Processo consiste na retirada da química do cabelo para assumir os cachos

Cabelos ondulados, cacheados ou crespos foram considerados por muito tempo como “cabelo ruim”. Por esse motivo, diversas pessoas se sentiram pressionadas a alisar as madeixas. Nos últimos anos, a transição capilar se popularizou por auxiliar no processo de restauração dos fios naturais e melhorar a autoestima.

A estudante Maria Clara Godoy, 22 anos, fez o primeiro alisamento aos 13 anos porque sofria bullying na escola por ter cabelo cacheado. Segundo ela, o processo de transição durou dois anos e nesse período usou tranças box braids. Contudo, no início, quando tirava as tranças evitava sair de casa e até mesmo se olhar no espelho porque ainda não se sentia bem com o cabelo natural. 

Maria conta que, depois da transição, começou a se valorizar como mulher preta. “Os padrões impostos pela sociedade haviam me cegado e me afastado de quem eu realmente era, agora entendo que meus traços me fazem única. Os cachos e as tranças devolveram minha autoestima e minha ligação com minhas raízes”, destaca.

A assistente social Laís Ventura, de 28 anos, compartilha do mesmo pensamento que Maria Clara e fez progressiva nos cabelos aos 18 anos. “Passei pela fase de fazer chapinha na franja e deixar o resto do cabelo enrolado. No recreio, eu ia ao banheiro e molhava o cabelo, porque não aceitava ele com volume”, conta. 

Foram quase 11 anos até Laís perceber o quanto as inúmeras progressivas prejudicaram a saúde do cabelo. As madeixas estavam ralas e o comprimento sempre na altura do ombro, pois os fios quebravam com frequência. Em novembro de 2021, realizou a última química e então decidiu passar pela transição capilar. Além dos danos, outro motivo por trás da decisão foi servir de exemplo para a filha de sete anos. “Eu incentivo muito ela a gostar do próprio cabelo. Muitas vezes ela me falava: ‘mãe, eu quero ter o cabelo igual ao seu’. Mas era a referência do cabelo liso. Então eu percebi o quanto era contraditório eu incentivar ela a gostar, mas eu alisando o meu cabelo”, explica.

Em março deste ano, Laís procurou um salão especializado em cachos, onde recebeu orientações sobre cuidados capilares. No entanto, lidar com duas texturas diferentes, a raiz enrolada e o comprimento liso, estava sendo uma grande dificuldade. Então, no mês seguinte, foi ao salão e fez o “big chop” (grande corte, em tradução literal) e deu adeus à química que restava. Laís conta que está ansiosa para ter o cabelo comprido novamente. E ainda ressalta a importância de trabalhar a auto aceitação e não se submeter aos padrões de beleza.

Outra adepta a transição é Maria Vitória Juliano, 21 anos, auxiliar de contabilidade. Ela fez o primeiro alisamento ainda na infância, quando tinha nove anos. Maria Vitória relata que não sabia cuidar do cabelo, então os cachos não definiam. Ninguém nunca a ensinou a cuidar das madeixas, só a incentivavam a alisar quimicamente. A jovem voltou ao cabelo natural porque sentiu vontade de ver como o cabelo ficaria cacheado se fosse bem cuidado e também porque não queria mais ser pressionada a alisar sempre. 

A transição de Vitória aconteceu durante a pandemia e como não saia de casa não sofreu com esse período. Ela recebeu apoio de amigos para a mudança e quando finalmente conseguiu voltar para os cachos, recebeu muitos elogios. Quanto à questão da identificação racial, Maria afirma que passou a se reconhecer muito mais como negra e a amar mais sua cor.

Há alguns recursos que ajudam uma pessoa a passar pela transição capilar. Para quem quer manter o comprimento do cabelo, os diferentes tipos de penteado são uma opção, por exemplo as tranças, como as box braids citadas por Maria Clara. Outra maneira de lidar com o processo é a texturização, que envolve várias formas de enrolar as mechas que estão lisas.

 

Ficha técnica:

Reportagem: Ana Moraes e Larissa Onorio

Edição e Publicação: Tamires Limurci

Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral

Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Maurício Liesen