Resolução do imbróglio envolvendo o ‘mercadão’ exige debate com setores culturais da cidade

Nos planos de governo dos candidatos ao cargo de prefeito de Ponta Grossa, a importância da preservação do patrimônio material e imaterial parece consenso. Mas, na campanha eleitoral de 2020, pouco se fala em propostas concretas e iniciativas culturais voltadas ao patrimônio local e à memória da cidade. A discussão a respeito da revitalização do Mercado Municipal é um exemplo. O “Mercadão”, como é popularmente chamado, esteve abandonado desde 2011. Em 2017, a Prefeitura Municipal de Ponta Grossa anunciou um projeto de revitalização, mas a empresa vencedora da licitação acabou demolindo a estrutura antiga. O novo prédio, que tinha entrega prevista inicialmente para 2018 e adiada até outubro de 2020, não foi entregue. Com uma nova gestão da prefeitura, existe uma expectativa de que o caso se resolva, para que o terreno, no centro da cidade, volte a ser utilizado em benefício da população.

O Mercado Municipal foi inaugurado em 1969 e está na Rua Comendador Miró, 226, uma das principais ruas de ligação entre os extremos do centro da cidade. Quando estava em funcionamento, o Mercadão reunia feirantes, artesãos, benzedeiras e uma série de outros serviços. “Conheci o Mercadão mas era criança ainda. Um espaço onde conseguíamos encontrar um pouco de tudo desde conservas, grãos em geral, diferentes serviços. Até fotocópia tínhamos um tempo. Lembro muito bem da rampa de acesso, da disposição das lojas e daquele clima nostálgico e bucólico do nosso Mercado Municipal. Sem falar nas benzedeiras que um tempo tinham espaço por lá também”, lembra o ponta-grossense Emerson Pugsley, 42 anos, morador da cidade, formado em Licenciatura em Geografia com Especialização em Espaço, Sociedade e Meio Ambiente, e atualmente técnico administrativo.

Em 2011, com Pedro Wosgrau Filho à frente da Prefeitura de Ponta Grossa, o Mercado Municipal parou de modo oficial. A precarização do mercadão, no entanto, vinha desde a década de 1990. Segundo o ex-prefeito, a decisão visava melhorar o espaço e utilizá-lo para mais atividades. “O mercado funcionava com só uma parte dos espaços, por isso acertei com todos os que tinham contratos e fechei, com o objetivo de fazer uma reforma e colocar diversas atividades públicas que estão em prédios alugados naquele local. Fizemos os projetos e até iniciamos obras, mas só pequenas demolições”, esclareceu à equipe de reportagem.

2 Mariana e Raylane Patrimônio Mercadão

 

Patrimônio e memória local sob concessão privada

A importância histórica do espaço do Mercado Municipal de Ponta Grossa o torna um patrimônio local que deve ter sua memória preservada. A intenção da Prefeitura, no último projeto aprovado para revitalização, em 2017, até era de que a arquitetura permanecesse a mesma como forma de valorização da identidade. O projeto apresentado em edital de concorrência para licitação foi intitulado como concessão de execução de recuperação do patrimônio municipal. Mas isso não aconteceu. “Hoje vemos aquele desértico cenário de ruínas como se estivéssemos em um país em guerras. A memória é o que nos resta apenas”, diz Pugsley.

Mesmo com o reconhecimento do Mercadão como um patrimônio da cidade, ele não foi oficialmente tombado pela Prefeitura. Antes de um patrimônio ser protegido, ele precisa estar em uma lista de tombamento. Seguido por uma análise histórica, arquitetônica e do município para avaliar se é importante ou não tombá-lo. Após esses processos, a proposta é levada à votação no Conselho Municipal. “Por mais que tenha havido movimentações sobre proteger o Mercado, nunca chegou a entrar no que a gente chama de inventário, que é uma lista de possíveis imóveis para tombamento. No caso do mercado, nunca foi realizado esse processo”, afirma a arquiteta e urbanista Nisiane Madalozzo. Segundo Madalozzo, para o imóvel entrar na lista de tombamento, ele precisa ser apontado por meio de uma escolha coletiva, ou seja, quando a população reconhece determinado lugar como parte importante ou de herança da cidade.

Em outubro de 2017, a Prefeitura de Ponta Grossa, representada pelo então prefeito Marcelo Rangel, firmou contrato com a empresa Tekla Engenharia, vencedora do processo licitatório de concessão das obras de recuperação do patrimônio, no valor de 67 milhões de reais. Além da revitalização do mercado, o projeto previa a construção de um hotel, um estacionamento e obras complementares e paisagísticas no entorno. O prazo de concessão - período que a empresa pode fazer o uso e exploração do local - é de 35 anos.

Em dezembro de 2017, a Tekla Engenharia isolou o espaço do Mercado Municipal com a instalação de tapumes. Em agosto de 2018, a empresa solicitou a prorrogação do prazo das obras que foi concedido pelo município. Em março de 2019, foi registrado um pedido de alteração do projeto de revitalização por parte da engenharia. O documento informou à Comissão de Engenheiros designada pela Prefeitura da demolição total do prédio e necessidade de reconstrução do mesmo. Segundo informações repassadas pela Assessoria de Imprensa da Prefeitura de Ponta Grossa, um laudo técnico teria comprovado a necessidade de demolição das estruturas para dar continuidade aos trabalhos.

Nos primeiros meses de 2020, funcionários da Tekla Engenharia deram início à retirada de entulhos, mas desde a metade do ano as atividades pararam e não houve mais nenhum registro de movimentação ou obras no espaço. O prazo do contrato (outubro de 2020) não foi cumprido e o Município deve responsabilizar a empresa com medidas e penalidades regulamentares dispostas no contrato. Tramita entre Prefeitura e empresa vencedora a proposta de um distrato de intenção da construção. 

A demolição e nova construção impossibilitam uma revitalização do espaço que já existia fincada em preservação do patrimônio. O que resta é esperar para saber se de fato será construído um novo Mercado Municipal. “Quando vi a maquete em um shopping central do novo mercado, muito me alegrei. Só que tudo ficou somente nas ideias e nada mais. Até a empresa caiu fora depois de ganhar a licitação. Provavelmente alguma coisa no contrato não ficou bem estabelecida. Agora nem precisamos mais pensar em revitalização pois escombros não são revitalizados”, desabafa Emerson Pugsley.

 

Mercadão e eleições 2020

Nos planos de governo das cinco candidaturas a prefeitura de Ponta Grossa, somente dois candidatos citam explicitamente o Mercado Municipal: Márcio Pauliki (SD), propõe a construção de um Centro de Abastecimento de Ponta Grossa (CEAPG), em outro espaço da cidade, e nele criar um novo Mercado Municipal com parceria público privada. No lugar do antigo Mercadão, Pauliki pretende construir uma nova sede para a Guarda Civil Municipal com departamentos para a Polícia Militar, Polícia Civil e Conselhos Tutelares. Já o Professor Edson (PT), propõe a construção do Novo Mercado Municipal como espaço de produção e comercialização comunitária. Os planos de governo de Mabel Canto (PSC), Professora Elizabeth (PSD) e Professor Gadini (PSOL) não citam o Mercado Municipal.


Ficha Técnica

Reportagem: Mariana Santos e Raylane Martins

Edição: Bruna Kosmenko e Rafael Santos

Supervisão Técnica: professores de Produção de Textos Jornalísticos IV e NRI III