Apesar de serem maioria do eleitorado, no Brasil (52,5%) e em cidades como Ponta Grossa (53%), as mulheres ainda enfrentam dificuldades de chegar ao poder político. Embora haja regras para tentar diminuir a desigualdade de gênero, como a cota de no mínimo 30% das candidaturas para cada sexo e regras de distribuição do financiamento, outras dificuldades mantêm a subrepresentação política dessa parcela do eleitorado, como a falta de recursos investidos para financiar suas campanhas.
A Lei das Eleições (9.504/1997) estabelece que "cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas de cada sexo". Com a Emenda Constitucional 97/2017, as coligações proporcionais foram vetadas a partir das eleições de 2020 e a medida vai incidir diretamente sobre as eleições femininas, já que o preenchimento da cota, agora, será por cada partido e não mais por coligações. Se o partido tiver mais de 30% de candidatas, a destinação do Fundo Especial de Financiamento de Campanha, o Fundo Eleitoral, para as campanhas deverá ser na mesma proporção.
Segundo o TSE, somente 13,49% dos vereadores eleitos nas eleições municipais de 2016 eram mulheres e elas representam 13,43% do total de eleitos. Em 69 anos, de 1951 até 2020, somente 10 mulheres foram vereadoras em Ponta Grossa. O mais próximo que uma mulher chegou da Prefeitura na cidade foi como vice-prefeita. As eleições de 2020 são a primeira a contar com duas mulheres na disputa pelo maior cargo público do município em uma cidade com 197 anos. Para a Câmara Municipal, são 155 mulheres na disputa.
Apesar disso, o número de mulheres que de fato participam de forma assídua da corrida eleitoral, com apoio e condições financeiras, oportunizadas através do fundo eleitoral, é muito menor que o suporte que os homens recebem. Os partidos costumam utilizar mulheres como candidatas laranjas que apenas ocupam as vagas para preencher os 30% obrigatório pela lei, sem de fato concorrer para a formação do cenário político local, segundo Iara Calheiros, Silvio Brasil e Rozane Ignácio, autores do ensaio “A fraude de cota de gênero nas eleições brasileiras” < https://revista.ufrr.br/boca/article/view/Calheirosetal>.
Embora os partidos tenham procurado cumprir a cota de sexo nas candidaturas, não há garantias que esses 30% do fundo cheguem às candidatas. A equipe do Periódico entrou em contato com candidatas que não receberam o repasse dos partidos. Algumas aceitaram colaborar com a reportagem, mas preferiram não se identificar, pois alegaram sentir medo da repercussão. Maria* afirma que “soube por uma pessoa do partido que esses 30% não viriam para as mulheres porque o valor já está no final. Acho injusto, já que precisaram de nós para fechar a cota de 30 % de mulheres no partido. Sem nós, sem verba”. A candidata relata que seu partido quer “dar um monte de santinhos”.Os santinhos ajudam, mas o que tenho já basta”. A candidata ainda afirma que contratou assessoria para campanha digital planejando investir o dinheiro do fundo eleitoral, que não chegou a ela.
Já Ana* conta que o partido o qual é filiada e candidata não repassou nenhuma verba até o momento. “Eles afirmam que não tem fundo eleitoral, mas não sei se é verdade porque tem candidato trabalhando a mil, e duvido que seja com recurso próprio”. Ana está insatisfeita com a situação e defende equidade na distribuição. “Se nós também somos candidatas, acho que deveríamos receber o dinheiro para que nossa caminhada seja válida. E também para que possamos competir de uma forma justa com candidatos homens”, enfatiza.
O Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC), segundo o TSE, é “um fundo público destinado ao financiamento das campanhas eleitorais dos candidatos”. “Foi instituído após a proibição de recebimento de doações por pessoas jurídicas. É um valor diferente do fundo partidário, que também tem uma porcentagem a ser utilizada para incentivar a participação das mulheres na política partidária”, explica Tailaine Cristina Costa, mestra em Direito Econômico e Desenvolvimento pela PUCPR.
Para 2020, o valor deste fundo é de R$2.034.954.824 e foi dividido da seguinte maneira: 48% entre os partidos na proporção do número de representantes na Câmara dos Deputados na última eleição geral; 35% entre os partidos na proporção do percentual de votos válidos obtidos pelas siglas que tenham pelo menos um representante na Câmara; 15% entre os partidos na proporção do número de representantes no Senado e 2% igualmente entre todos os partidos registrados no TSE. Esse fundo representa uma parcela de dinheiro que vem dos cofres públicos para patrocinar as campanhas e não vai diretamente para os candidatos e sim para os partidos. Isso dá autonomia para os partidos para utilizar e distribuir esse dinheiro, mesmo com lei rígida sobre teto de gastos e com a disposição legal sobre o percentual às mulheres e a negros. No entanto, mesmo com esse recurso disponível, os partidos não investem em todas as campanhas.
Em Ponta Grossa, o diretório municipal do PSDB abriu mão do fundo partidário, ou seja, nenhuma mulher desse partido recebeu esse recurso público para a campanha. Já o PCdoB tem uma chapa formada por 12 homens e 9 mulheres, tendo repasse igualitário entre os candidatos. A candidata do partido, Isabela Gobbo, está recebendo mais verba, pois sua campanha foi considerada prioridade.
O partido Patriota declarou que “está no aguardo, já que ainda não recebeu nada. Embora seja contra o fundo eleitoral, isso deve ser de modo geral e não isoladamente para que não haja desvantagens sobre nenhum candidato. Infelizmente [foi] um ano difícil para todos. A maioria não teve como se precaver antecipadamente e as doações também se tornaram escassas. Ficamos no aguardo de tudo que a majoritária possa fazer por nós”.
De acordo com a agremiação do Partido Avante, o diretório municipal não recebeu fundo eleitoral mas que também não solicitou ao partido pois não havia interesse. A agremiação afirmou que os gastos declarados na prestação de contas parcial é recurso de doação própria de cada candidato. O MDB municipal não respondeu.
Sobre a desigualdade de gênero no acesso à política em nível internacional, segundo a ONU, o país está em 9ª posição em respeito aos direitos políticos das mulheres e à paridade política de gênero. O ranking reúne 11 países da América Latina e Central. Segundo o estudo do projeto Atena, “a igualdade entre mulheres e homens está prevista na Constituição brasileira. No entanto, ainda não existe no país uma lei integral que inclua a dimensão da violência política contra as mulheres”. De acordo com a ONU, a legislação de cotas brasileira é considerada muito frágil e sua implementação, há mais de duas décadas, tem tido baixo impacto, pela falta de mecanismos institucionais que garantam a aplicação da lei, bem como de uma incidência específica nas condições de competitividade das candidaturas de mulheres.
CONSEQUÊNCIAS DO NÃO REPASSE
O advogado e especialista em direito eleitoral, Luiz Fernando Casagrande Pereira, explica o que acontece quando um partido não repassa a verba. De acordo com Pereira, “ao não repassar os recursos financeiros para candidaturas femininas, nos termos da Resolução TSE nº 23.604/2019 e da Lei nº 9.096/1995, a prestação de contas do partido pode ser impugnada judicialmente; pode ser aberto uma investigação sobre o cumprimento das prescrições legais e, por fim, a prestação pode ser reprovada. Quanto à distribuição de recursos para mulheres, a proporção do Fundo Especial de Financiamento de Campanha - FEFC é calculada e prestada pelos diretórios nacionais e do Fundo Partidário pelo órgão que realizou as doações”. O advogado também explica que, quando não há este repasse, “o órgão partidário devolve o valor irregular acrescido de multa de até 20%. O pagamento é feito por descontos nos repasses do Fundo Partidário” afirma Pereira.
A fiscalização é feita na análise da prestação de contas das eleições. Neste ano, o prazo final é 15 de dezembro. Devem ser separados os julgamentos de distribuição de recursos por gênero e raça, conforme os fundos. “O Fundo Especial (FEFC) é julgado na esfera nacional, com repasses calculados sobre as candidaturas de todo país”, de acordo com Pereira. O Fundo Partidário, por sua vez, deve ser calculado na proporção das candidaturas presentes naquela esfera. “Se for o Diretório Nacional que repassou diretamente, tem-se como base os dados do Brasil, da mesma forma quanto aos diretórios estaduais e municipais. Cabe ao Ministério Público, à Justiça Eleitoral e aos partidos políticos zelar pela higidez desse processo”, explica o advogado.
De acordo com a resolução 23.607/2019, se o repasse não for cumprido, os partidos estão sujeitos a ações de investigação, que podem resultar até mesmo na perda do mandato daquele que aplicou incorretamente os recursos e demais sanções do art. 30-A da Lei das Eleições. Segundo Tailaine Costa, além das sanções de restrição de recebimento de fundo partidário, há possibilidade de responder por gastos ilícitos, previsto no art. 30-A da Lei das Eleições. Para a especialista, o repasse da verba “é um modo de viabilizar a candidatura da mulher”.
*Os nomes utilizados para identificar as candidatas são fictícios, ou seja, servem apenas para representá-las. Ambas pediram para não serem identificadas nesta matéria
FICHA TÉCNICA:
Reportagem:Ane Rebelato e Milena Oliveira
Edição:Francielle Ampolini
Supervisão: Professores que ministram as disciplinas práticas do curso