O fato ocorreu durante a premiação do festival e gerou indignação nos terreiros da cidade
“Me diz por quê nos acusar, nos abusar e nos julgar”: esse é o refrão da música apresentada pelo grupo Samba com Dendê durante o 35º Festival Universitário da Canção (FUC). Intitulada “Samba de Terreiro”, a composição autoral do grupo foi feita após eles terem sofrido uma violência religiosa. A música surgiu justamente durante uma apresentação num Samba de Terreiro, na ocasião um vizinho intolerante jogou bombas no quintal para que o grupo parasse de tocar.
Durante o festival, o grupo sofreu outra violência. Ao longo da premiação final, o Coro Cidade de Ponta Grossa ficou responsável por cantar um trecho das 12 músicas apresentadas na noite. No entanto, as composições dos grupos Samba com Dendê e Chave de Mandril, canções de matriz africana, foram as duas únicas que não foram cantadas, apenas tocadas.
Os integrantes do Grupo Samba com Dendê, Bryan Gomes e Vitor Santos explicam que na hora já perceberam o ocorrido. “Primeiro eles tocaram a música do Chave de Mandril e já achamos estranho, quando tocou a nossa se olhamos e pensamos não acredito nisso”, explica os cantores. O grupo comenta que desde a passagem de som tiveram algumas complicações no festival. “Passamos uma vez, duas no máximo e outras bandas puderam ficar mais tempo passando”, explica Vitor.
O fato logo chamou a atenção dos presentes no evento e gerou discussão nas redes sociais, cobrando tanto um posicionamento do festival quanto do Coro. Também foi especulado se havia algum motivo para os grupos com matrizes africanas não terem tido suas músicas cantadas.
A condutora de ambulância e capitã de terreiro, Camila Pitt explica que estava presente na noite do festival e que assistiu todas as apresentações. “Fiquei feliz até pela homenagem do Coro Cidade aos concorrentes, mas nas primeiras músicas eu notei a diferença na apresentação, não me pronunciei, esperei eles apresentarem todas as músicas para entender melhor”. Pitt comenta que, após o ocorrido procurou outros conhecidos que estavam no evento e todos perceberam que apenas as duas músicas não haviam sido cantadas.
A estudante de Serviço Social e participante do Terreiro de Umbanda Caboclos da Lei, Virgínia Salamucha, comenta que houve uma mobilização muito grande no terreiro que ela frequenta, a partir disso ela teve consciência da seriedade do fato. “Eu acredito que para a maior parte da plateia que estava ali presente não foi algo tão escancarado quanto para a gente, porque foi um tipo de desrespeito e intolerância religiosa”, analisa Virgínia.
Apresentação do grupo Chave de Mandril no 35º Festival Universitário da Canção (FUC). Foto: Vanessa Galvão
Mobilização
Diante do ocorrido os integrantes de terreiros da cidade se mobilizaram contra o ato para combater o preconceito. Para Virgínia Salamucha, a mobilização foi essencial, principalmente para exigir um pedido de desculpas e um posicionamento do Coro. “Ninguém quis falar nada e um pedido de desculpas seria o mínimo, e parece que nem um mínimo de respeito a gente teve. Essa é a pior parte, foi um tipo de censura”, aponta a estudante.
O fato faz pensar sobre o motivo que levou o Coro a não cantar apenas as duas únicas músicas que possuem matriz africana. “O Coro Cidade é maioria branco e de religiões cristãs e nunca tiveram problemas em apresentar conteúdo que fizessem parte do mundo deles”, como discorre Camila Pitt.
Nota UEPG
Após o ocorrido a UEPG, organizadora do evento, veio a público e através de uma nota pediu desculpas aos grupos. No mesmo comunicado, esclareceu que apesar da Diretoria da Pró Reitoria de Extensão e Assuntos Culturais (Proex) ter assistido a apresentação do grupo previamente, não haviam percebido o fato. Ainda, afirmaram que a escolha das interpretações das canções ficou por conta do próprio Coro.
Um dos responsáveis pela organização do evento e diretor de assuntos culturais da Proex, Nelson Silva Júnior, se pronunciou em nota. “O 35º FUC foi um evento muito lindo e o ocorrido acabou desviando o nosso objetivo com o festival”, assim o organizador preferiu não se manifestar sobre o fato específico. A reportagem entrou em contato com o Coro Cidade mas não obteve retorno.
Ficha técnica
Reportagem: Vanessa Galvão
Edição: Leonardo Czerski e Alex Dolgan
Publicação: Larissa Del Pozo
Supervisão de produção: Manoel Moabis
Supervisão de publicação: Marizandra Rutilli e Luiza Carolina dos Santos