Pesquisador da Educação critica proposta que desqualifica a formação social dos estudantes e fala sobre o projeto em entrevista
Está aberta a consulta pública on-line sobre o Novo Ensino Médio, promovida pelo Ministério da Educação (MEC). Por meio do questionário disponível no portal “Participa + Brasil”, a população pode opinar sobre o projeto, cuja implantação se encontra oficialmente suspensa pelo Governo Federal. Embora a pausa esteja confirmada, os alunos não sofrem alteração na grade, visto que o ano letivo já está em andamento. A suspensão ocorreu após uma série de críticas à reforma aprovada em 2017, que entrou em vigor em 2022.
Para contribuir com o debate público sobre o tema, o Foca Livre entrevista o professor Régis Clemente da Costa, professor da rede pública de ensino do Paraná e doutor em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). Ele é autor do artigo “A implementação da Reforma do Ensino Médio no Estado do Paraná: o avanço das políticas neoliberais e os ataques à Educação do Campo”. Em sua pesquisa, que tem foco nas escolas paranaenses, o pesquisador discorre sobre como a nova proposta de ensino médio é prejudicial à educação em escolas públicas e de campo. Ele argumenta como a Educação do Campo, um projeto emancipatório, é fruto de lutas de resistências e pelo direito à terra e não de reformas educacionais, tampouco deve atender a objetivos neoliberais. Nesta conversa com o Foca Livre, Régis da Costa discute os impactos do Novo Ensino Médio na rotina dos estudantes paranaenses.
Foca Livre: O senhor começou a escrever esse artigo em que momento da política brasileira?
Régis da Costa: Em 2013 no governo Dilma (PT), ela criou um programa chamado pacto nacional pelo o ensino médio. Nessa época já existia uma primeira proposta para a mudança do ensino médio, era projeto de lei, eram ensaios para discutir uma possível mudança no ensino médio
FL: Na sua perspectiva, existe possibilidade de haver a revogação da medida no Governo Lula (PT)?
RC: Acho que aí tem uma dicotomia entre expectativa e realidade. Porque a expectativa era que houvesse algo concreto para a revogação, expectativas da gente que trabalha na educação e propostas que circularam entre o Partido dos Trabalhadores (PT), que se mobilizou contra a reforma do Temer (MDB). O que o governo do presidente Lula apresenta é isso. Em termos de histórico, o PT foi contra a reforma e apoiou a mobilização do estudante contra a reforma também. O Temer aprovou uma reforma arbitrária, autoritária, sem diálogo, sem nenhum espaço para discussão ou debates com movimentos sociais e estudantis.
FL: O senhor acha que os(as) professores(as) irão se adaptar às matérias das quais eles(as) não têm qualificação para ensinar?
RC: Tem muitas disciplinas que foram criadas que não tem professores formados na área, que é uma bizarrice. Os professores que estão dando aula para as novas disciplinas criadas não têm nenhuma formação naquilo e, inclusive, estão usando plataformas que tiram a relação do professor e aluno pois são áreas com uma dificuldade de se encontrar professores em números suficientes para dar aulas. A saída então foi adotar as aulas gravadas para algumas disciplinas.
FL: Com essa reforma neoliberal, a educação do campo, que contém um forte vínculo com os movimentos sociais, terá problemas com o objetivo da transformação social entre os alunos?
RC: O projeto da reforma no ensino médio é para simplificar a formação do jovem no ensino médio, tornando como se fosse desnecessário estudar os conteúdos como filosofia e sociologia. Precisamos de mudança, mas ao invés de criarem uma estrutura para melhorar, eles criaram para simplificar e retiram disciplinas fundamentais para o processo de desenvolvimento humano, para o processo de formação do pensamento crítico, para um processo de formação dentro de uma visão de consciência de si, de consciência do outro e da sociedade, que são essenciais para a formação humana. Ao fragilizar essas áreas, o jovem não terá condições de fazer análises e observações históricas de conteúdo, de letras de músicas, de objetificação.
FL: Se a decisão do Novo Ensino Médio não for revogada, há a possibilidade de as universidades ficarem cada vez mais elitizadas por conta da falta de conhecimento nas escolas públicas?
RC: A classe trabalhadora tem direito ao acesso do conhecimento qualificado para que mude as relações que o capitalismo acaba impondo. O tempo todo esta reforma está escolhendo quem vai ter acesso ao conhecimento, às práticas e ao domínio do processo histórico intelectual de produção do conhecimento, e quem vai ter acesso ao manual..
FL: Essa diminuição na carga horária entre as matérias de ciências humanas é proposital para que os alunos não desenvolvam um pensamento crítico através da filosofia, sociologia, história e geografia?
RC: O tipo de sujeito que querem formar é um sujeito com educação limitada, com formação simplificada e rasa que apenas aprenda a ler, escrever e fazer conta e de preferência nem ouse sonhar com o ensino superior. Formar uma classe de quem pensa é a classe dominante. Então o que tiver de melhor, em termos de conteúdo, vai para essa classe e o que tem de mais simplificado vai para a classe trabalhadora, porque é para formar para trabalhos manuais.
FL: O senhor acha que a classe trabalhadora enxerga esta reforma na educação como fator prejudicial aos seus filhos/netos?
RC: A quebra que a reforma traz mexe no eixo de tirar o direito do filho do trabalhador de sonhar com aquilo que há de mais avançado em termos de conhecimento. Eles estão entendendo que essa mudança é prejudicial, que retira deles disciplinas essenciais para quem pretende fazer vestibular e como essa reforma está trazendo o empobrecimento do conhecimento para eles. É como se o jovem filho de trabalhador não precisasse estudar essas matérias com arte, cultura, filosofia. Se a gente for honesto com a história, a gente tem que ser honesto com aquilo que a gente defende também.
FICHA TÉCNICA:
Produção: Maria Eduarda Leme.
Edição: Mel Pires e Leonardo Czerski.
Foto: Heryvelton Martins.
Supervisão de Produção: Fernanada Cavassan, Marizanda Rutilli e Muriel Amaral.
Supervisão de Publicação: Luiza dos Santos, Marizandra Rutilli.