Convidadas discutem relações entre gênero, territorialidade e práticas de resistência nas periferias, quilombos e aldeias indígenas
O painel "Territorialidades femininas e feministas: existências e resistências", ocorreu na manhã desta quinta-feira (20), abrindo o último dia do 8° Colóquio Mulher e Sociedade, que discutiu o tema "Gênero e Políticas Públicas: práticas de resistência em múltiplos territórios". O evento, que foi mediado pela professora do Departamento de Jornalismo Karina Janz Woitowicz, contou com a presença de Mara Rovida, jornalista, Doutora em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e professora do Programa de Pós-graduação em Comunicação e Cultura da Universidade de Sorocaba; Jovina Renhga, escritora nativa pertencente ao povo kaingang e moradora da Comunidade Kakané Porã; Liliane Cardoso, mulher quilombola e presidente da Associação das Comunidades Quilombolas Rurais de Castro e Aline Rios, Mestre em Jornalismo pela UEPG e diretora do Sindicato dos Jornalistas do Paraná. As palestrantes abordaram a questão da resistência feminina nas periferias, nos quilombos, nas aldeias e na prática jornalística. Na abertura do evento, o rapper Jacupé Mirim fez uma apresentação de música nativa.
Foto: Wesley Machado
A professora Mara Rovida apresentou a temática do jornalismo na periferia a partir de uma pesquisa realizada entre 2017 e 2021, que estudou as práticas jornalísticas dos portais "Nós, da Periferia", "Agência Alma Preta", "Periferia em Movimento" e "Agência Mural de Jornalismo das Periferias". Rovida explica que o jornalismo da periferia enfatiza o protagonismo dessas regiões, considerando noções de raça, classe e gênero na construção das pautas. "Eles [os portais] se propõem a fazer um trabalho diferenciado e essa diferença tem a ver com a forma como eles enxergam esses territórios". Segundo a professora, cada portal se concentra em trabalhar um dos três eixos citados. "O gênero vai ganhar centralidade no 'Nós' [da periferia]. É um grupo formado por mulheres jornalistas moradoras das periferias de São Paulo. A Jéssica Moreira, cronista do portal, traz a perspectiva das mulheres que precisam levantar mais cedo para arrumar o cabelo e se apresentar bem no trabalho ou se arrumar no transporte público. É o olhar de alguém que tem a experiência do lugar", pontua Rovida.
Já a escritora Jovina Renhga falou sobre suas vivências enquanto mulher e indígena. Ela iniciou sua discussão ressaltando a importância do território. "Pra nós, o território é muito sagrado". Jovina nasceu na aldeia de Marrecas, próxima à cidade de Turvo no Paraná, e mora há 35 anos na aldeia Kakané Porã, comunidade nativa que ajudou a fundar em Curitiba. "No nosso território, a gente trabalha muito com pescaria e artesanato para sobrevivência. É muito importante falar de artesanato, porque dá trabalho e é feito com materiais nativos". A escritora falou também sobre o corpo enquanto território. "Quando eu tinha 14 anos fui trabalhar de empregada. No bairro onde eu morava, fui atacada por um homem não indígena. Ele não conseguiu fazer nada comigo, mas me xingou. Eu decidi aprender a falar português pra me defender", relembra. Jovina enfatizou a importância de ter orgulho das próprias origens e não se submeter à violência.
A presidente da Associação das Comunidades Quilombolas Rurais de Castro, Liliane Cardoso, falou sobre as práticas de resistência das comunidades quilombolas Limitão, Mamãns, Serra do Apon e Tronco. A presidente da Associação explicou que os remanescentes ajudam a preservar a memória da cultura africana no Brasil. Nessas comunidades, a sobrevivência é garantida por meio do cultivo de grãos, como milho e feijão, e também da produção de peças artesanais. Segundo Cardoso, a Associação é um órgão que auxilia na articulação de políticas públicas para as comunidades. "Uma coisa bem recorrente é a liderança feminina nos quilombos. Ao longo dos anos, o corpo da mulher foi objetificado, mas foram elas as que mais conseguiram ir à frente na luta", destaca a Liliane. Em sua opinião, as escolas deveriam investir melhor no ensino da cultura africana e no combate ao racismo.
A diretora do Sindicato dos Jornalistas do Paraná, Aline Rios, debateu sobre a violência de gênero no jornalismo e sobre o papel do sindicato frente ao problema. "A gente passou por um período muito difícil para a profissão, de muito ataque aos e às jornalistas. A violência é muito mais contundente quando a gente tem marcadores como gênero e raça", lamenta a diretora. Segundo o Perfil do Jornalista Brasileiro de 2021, levantado pela Universidade Federal de Santa Catarina, 57,8% dos profissionais de imprensa no Brasil eram mulheres. Segundo a pesquisa "Mulheres e Liderança na Mídia", realizada pelo Instituto Reuters neste ano, a presença de mulheres em posição de liderança no jornalismo é de 13%. A jornalistas explica que o papel do sindicato é acolher as denúncias, orientar os (as) jornalistas em casos de agressão, notificar as empresas e registar as ocorrências nos órgãos oficiais, como Polícia e o Ministério Público.
Para Jaqueline Andrade, mestranda em jornalismo pela UEPG, o painel cumpriu com o propósito de discutir as vivências femininas nos diferentes territórios. "O Colóquio trouxe essa diversidade pra universidade, a diversidade que é ser mulher aqui em Ponta Grossa, no Paraná". A estudante avalia que um dos momentos mais importantes do debate foi a presença de Jovina Renhga e sua emoção ao falar das próprias origens. "Chamou bastante a minha atenção e acredito que a de todo mundo no Colóquio".
Ficha técnica:
Reportagem: Carolina Olegário
Edição: Amanda Dal´Bosco
Publicação: Amanda Dal´Bosco
Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos e Marizandra Rutilli
Supervisão de publicação: Marizandra Rutilli