerda e de direita, mais de direita, eu diria, hoje em dia. E temos também a corrupção da própria mídia. A questão midiática se torna um elemento desestabilizador para um lado ou para outro. Então, todas essas coisas estão embutidas nessa questão que hoje nós enfrentamos. Bolsonaro surgiu nessa esteira, nesse processo, nesse longo caminho não superado. Vimos que a esquerda também fraquejou em muitos aspectos e foi tomada até de surpresa. Porque um dos erros do PT talvez tenha sido não ter formado uma consciência popular mais ideologicamente sustentável, diferente do que ocorreu com o Chávez e Maduro, por exemplo, que de alguma maneira criaram uma estrutura ideológico-mental suficientemente capaz de reivindicar os seus valores e melhorar as suas relações com a sociedade.

 

Então, essa “nova direita” mais um fraquejamento da esquerda e mais essas condições que vêm de antanho, relacionadas à falta de superação, como diz o Jessé de Souza, o ódio ao pobre, isso não conseguimos superar ainda. O ódio ao pobre e por isso que políticas públicas não são bem-vistas pela direita. Porque no período Lula e Dilma se incorporou de 3 milhões de estudantes para 8 milhões de estudantes universitários, muitos dos quais muitos pobres que não teriam chances sob outras condições de se incorporar a esse mercado. Então para a elite, vamos dizer, isso é ruim porque a classe média e a classe baixa seriam os donos do conhecimento e isso enfraqueceria o poder essencialmente econômico dessa elite. As políticas públicas são malvistas pela direita e se difunde esse conceito como se fossem uma verdade total também. Isso altera a relação com a esquerda. A esquerda passa a ser malvista e a forma de distribuir riqueza não é aceita.

 

 

Essa divisão da esquerda, por exemplo, o Ciro Gomes de um lado, o PT do outro e os dois não conseguem se entender. Você acha que isso também fez com que a esquerda saísse perdendo no primeiro turno?

Não, a esquerda não é unânime. Acho que em nenhum país. Porque o Ciro [Gomes] não é essencialmente de esquerda. Para mim, ele é um liberal. É a favor do mercado. Só que tem propostas mais “distributivistas”, mas não chega a algumas propostas mais radicais do PT, por exemplo. Mas o próprio PT também, na Europa, é visto como social-democracia. O próprio Lula não é visto essencialmente como um socialista, como um esquerdista. Por isso que não tem razão também hoje em dia chamar de comunista, porque seria um exagero chamar de comunista, como talvez seria um exagero também chamar de fascista com todas as letras os apoiadores de Bolsonaro, por exemplo.

 

Por isso que entram em choque. Os dois extremos não se sustentam teoricamente e não vão se sustentar na prática também. Me parece que a esquerda não se unindo, o que é natural, o que não quer dizer também que se desprezem. O Ciro Gomes mostrou para mim que não tem toda convicção de esquerda ao abandonar e viajar para a Europa por exemplo. É um sinal de que ele não tem convicções profundas pela democracia, pela esquerda. De qualquer maneira [a esquerda] está no segundo turno, independente da presença do Ciro ou de qualquer outro candidato.

 

 

Nós temos no segundo turno dois modelos diferentes de Estado. Você já falou sobre a distribuição. Pode explicar o que um lado quer e o que o outro lado está querendo? Quais são as pretensões de Jair Bolsonaro e quais são as pretensões de Fernando Haddad nesta eleição?

Algumas coisas básicas temos que ver aí. Por exemplo em termos de dívida pública. Segundo o Bolsonaro, o combate direto e imediato da dívida pública é através das privatizações que o Paulo Guedes [cotado a ministro da Economia] já falou que vai privatizar tudo. Contrariamente, o Haddad e qualquer partido socialista vai falar que isso não pode ser feito jamais, porque as privatizações no fundo vão acabar prejudicando as massas populares, quando os direitos à saúde, educação, por exemplo seriam tocados por esse tema. Um tema relacionado a isso é o “teto dos gastos” que o Bolsonaro disse que não vai mexer na PEC que foi aprovada. Já o Haddad diz que pode ser mexido porque poderia estar alterando as condições de instituições e de pessoas que precisam de maior atendimento em determinado momento de crise.

 

Temos que ver também o ajuste fiscal. Diminuir gastos com o social é uma característica do grupo do Bolsonaro. Já o grupo do PT pretende não mexer nos gastos com questões sociais. Isso é um confronto completamente diferente também. Quando você mexe na economia em função do Estado, não vai mexer na economia a ponto de alterar as relações sociais que conseguiram instituir através de lutas. O outro [Haddad], pretende melhorar economia exatamente por “taxar” as questões sociais. Por exemplo, a cobrança de Imposto de Renda, o Haddad diz que vai cobrar mais dos ricos, inclusive impostos sobre fortunas. Me parece difícil Bolsonaro falar a mesma coisa, porque iria contra os seus apoiadores, em tese. É melhor remover da classe média, classe baixa, por algum mecanismo, como, por exemplo, a terceirização que foi feito pelo Temer é uma forma de melhorar o ajuste fiscal, mas em detrimento de alguns direitos já conseguidos durante muitas lutas pelas classes populares.

 

 

Depois de ganhar, quem seja, como será a governabilidade?

Ocorreu o fenômeno extraordinário no Brasil. As forças de direita do PSL, por exemplo, que o nome é Partido Social Liberal, onde o liberal é muito mais forte que o social. Esse partido conseguiu arrebanhar o maior número de partidos que um partido pequeno conseguiu em toda a história do Brasil. Quem conseguia isso era o velho PMDB de guerra, como diz o Requião, o PSDB e o próprio PT. Para conseguir esses 52 deputados federais na primeira tentativa do partido, que pela primeira vez apareceu no cenário político, é uma coisa extraordinária. O que mostra isso que nós já falamos, a força de um movimento de direita que veio para tentar ocupar um espaço que até então não conseguiam. Acontece que o PT mostrou grande resiliência também, ao conseguir praticamente mais de 50 [56] deputados federais e, pelo menos até agora, 3, 4 governadores e vários deputados estaduais. Em um partido com todas essas denúncias e acusações que veio passando, conseguiu manter e, por isso mesmo, ser a verdadeira oposição, o que precisa muito a um suposto governo Bolsonaro.

 

Me pareceu que o papel da mídia e das redes sociais foi muito importante também. Mostrou um novo tipo de relações entre as pessoas. As redes sociais, os fake news, que anteriormente eram chamados de pós-verdade, eu já escrevi sobre isso. Enfim, esses elementos ficaram exacerbados agora. Qualquer um já se intromete e faz camisetas fake news, como o que ocorreu com o caso da Manuela D’ávila. A mídia que eu estou falando não é só a mídia antiga, tradicional, mas a mídia de internet.

 

 

Independente de quem for o vencedor, em 2019 teremos oposição forte?

Uma oposição sui generis porque os velhos caciques nem sequer se elegeram mais. O Romero Jucá, Agripino Maia, vários caciques que estariam no centro não conseguiram se eleger. Então nós vamos ver qual vai ser o papel dessa “nova direita”. A palavra de ordem agora é “nova direita”. Como ela vai se comportar, porque a direita velha eu acho que já fez o seu papel, já ficou rica no Brasil. Essa nova direita vamos ver até onde consegue ir e até onde vai ter o apoio desse eleitorado que agora jogou muito a favor deles.

 

E como vai ser a esquerda?

A esquerda tem muitos problemas de relacionamento. Mas o grande problema que praticamente “destruiu” a esquerda é a mídia e a própria internet ter jogado toda a culpa no Estado. Então o Estado é ruim, o Estado é incompetente, o Estado é corrupto. E quem está dentro do Estado? Quem está dentro do Estado são os políticos de esquerda, no caso do PT. Então eles, diríamos assim, demonizaram o Estado, demonizaram os políticos de esquerda durante muito tempo em um jogo midiático impressionante. Isso a esquerda não conseguiu assimilar muito bem. A burguesia se sentiu favorecida por isso. Porque praticamente a corrupção é o PT que começou, o Estado que começou e, inclusive, a Petrobras é acusada de corrupta. Contrariamente e equivocadamente a iniciativa privada, o capital privado ficou isento. Na verdade, o capital privado que promoveu toda a corrupção. Essa é uma dualidade muito mal compreendida no Brasil. Por exemplo, Caixa 2 é uma questão estabelecida por lei, estabelecida pelo capital privado onde os políticos caíram nessa, os políticos praticamente aderiram ao caixa 2 em massa, independente de partido. Por isso não é correto apontar somente o PT como o iniciador e o perseguidor da corrupção. O caixa 2 é uma instituição, instituída pelo próprio capital privado em detrimento da própria democracia.

É um aprendizado para a esquerda todo esse processo e um aprendizado no sentido de que teria que se unir e teria que ter propostas mais contemporâneas, no sentido de arrebanhar maior quantidade de aderentes. Nesse momento é muito necessário esse tipo de entendimento.

 

 

A partir de 1º de janeiro de 2019, para onde vamos?

A partir de agora, então, nós temos uma guinada à direita, com todas as características que isso implica. Implica, em primeiro lugar, um ajuste fiscal mais severo. Um ajuste fiscal onde, talvez, se retire direitos, principalmente dos trabalhadores, um controle da dívida pública que vai ser fundamentada em privatizações, cujos excessos já conhecemos lá do tempo do [ex-presidente] Fernando Henrique Cardoso e que vem vindo. Essa sede por essa privatização exacerbada. Vamos ver um delírio em relação à segurança pública, que eu não sei. Uma coisa é o discurso, outra é a prática. No Brasil, tem muita desigualdade social. Essa desigualdade social não sei se pode ser combatida apenas com armas. Precisa ser combatida com medidas de distribuição de renda, com a aplicação permanente dos direitos sociais. Esse é o problema da direita. A direita não quer aceitar as decisões constitucionais dos direitos sociais. Por exemplo, se der muito direito para o trabalhador, ela [a direita] não vai conseguir mais pagar nem a empregada doméstica. Ela pensa assim se aumentar muito os direitos sociais.

 

Temos problemas de ordem fiscal, da dívida pública, de segurança. Tudo isso vai ser equacionado em função também de uma oposição. Precisa ter oposição justamente porque muitas coisas se ganha em votações no Congresso principalmente. Vamos ter ainda um longo período de readaptação. O filósofo José Arthur Gianotti escreveu que a direita teria que melhorar o seu discurso também. O discurso radical tem que diminuir bastante para que possa ser possível uma governabilidade. Essa é uma questão fundamental a discutir. Uma coisa é o discurso de campanha, outra coisa é quando você já está no poder. Me parece que esses são os dilemas que ainda vai ser enfrentado no Brasil.

 

 

A pauta dessa eleição foi “segurança pública” ou “corrupção”?

Se misturam bem. Porque corrupção foi, para o público, para o eleitor comum, o fator determinante. A Lava jato criou toda uma cultura que não existia no Brasil. Esse enfoque dessa forma. O que eu acho positivo no sentido de universalizar dentro do Brasil esse conceito da importância de combater a corrupção. Mas, por outro lado, cometeu excessos já denunciados pela mídia, pelos democratas. A corrupção foi muito importante e a vítima nesse ponto foi justamente o PT, que agora é candidato. Por isso que alguns dizem que talvez seria melhor o Ciro ser o candidato porque sairia dessa pecha de corrupto que carrega o PT.

 

Mas, por outro lado, tem a questão da segurança também. E tem um aspecto importante. O Exército entrou no Rio de Janeiro e até agora tampouco conseguiu resolver o problema. Isso que eu te falei. Uma coisa é o discurso e na prática, às vezes, não ocorre tudo o que se pensa na teoria. Há todos esses problemas. Mas ambos, tanto a corrupção, como a segurança foram os principais elementos. E também o terceiro elemento, a sede de mudança da população. A própria elite econômica não suportaria mais quatro anos de governo mais progressista, por exemplo.

 

 

Depois de toda essa campanha, como é que fica a democracia brasileira?

Alguns autores dizem que a democracia perdeu muito com a própria candidatura e o êxito de Bolsonaro, porque tem propostas que mexem com direitos, propostas que mexem no sentido de uma segurança onde vale o armamento da população, sendo que teve já um plebiscito que se rejeitou esse processo. Estamos vivendo um retrocesso nessa questão. Outros veem que a democracia, a despeito de todo esse processo, continua viva, inclusive porque nós temos agora um segundo turno, há um confronto de ideias. Pelo menos, minimamente, a democracia sobrevive. Não sobreviveria se, por exemplo, no primeiro turno um candidato ganhasse por 70%. Aí seria que já há um descompasso entre a democracia e o que a população precisa. Diria que estamos em um equilíbrio, mas muito tênue. Precisa controlar muito a mídia. Por isso existe essa questão do controle social da mídia que o PT não conseguiu promover. Os resultados estão aí. As questões de fortalecer os partidos também. Diria que a queda de partidos como o MDB e do PSDB até, por certo ponto, é positiva, porque vai fazer com que esses partidos se mobilizem, no sentido mais contemporâneo da busca da democracia. Até agora eles estavam surfando na onda de um liberalismo de centro, que na verdade não existe. Basicamente, hoje nós vemos que ninguém mais quer votar no centro porque o centro é, simplesmente como é clássico no PSDB, vive em cima do muro.

 

A sociedade já quer respostas mais claras a respeito de posicionamentos ideológicos de políticas públicas, inclusive. Isso é, determinar uma política pública mais aberta, mais distributivista, mais generosa em relação a políticas públicas mais duras e defendendo o que se chama de Estado mínimo. O que [filósofo Robert] Nozick, americano inventou esse Estado mínimo que é justamente o Estado que controla os gastos públicos em função de um governo mais austero. Basicamente, a democracia está em um equilíbrio. Não caiu e tampouco está dando sinais de que melhorou. Estamos em um lamaçal ainda em termos de democracia, ou em cima de uma linha muito tênue.

 

 

Depois de tudo o que falamos sobre esses temas centrais, qual a conclusão que podemos tirar?

Teríamos que retornar no começo da nossa entrevista quando falávamos que o Brasil não conseguiu superar ainda a escravidão e o genocídio indígena. A partir disso surgiu o patrimonialismo e também o capitalismo selvagem que perpassa toda a sociedade e vem até hoje. A partir disso se fortaleceu também aquele ódio aos pobres em função desse patrimonialismo, inclusive a partir da classe média. Marilena Chauí [filósofa e professora da USP] fala muito do papel da classe média na questão da gênese do conservadorismo no Brasil. Como que surge essa aversão ao PT que é incentivada pela mídia, que por sua vez está em ligação com o patrimonialismo e com a classe média?

O PT propiciou o Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida, o Prouni, Fies, cotas para negros e indígenas e, com isso tudo, em um processo de avanços sociais tirou da extrema pobreza 26 milhões de brasileiros. Esse fato foi distorcido, muitas vezes, pela mídia porque tinha o apoio da classe média e da elite. Que essa forma de distribuição de renda que o PT estava propiciando estava indo contra os anseios dessa classe, dessa elite. A classe mais pobre começou a viajar de avião, tem casa própria, tem salário adequado e estava dando a impressão que retirava benefícios dessa classe média e alta.

 

O chamado centro político, do [Geraldo] Alckmin, do próprio Dória, do Ciro inclusive, ficou à direita porque não se posicionaram à esquerda como se esperava de um democrata. Por isso que o Marx já dizia que a única e verdadeira classe revolucionária é o proletariado, porque a classe média e nem as elites jamais vão fazer revolução. Inclusive assumem uma postura muitas vezes antirrevolucionária.

Criou-se com isso um consenso entre a classe média e a elite, uma espécie de pensamento único, que Antonio Gramsci definiu como uma hegemonia da classe dominante. Essa hegemonia é que domina a mídia, domina a educação, domina a cultura. Com isso se difunde essa ideia. Qual o resultado de tudo isso? Um dos grandes problemas é que, com a ascensão e a suposta vitória do Bolsonaro, vai ocorrer um fenômeno fundamental que os pobres vão ficar sem representação política. O outro aspecto é, por exemplo, os grandes bens do Brasil, como a questão da Amazônia e do Pré-sal podem estar em cheque também nestas condições.

 

Para finalizar a pergunta de que se a democracia avançou ou não, eu falei que ela estava estagnada e vamos explicar melhor. Walter Benjamim tem uma figura de um quadro do pintor americano Paul Klee, se chama Angelus Novus. Walter Benjamim diz que o Angelus Novus representaria a história. Vamos falar de democracia, mas é a mesma coisa. Ele diz que a história não avança porque esse Angelus Novus a figura fica olhando para trás e as pernas estão dentro de um lodo que não deixa avançar. Embora ele queira, as asas tentam levá-lo adiante, mas não avança. Então, a figura pode ser aplicada também a democracia, a gente tenta avançar nos programas sociais, na distribuição dos bens sociais, mas há sempre um retrocesso.

Para concluir, para modernizar nossa entrevista, o Whatsapp [aplicativo de rede social] contribui contrariamente à democracia. Ele esteve minando a democracia porque tem empresários que buscam ter lucros. A Folha [de S. Paulo] denunciou a rede [de lojas Havan], por exemplo, que é uma empresa que banca processos para disparar mensagens pelo Whatsapp, muitas vezes Fake News. Este é um problema que complica o avanço democrático. O semiólogo italiano Humberto Eco já falava que a mídia, digamos de internet, se não bem utilizadas em termos democráticos, ela conspiraria com qualquer forma de avanço democrático em qualquer país.