A universalização do saneamento básico é um problema no Brasil e em Ponta Grossa, aproximadamente 1 a cada 10 ponta-grossenses não possui acesso aos serviços

A falta de abastecimento de água em alguns bairros da cidade é um problema frequente em Ponta Grossa. Segundo moradores dos bairros Vila Cipa e Los Angeles, a falta de água nas casas acontece há anos. A moradora Clevelaine Maciel, 28, mora há dois anos no bairro Los Angeles e desde então sua rotina mudou pela incerteza do abastecimento. No primeiro ano, a falta de água ocorria aos fins de semana. “No sábado, eu nunca tive água na minha casa”, comenta. Em 2020, o problema passou a ser mais recorrente, de acordo com ela, há três meses começou a faltar água ao longo da semana. “Durante a pandemia com certeza se agravou. Têm dias que eu não tenho água na segunda, na terça e na quarta. O que acontece é que a água acaba 8h, 9h da manhã e volta às 21h ou 22h horas da noite, então fico o dia inteiro sem água. A nossa solução é comprar água para beber”, explica a moradora.

 Um antigo funcionário da Sanepar, companhia com concessão de serviços públicos e de saneamento básico nas cidades do estado do Paraná, explica os motivos que levam determinadas áreas do município não serem atendidas com a distribuição de água em Ponta Grossa. “O principal é que a prefeitura não os incluiu [algumas áreas do município] no Plano Municipal de Saneamento Básico (PMSB) e o segundo, decorrente do primeiro, é a distância do perímetro urbano da cidade”, explica o engenheiro, que pediu anonimato à reportagem. 

A casa da moradora é a última da rua, o que, segundo os técnicos, de acordo com ela, faz com que não haja pressão suficiente para a água chegar até a residência. A solução encontrada pela cidadã é buscar água na casa de sua mãe, que mora próxima a ela. “A gente acabou se acostumando com a situação. Eu acostumei ficar sem água na minha casa e só lavo roupa 22h quando volta [a água], 22h estou com a máquina ligada e eu tenho duas crianças pequenas, é complicado”. 

Segundo o professor do Departamento de Geociências, Henrique Pontes, as pessoas que moram em casas que estão nos finais das redes de abastecimento têm problemas com a falta de água, pois “a utilização da água é alta e a rede de disponibilização não está acompanhando o crescimento da cidade”, aponta. Para o antigo funcionário da Sanepar, a solução seria a Prefeitura de Ponta Grossa revisar o PMSB e solicitar para que a companhia apresentasse projetos para atender os locais que sofrem com essa escassez de água.

Outro bairro que sofre com o problema de abastecimento de água é a Vila Cipa, como relata a moradora Janete Axt, 54. “Eu tenho caixa d'água, só que tem várias pessoas que não têm aqui no bairro. Não é fácil ficar o dia inteiro faltando água. Quando volta é de madrugada, sempre de madrugada”, relata. A moradora ainda conta que há anos faltava água todos os dias em partes do bairro. Os moradores chegaram a fazer um abaixo-assinado, que resultou em melhorias temporárias, mas, neste ano, a situação ficou mais complicada. “A falta de água é em todas as casas, no bairro inteiro. Quando falta água, eu, como tenho caixa d'água, tento economizar o máximo, mas para quem não tem, o problema é maior”, comenta Axt.

 

Ponta Grossa é destaque em ranking de saneamento básico, mas realidade é distante

Em ranking nacional divulgado pelo Instituto Trata Brasil em 2020, ano base 2018, Ponta Grossa ocupa o nono lugar entre as 100 cidades brasileiras que se destacam no saneamento básico. Embora o PMSB divulgue que o sistema de abastecimento de água contempla 100% da população urbana do município, 10% da população não tem acesso a rede e coleta de esgoto, podendo o número ser maior que o divulgado. De acordo com o PMSB, durante o levantamento de dados a cidade tinha 83,77% de domicílios atendidos por rede de esgoto, atualmente o número chega a 91,22%, segundo o documento.

O professor Henrique Pontes desacredita da posição no ranking divulgado pelo Instituto. De acordo com ele, há alguns anos, participou de uma denúncia que mostrava irregularidades na coleta e tratamento de esgoto na cidade. “A região tinha rede de coleta de esgoto, mas o esgoto era lançado antes de chegar na estação de tratamento, era lançado em natura no recurso hídrico”, explica. Recurso hídrico são as águas superficiais e subterrâneas disponíveis para uso. O professor comenta que esse caso específico foi uma estação que não dava suporte para a vazão de esgoto transportado para o reservatório. “O resultado era que boa parte desse esgoto era lançado no corpo hídrico, sem nenhum tratamento”, conclui. Outro apontamento são os problemas técnicos no sistema de coleta de esgoto. Pontes citou um exemplo da Avenida Anita Filipowski, que liga o bairro Ronda - Santa Terezinha ao Contorno, onde é comum se romper a rede de esgoto e o material ir para o Rio Tibagi.

A falta de investimentos no saneamento básico em Ponta Grossa e no Brasil é a maior barreira para a resolução desses problemas, de acordo com o especialista. É necessário um “alto investimento” em todo o país, principalmente em áreas periféricas. Em relação aos investimentos na área, Pontes chama atenção para a quantidade de água desperdiçada, que de acordo com ele, se aproxima do valor investido em saneamento básico. “O que é investido em saneamento básico do Brasil é o que se perde em água tratada desperdiçada”, conta. O desperdício de água se dá por vários motivos, dentre eles, estão os problemas na rede e rompimento delas. “Se nós temos desperdício nessa etapa, quer dizer que estamos perdendo recursos que poderiam ser investidos em outra etapa do saneamento”. 

O professor da UEPG retrata que a população pobre é a que mais enfrenta a situação de precariedade nas questões que envolvem o saneamento básico no município. Há redes de abastecimento de água que estão há mais de 30 anos sendo utilizada para atender uma comunidade específica, a qual atende a mesma comunidade, em crescimento durante esses anos. “Acaba que as comunidades mais afastadas, mais periféricas, a água chega com uma vazão muito pequena e às vezes não chega, porque no meio do caminho tem toda uma situação de uso sem controle”, explica. 

 

Sanepar e Prefeitura de Ponta Grossa

A Sanepar presta serviços de abastecimento de água e de coleta e tratamento de esgotos sanitários desde 1975. O papel da Sanepar é executar aquilo que foi contratado pela Prefeitura Municipal, a qual faz as exigências do que é necessário para o melhor abastecimento de água em Ponta Grossa. Para o antigo funcionário que não quis ser identificado, o problema é que além de não haver fiscalização adequada da Prefeitura na execução do contrato, também não há profissionais qualificados “para gerar as demandas, e a maior parte delas [demandas] vêm de copia e cola ou de achismos”. Antigamente, havia a Agência Municipal de Saneamento (ARAS) com papel de demandar necessidades no saneamento básico de PG e fiscalizar o que estava sendo feito, e hoje não há nenhum órgão que execute essas tarefas. 

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, de acordo com Pontes, deve ter como prioridade a fiscalização ambiental e não a aplicação de multas em situações e áreas irregulares. Para ele, é importante e significativo a discussão sobre o saneamento básico, e principalmente “criar medidas e ações por parte dos gestores públicos sobre esse tema e tantos outros, pensando primeiramente nas populações mais pobres, que são as que mais sofrem”, comenta. Para ele, o município precisa de políticas públicas rigorosas em relação ao saneamento básico, além de políticas ambientais e mais investimentos na área. 

 

Candidatos e propostas relacionadas a distribuição de água

O novo Marco Legal do Saneamento Básico, publicado no Diário Oficial da União (DOU) no dia 16 de julho deste ano, prevê a universalização dos serviços da área até 2033.  De acordo com a Lei nº 14.026/2020, as mudanças viabilizam e incluem investimentos privados nos serviços, assim como exigem medidas rápidas para os novos governantes e dispõe que a universalização depende de ações conjuntas entre o âmbito municipal, estadual e federal. Tema relevante, todos os planos de governo das candidaturas à Prefeitura de Ponta Grossa, nessas eleições, abordam o saneamento básico na cidade.

A candidata Mabel Canto (PSC) afirma em seu plano de governo que irá desenvolver o plano de saneamento rural, em parceria com a Sanepar, a fim de custear e auxiliar as comunidades rurais a construírem suas próprias redes de distribuição de água. A candidata professora Elizabeth (PSD) também propõe atender à comunidade rural com perfuração de oito poços artesianos. Segundo o PMSB, o sistema de saneamento de água de Ponta Grossa atende a 100% da população urbana do município. Porém, nada é dito sobre as áreas rurais. 

O plano de governo do Professor Edson (PT) inclui alterações no contrato da Sanepar, a fim de ampliar as ligações de esgoto e “universalizando a ligação de água”, diz o plano do candidato. Além disso, o candidato defende a despoluição de arroios pela Sanepar. O candidato Marcio Pauliki (Solidariedade) visa revisar o PMSB e a “universalização do acesso aos serviços de saneamento básico como um direito social”. O candidato Professor Gadini (PSOL) propõe resolver a falta de água e esgoto eventualmente registrada em Ponta Grossa, através de uma “implantação efetiva de um Plano Municipal de Saneamento, de fato, discutido e aprovado pela população em audiências públicas”, afirma o documento de sua proposta.  

FICHA TÉCNICA:

Reportagem: Maria Fernanda Laravia e Matheus Rolim 

Edição: Veridiane Parize e João Pedro Teixeira

Supervisão: Professores que ministram as disciplinas práticas do curso