Súplicas para que os maridos parem de agredi-las são os principais pedidos feitos à Corina Portugal
“Vim aqui porque não aguento mais apanhar do meu marido. Ele bebe todos os dias. E todos os dias ele me bate. Agora o que eu preciso é que o meu marido deixe de me bater”. Esse é o relato de uma das mulheres que compõem as histórias do livro “Corina Portugal: súplicas e respostas”, escrito por Dione Navarro em 2016. Corina Portugal é considerada “santinha dos Campos Gerais”, uma espécie de santa popular que, pela devoção dos ponta-grossenses, é conhecida como uma intercessora para as mulheres que são vítimas de agressões domésticas. Ela foi morta em 1889, aos 20 anos, pelo marido Alfredo Marques Campos, com 32 facadas. O motivo? Ciúmes e possessão que ele sentia da jovem.
Os pedidos são geralmente os mesmos. As mulheres vão ao túmulo de Corina, localizado no Cemitério São José, no centro de Ponta Grossa, e pedem para que seus maridos, muitas vezes alcoólatras e desempregados, parem com as violências. Suemy Paz, de 63 anos, sofreu durante os 25 anos do casamento com as agressões e ameaças de morte de seu ex-marido, que já veio a falecer. Para ela, Corina era o refúgio. “Meu marido tentou me matar com uma faca na frente do meu filho mais velho, que também já é morto. Como casei muito cedo, sofria calada, porém sempre tive fé”, relata.
O túmulo de Corina Portugal é repleto de agradicimentos por parte dos fiéis devotos a ela | Foto: Leriany Barbosa
Quando questionada sobre o porquê de ir à uma santa popular ao invés de denunciar o marido, Suemy disse que de nada adiantava. “Quando a minha filha passou por uma situação semelhante, os policiais perguntaram se ela havia sofrido agressões no dia e como não era o caso, eles não fizeram nada. Diferente deles, a Corina nunca me abandonou”, desabafa. Sempre que pode, ela vai até o túmulo e acende uma vela à Corina, pois é algo que faz parte de sua vida desde a sua infância.
Suemy nunca denunciou o marido pelas agressões mesmo havendo a possibilidade de fazê-las, ao contrário da época de Corina que nem sequer havia qualquer apoio. Alfredo Campos não respondeu pelo crime cometido. O advogado de defesa dele, Vicente Machado, nome de uma das principais avenidas de Ponta Grossa, inventou uma suposta traição da jovem com o médico João Menezes Dória, para livrar o cliente da condenação. Naquela época, crimes iguais a esse eram vistos como defesa da honra, o que levou o criminoso a ser inocentado. “Corina precisou morrer para ser vista como santa popular. Ela foi julgada de maneira errada até que se provasse o contrário, porém é interessante ver a fé das pessoas em relação a ela”, aponta Dione Navarro.
Segundo a autora do livro, Corina Portugal também deveria ser vista como um símbolo de resistência às vítimas de violência. “Ela é a imagem personificada da mulher que sofre agressões, mas diferente de Corina, hoje em dia nós temos leis que nos amparam", destaca. Dione ainda analisa que o fim trágico de Corina serve de exemplo para as vítimas de agressões. “Diferente da nossa santinha, as mulheres de hoje podem e devem ser donas de si, não precisam se submeter a situações lamentáveis dentro de casa”, conclui.
Atendimento à mulher
A despeito da fé em figuras populares ou beatificadas, é importante denunciar as agressões e violências domésticas sofridas por mulheres. Atualmente na cidade, há serviços como a Casa da Mulher - (42) 3220-1043, a Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (DEAM) - (42) 3309-1300, o Núcleo Maria da Penha (Numape) - (42) 99929-2600 e a Patrulha Maria da Penha - 153. Além da Casa de Acolhida que leva o nome da santa popular, Corina Portugal, localizada no bairro Contorno.
Ficha técnica:
Reportagem: Ana Luiza Bertelli Dimbarre e Leriany Barbosa
Edição e publicação: Bettina Guarienti
Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral
Supervisão de publicação: Maurício Liesen