15 mil famílias estão na fila de espera da Prolar e 19.220 já foram atendidas até o ano de 2016. No momento, nenhuma casa está disponível
Segundo o Programa Habitacional para Famílias de Baixa Renda (Prolar), atualmente, 7 mil famílias se encontram em ocupação irregular e/ou área de risco em Ponta Grossa. De acordo com o Plano Local de Habitação de Interesse Social da cidade (PLHIS-PG), de 2011, a projeção é que 9.454 famílias estejam sujeitas a viver sem moradia adequada em 2021. A elaboração desses dados serve para reverter o quadro habitacional do município - explicitando a política de urbanização e regularização de assentamentos precários, as condições precárias de moradia e quais instrumentos políticos e democráticos são necessários para amenizar essa projeção.
Confira as projeções feitas pelo Plano Habitacional de Interesse Social em Ponta Grossa para o ano de 2021:
2000 |
2021 |
|
Inadequação fundiária urbana |
6.390 |
10.808 |
Domicílios urbanos sem banheiro |
5.825 |
9.332 |
Carência de infraestrutura urbana |
17.587 |
28.178 |
Déficit habitacional |
5.901 |
9.454 |
Dados: Plano Local de Habitação e Interesse social de Ponta Grossa.
Para Sandra Maria Scheffer, professora do curso de Serviço Social da UEPG e uma das elaboradoras do Plano Habitacional da cidade, o trabalho de regularização fundiária deveria ser mais intensivo. Com mais de 7 mil moradias irregulares na cidade, nem todas necessitam de realocação. “As [moradias] que necessitam de realocação por motivo de risco deveriam ser trabalhadas com novas unidades habitacionais utilizando áreas de vazios urbanos próximos ao local”. Ela também aponta que deve-se trabalhar com a recuperação dessas áreas com o plantio de mata ciliar, implantação de parques lineares e projetos de educação ambiental com as famílias do entorno para cuidarem dessas áreas.
O Plano de Habitação também define as prioridades de habitação conforme um nível de escalonamento. Com o prazo final para o ano de 2024, Scheffer diz que a prioridade da gestão nesses quatro anos deve ser trabalhar com habitações que estão no nível mais crítico definido pelo Plano. Ela destaca que é importante ter um conselho de habitação participativo e não só consultivo. “Este deve ser com segmentos não governamentais e governamentais para monitorar e avaliar se o Plano de Habitação realmente está sendo implementado”, explica.
De acordo com o Prolar, atualmente 15 mil famílias estão na fila de espera do programa e 19.220 já foram atendidas até o ano de 2016. No momento, nenhuma casa está disponível. Segundo o programa, as pessoas que estão na fila de espera só vão receber uma casa quando for liberado um novo empreendimento. Junto ao Prolar, o Departamento de Patrimônio trabalha na fiscalização das áreas de precariedade em regiões da cidade, feita por assistentes sociais, conforme solicitação de moradia ao órgão governamental para que as casas sejam entregues de acordo com a disponibilidade. A demora para a regularização das famílias em área de risco, aumenta a lista de espera e pode acarretar no aumento da população em situação de rua, que segundo o Centro de Referência em Assistência Social (CREAS-Pop), são 160 pessoas.
Valdir do Santos Nascimento, 40, mora há 9 anos com os dois filhos e a esposa em uma pequena casa de madeira que fica na encosta de um barranco íngreme, no bairro Bonsucesso. Estão logo acima de um arroio ao lado da rua Toledo, uma das principais ruas do bairro. Para o morador, viver perto do arroio não é fácil, o mau-cheiro, ratos, entre outros bichos acabam invadindo o terreno e a casa. O mau-cheiro é por conta da poluição, desde que ele mora no local sempre foi assim. Ainda, em dias de chuva, ele conta que a água do riacho se aproxima de invadir a casa da família, intensificando o forte odor e o surgimento de bichos.
Durante a última eleição para prefeito, em 2016, a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa, junto a outros órgãos, fez a verificação da situação da casa de Valdir e de outros moradores perto do arroio. “Eles falaram que a gente pegaria a casinha da Prolar, só que não deu certo. Disseram que meu salário era muito alto… As outras pessoas [que tinham residências atrás da casa do Valdir] conseguiram. Até o Rangel [atual prefeito] veio aqui”. Valdir já tentou duas vezes a casa no Programa Habitacional para Famílias de Baixa Renda e em nenhuma delas obteve a moradia.
Para efetuar o cadastro na Prolar, é necessário residir em Ponta Grossa, porém a distribuição das casas nos residenciais é feita a partir de uma seleção de critérios estabelecidos pelo programa, entre eles ter renda mensal inferior a R$ 1.800,00; estar em áreas irregulares, de risco ou insalubres; bem como a composição da família, como ter uma mulher como chefe ou pessoas idosas ou com deficiência.
A moradora do bairro Bonsucesso, Dircelia Lemes da Silva, conta que esses critérios não são o suficiente, pois ela se enquadra neles e ainda não recebeu a casa, mesmo após 83 empreendimentos do programa. Ela mora há 20 anos perto do arroio e sofre com os mesmos problemas que Valdir, seu vizinho. “A água sobe e chega até em cima, ficando parelha com a rua. Esses dias tinha até escorpião aqui dentro da minha casa. E também, o mau-cheiro é bastante, principalmente agora, com o tempo bem quente”. A Prefeitura chegou a visitar a residência de Dircelia para fiscalizar e avaliar os riscos do local. “A Defesa Civil veio e viu que era bem próximo do esgoto e, mesmo assim, eu continuo na fila”, comenta.
Segundo a Defesa Civil, as casas devem ficar, no mínimo, a cinco metros de arroios e esgotos a céu aberto. Como a casa de Dircelia está a menos de três metros, o risco de pedido de desocupação é iminente. Conseguir uma casa da Companhia de Habitação mudaria a vida da diarista - na residência atual, ela não pode investir para melhorar a moradia ou aplicar dinheiro na casa até que a Prefeitura tome uma decisão.
De acordo com Sandra Maria Scheffer, as ocupações em situação de risco são caracterizadas por assentamentos urbanos. São pessoas que buscam viver na área urbana, porém a falta de capacidade monetária para adquirir uma casa acaba levando segmentos das parcelas mais pobres da população a viverem em sub-habitações sem infraestrutura e em terrenos pertencentes ao poder público ou áreas desocupadas e particulares. Em Ponta Grossa, esses terrenos geralmente se encontram ao lado dos arroios, da linha de trem e embaixo de fio de alta-tensão.
Principais problemas dos programas habitacionais em Ponta Grossa
Segundo o Programa de Habitação de Ponta Grossa (Prolar), as ações e criações de programas habitacionais visam a aplicação de políticas habitacionais às famílias carentes e de baixa renda, visando a melhoria da qualidade de vida por meio de moradia, seguindo os princípios estabelecidos em lei, para criar as condições melhores à população.
As moradias irregulares ou de risco podem ser definidas a partir da localização, dentro de área de preservação ambiental, ou a partir do risco que área oferece, como afirma a pesquisadora de dinâmicas urbanas e regionais e professora do curso de Engenharia Civil da UEPG, Nisiane Madalozzo. “Quando o plano de habitação e interesse social identifica risco, esse risco pode estar relacionado a questão ambiental ou não, com áreas de deslizamento de terra ou embaixo de uma linha de alta-tensão. Da mesma maneira, a pessoa pode estar ocupando uma área de preservação ambiental, que não devia ter ninguém, mas ela não está em situação de risco”, destaca.
Para Madalozzo, a falta de acesso à infraestrutura, como pavimentação, rede de esgoto, distribuição de água, coleta de resíduos e drenagem urbana, e equipamentos urbanos que são escolas, assistentes sociais, unidades de saúde, delegacias e transporte coletivo, são uns dos problemas mais recorrentes para as famílias que vivem em moradia irregular. Ainda, a especialista ressalta que solucionar as questões de habitação irregular perpassa outras dificuldades, tendo em vista que as pessoas de melhor classe social podem escolher as habitações de acordo com suas necessidades e as famílias menos privilegiadas acabam migrando às áreas mais afastadas por sobrevivência “A solução mais inteligente é não pensar em remover todo mundo e seguir a ferro e fogo o código florestal e, sim, usar o bom senso para entender até que ponto é possível flexibilizar esses limites”, explica.
Sandra Maria Scheffer destaca que o programa “Minha Casa, Minha Vida”, que gerou muitas unidades habitacionais para famílias de baixa renda entre 2009 e 2015, desde meados de 2016, não destina mais recursos para a faixa 1, que são as famílias mais carentes. “Portanto, não se tem a implantação de novos programas para os que mais necessitam. Este programa trouxe maior infraestrutura que os anteriores com asfalto, calçada e redes de saneamento básico e energia elétrica, porém não atendeu a todos os critérios da concepção de moradia digna”, analisa a especialista.
Um dos problemas vistos nos conjuntos habitacionais é a não priorização de questões urbanísticas, locais e sociais, visto que os conjuntos habitacionais são construídos longe da cidade. Para Scheffer, isso demonstra uma configuração socioespacial de características segregadoras. Segundo ela, a implantação dos conjuntos em Ponta Grossa dificulta a localização dos moradores para o trabalho e para atender às necessidades deles.
Nisiane pontua a importância de uma nova gestão que volte o olhar para aspectos urbanos da cidade: “planejamento urbano e gestão urbana, do ponto de vista do urbanismo, das vias, do transporte e de levar infraestrutura, é primário para um gestor. Não tem como eu resolver o problema das pessoas se eu não entendê-las como pessoas localizadas no espaço”, explica.
FICHA TÉCNICA
Reportagem: Bruna Kosmenko e Rafael Santos
Edição: Mariana Santos e Raylane Martins
Supervisão: Professores de Produção de Textos Jornalísticos IV e NRI III.