Com o desconto da inflação, acréscimo dos últimos três anos é inferior a R$ 0,10

  • No último reajuste, o salário mínimo teve um acréscimo de 10,18%
  • Atual cenário político econônimo torna inviável que uma solução a curto prazo
  • Perda do poder de compra tem sido experimentada cada vez mais pelos brasileiros
  • Cerca de 56,5 milhões de pessoas têm sua renda subordinada ao salário mínimo

Em 2022 o Governo Federal reajustou o salário mínimo no Brasil para R$ 1.212,00. Entretanto, segundo relatório publicado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), pelo terceiro ano consecutivo o salário mínimo não registrou aumento real de valor agregado. Isso significa que mais uma vez o valor acumulado da inflação é igual ou superior ao aumento.
No último reajuste, o salário mínimo teve um acréscimo de 10,18%, essa porcentagem foi medida sobre o valor fixado para o remuneração básica do país em 2021. Na época, o valor do salário estava em R$ 1.100,00, já a inflação acumulada de 2021 atingiu 10,16%. Dessa forma, não ocorreu um aumento real no poder de consumo de quem vive com um salário.
Nos últimos três anos, os reajustes no país apenas acompanham a inflação, de forma que os aumentos reais foram de R$ 0,03 no ano de 2020, R$ 0,01 em 2021 e R$ 0,02 em 2022. Ainda segundo o estudo do DIEESE, o principal impacto do aumento da inflação recai sobre três grupos principais que afetam os trabalhadores de forma geral, alimentação e bebidas, transportes e habitação. E o cenário piora ao passo em que se desce a pirâmide social. Os trabalhadores que recebem a remuneração próxima ao salário mínimo são os mais afetados ao perderem poder de compra e terem de manter seus gastos equilibrados.
Para o economista Rinaldo Galete, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM), o atual cenário político e de gestão pública sobre direitos como o salário mínimo torna inviável que uma solução a curto prazo seja realizada. De acordo com o professor, o inciso IV do artigo 7° da Constituição de 1988 garante a todo trabalhador rural e urbano o direito de ter um salário mínimo que atenda a todas as suas necessidades básicas e de sua família. Assim, a resposta para o problema seria a adoção de uma política de valorização do salário mínimo, mas de forma real, que possa oferecer aos cidadãos um poder de compra factível. “Não há medida que possa amenizar a atual situação, ou se cria uma política de valorização do salário mínimo ou o cenário se manterá inalterável”, explica.
Outro ponto destacado pelo economista é o baque que a desvalorização da renda mínima causa nas movimentações e consumo interno no país. “Se o salário não é reajustado nem sequer pela inflação do ano anterior, não se garante o poder de compra do salário mínimo, que é uma variável fundamental para a retomada do consumo das famílias, um dos principais motores do crescimento da economia. Até porque, famílias com baixa renda têm uma alta propensão a consumir, o que é fundamental para o fortalecimento do mercado interno”, aponta Galete.
Assim como o enfraquecimento da indústria e do consumo interno, o fato de a renda mínima nacional não atender as demandas básicas de uma família corresponde a um enfraquecimento e desamparo social daqueles que dependem de um valor próximo ao salário mínimo. Apesar de reconhecer avanços durante as últimas duas décadas, o professor entende que o salário mínimo como existe no Brasil deixa de cumprir a sua função. “Não atende e nem nunca atendeu. Por isso que uma política de valorização é tão necessária, para que não apenas a manutenção seja obtida, mas possibilite-se uma renda que proporcione as condições de uma família obter, além da sobrevivência, condições de lazer e convívio básicos”, finaliza.

 

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Foto: Veridiane Parize

 

O cotidiano

Essa realidade de perda do poder de compra tem sido experimentada cada vez mais por trabalhadores brasileiros. O autônomo Ismael Schroder, dono de uma banca de jornais localizada no centro de Ponta Grossa há 35 anos, relata que o período mais recente tem sido de apreensão e ajustes. Por atender a diferentes classes econômicas, Ismael diz que percebe, para além de sua própria vivência, a desvalorização e enfraquecimento do poder de compra da população através de sua freguesia. “Desde o chefe que vinha comprar o jornal e as revistas no domingo de manhã, até o trabalhador que compra o cigarro mais barato, têm mudado. Hoje todo mundo pede o troco, antes pediam alguma coisa para não levar as moedas”, diz.
Além de notar a desvalorização da renda em seus clientes, Ismael relata que tem sido difícil manter determinados produtos na banca. “Mesmo que o preço venha tabelado, muitas vezes vendemos mais barato porque senão não vendemos. Os vendedores me cobram, mas não tenho saída. Ou faço assim ou não vendo”. Segundo Ismael em todos os anos de banca, o atual momento é um dos mais complicados.
Já Teresinha Semkiw, servidora há 29 anos na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), conta que para ela os efeitos foram mais efetivos, tendo de substituir determinados lazeres e gastos pessoais por contas e custos com a manutenção da casa. “Hoje a lista do mercado tem itens contados, são 3 de um, 4 de outro. É assim, ainda mais agora com os preços nesse valor”. A servidora, no entanto, diz que ainda não abre mão de alguns gastos consigo e nem pretende. “Quando compro algo para mim, mesmo que seja simples como algo para beber, sinto que realmente faço por mim. Isso eu não vou deixar de fazer”.
Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cerca de 56,5 milhões de pessoas têm sua renda referenciada ao salário mínimo. Esse número equivale a mais do 25% da população do país, hoje estimada em mais de 213 milhões de pessoas, segundo informações do IBGE.

Salário Mínimo

Criado no país durante a Era Vargas, o salário mínimo atingiu outro patamar no Brasil a partir do Plano Real, em 1994. Em 2002 estava avaliado em R$ 200,00 e, com os anos, atingiu aumentos reais que chegavam e superavam a casa dos 10%, como em 2005 e 2006. Em 2012 o reajuste volta a representar um ganho real efetivo, até a estagnação na segunda metade da década. Os dados sobre a evolução, ganho e desvalorização do salário mínimo estão presentes na nota técnica divulgada pelo DIEESE em dezembro de 2021.

 

Ficha Técnica

Repórter: João Gabriel Vieira
Edição e Publicação: Yuri A.F. Marcinik
Supervisão de Produção: Rafael Kondlatsch
Supervisão de Publicação: Marcos Zibordi, Maurício Liesen