Em todas as propostas para Prefeitura de Ponta Grossa, poucas linhas tratam, de forma genérica, a atual crise de saúde pública
Ponta Grossa conta com três candidatos e duas candidatas à prefeitura em 2020. Entre eles, há diferentes formas de pensar e posicionamentos políticos, mas um fator é comum aos cinco: nenhum considera os efeitos da pandemia nas propostas de governo. Somadas todas as propostas de governo, são 147 páginas e apenas 12 linhas dedicadas a falar sobre a crise de saúde pública e suas consequências sobre os diversos campos de atuação no município.
Diante do cenário de crise sanitária e eleições municipais, a doutora em Ciência Política, Isabele Mitozo, aponta que além de propostas básicas nos setores de saúde, educação e segurança, “a pandemia é extremamente importante, tendo em vista que todas as novas gestões ainda terão de enfrentar esse problema de saúde pública que afeta também a economia local no próximo ano”.
A visão de Mitozo é compartilhada pelo doutor em Ciências Sociais e pesquisador na área do Desenvolvimento Regional, Walter Birkner. Para ele, a tendência é que haja maior volume de informação sobre as propostas, além de gerar maiores cobranças aos prefeitos e vereadores que tentam se reeleger, tanto pelo que fizeram quanto pelo que deixaram de fazer desde que o vírus chegou aos seus municípios.
A campanha à prefeitura em Ponta Grossa conta com cinco candidaturas. Em seu plano de 51 páginas, o candidato Márcio Pauliki (SD) cita a pandemia em duas linhas, no sentido de estabelecer estratégias de retorno dos alunos às escolas após o período de isolamento social. Professor Edson (PT) cita a pandemia em dois momentos em sua proposta de 16 páginas. Em um deles, diz que o momento de crise manifestou a necessidade de se implantar um sistema municipal de tele-medicina após a pandemia. No outro, que o coronavírus demonstra a necessidade de se realizar uma reorganização do transporte público. Em nenhum momento, comenta medidas de recuperação do município. Professor Gadini (PSOL) sequer cita a pandemia.
As duas candidatas também não se aprofundam sobre medidas de combate à COVID-19. Professora Elizabeth (PSD) cita a pandemia em uma linha no início de sua proposta de 41 páginas para dizer que é importante investir recursos no combate ao coronavírus, mas não fala quais recursos nem em que áreas. Mabel Canto (PSC) é a que mais trata da pandemia na proposta de 27 páginas – que não está anexada no site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), apenas circula nas redes sociais. Na proposta, cinco linhas são dedicadas a falar da necessidade de readequação do orçamento municipal e quatro sobre medidas a serem estabelecidas para a recuperação econômica do município. Apesar de ser a que mais dedicou espaço para falar da pandemia na proposta de governo, assim como os outros candidatos, não explica as medidas nem informa de quais recursos financeiros trata.
“Devem-se propostas à população acerca de como acertar as contas do município e retomar os níveis educacionais”, observa a cientista política Isabele Mitozo. Ela considera que quando as candidaturas – não apenas em Ponta Grossa – não levam em consideração este período de crise, ficam em dívida com o eleitor. Levando em conta a projeção mais favorável de uma vacina ser para apenas após o segundo trimestre de 2021, Mitozo sugere que no caso da educação são necessários planos para “reduzir as desigualdades que se acentuaram ainda mais também nesse âmbito, sem que isso custe muito mais vidas.”
Candidaturas desconsideram a queda na arrecadação municipal na pandemia
Os estados e a Receita Federal anunciaram queda na arrecadação de impostos devido aos efeitos da crise sanitária. O Paraná registra redução na casa dos 35% na arrecadação, boa parte proveniente dos municípios e a Receita Federal divulga queda de 14% nos Campos Gerais. Ponta Grossa não divulgou o balanço de impostos do período da pandemia.
Embora Ponta Grossa tenha fechado 2019 com receita total (soma de todos os recursos que entram no caixa da prefeitura) na casa de R$ 1 bilhão, o possível impacto do isolamento social e restrições ao comércio sobre as finanças do município não foi colocado em discussão por nenhuma chapa à prefeitura nas propostas de governo.
Diante do decréscimo na arrecadação de impostos que também se projeta para Ponta Grossa, Mitozo acredita que quem assumir o governo municipal a partir de 1º de janeiro terá desafios para colocar em prática as propostas que não levam em conta este período atípico, pois “as próximas gestões vão entrar nos mandatos já fragilizadas, tendo de ajustar as contas públicas”, prossegue.
Outros fatores importantes e que, segundo a cientista política, deveriam ser considerados nas propostas de governo são “a estrutura de saúde e as desigualdades educacionais ampliadas pelo fechamento das escolas e pela precariedade do ensino público remoto”. Esse último, deve-se a problemas diversos, como conexão à internet, falta de dispositivos por meio dos quais os alunos mais carentes possam acompanhar as aulas e preparação de professores para o novo formato.
Sem certezas sobre qual será o orçamento do município para o próximo ano, mas com a perspectiva de queda na arrecadação, a execução de todas as propostas precisará ser adequada. O principal fator de queda em diversas cidades do estado foi a baixa no consumo de prestadores de serviços e compras, causando menor arrecadação do ICMS, que é o imposto que diz respeito a essas atividades econômicas.
No caso de Ponta Grossa, os planos de governo de todas as chapas consideram questões de saúde, educação e segurança, também apontam problemas e estabelecem diretrizes. Contudo, não é abordada a especificidade deste momento de endemia, como queda na arrecadação de impostos – que seriam aplicados na realização das propostas –, aumento no desemprego, readequação dos quadros da saúde pública e nivelamento dos estudantes da rede municipal que tiveram perdas de aprendizagem durante a pandemia.
Combate à pandemia deve ser fator de peso na eleição
Uma pesquisa do Instituto Locomotiva em parceria com a escola de formação política RenovaBR aponta que os eleitores estão mais atentos aos temas voltados para a saúde, reflexos da pandemia e educação nas propostas dos candidatos neste ano. A atenção dada à pandemia é o segundo fator mais citado pelos entrevistados.
A pesquisa foi orientada pela pergunta “E qual área da sua cidade o candidato a prefeito deveria dar mais atenção em um possível mandato? E em segundo lugar? E em terceiro lugar?”, com a participação de 2.500 pessoas de 72 municípios divididos entre todos os estados da federação entre 31 de julho e 07 de agosto. Na primeira menção, 16% das pessoas entrevistadas disseram que a saúde é a principal bandeira que esperam dos candidatos ou candidatas à prefeitura. As medidas de combate à pandemia são o segundo ponto que mais chama a atenção dos entrevistados, com 12% dos respondentes apontando que é algo que esperam do candidato. A terceira questão mais citada na primeira menção foi a educação, com 9%. Somadas a segunda e a terceira menções, saúde continua em primeiro lugar, com 34%, enquanto a educação sobe para 2º com 27% e as medidas de combate à pandemia ficam em terceiro, com 19%.
“Percebe-se que a avaliação positiva dos prefeitos [das capitais] quanto ao combate à pandemia na cidade têm se refletido em melhores resultados nas pesquisas”, comenta Mitozo. A cientista política exemplifica os dados do Instituto Locomotiva com a campanha da capital cearense, Fortaleza, onde um candidato saiu do 3º para o 1º lugar nas pesquisas ao levantar a bandeira da continuidade dos trabalhos para conter o avanço do vírus. Mitozo explica que, por outro lado, “candidatos apoiados pelo presidente da República, cuja impressão popular é de que não trabalhou em prol do combate à doença, estão em constante queda nas pesquisas, como é o caso da capital paulista”.
Outro aspecto que a pesquisadora considera pertinente vai além das propostas de governo. A forma como os candidatos se portam, se cumprem ou não as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para a pandemia, é importante para a imagem e para o possível resultado nas urnas. Ela vê chance de “piora da situação da pandemia devido ao descumprimento de medidas de segurança pelas campanhas municipais, que são muito baseadas em estratégias corpo-a-corpo, pois capital social e confiança são pontos essenciais para a eleição de um candidato”.
FICHA TÉCNICA:
Reportagem: Alexandre Douvan
Edição: Arieta de Almeida e Hellen Scheidt
Supervisão: Professores que ministram as disciplinas práticas do curso