A alta taxa de analfabetismo feminino evidencia as dificuldades no acesso à educação no estado
Cerca de 211 mil mulheres enfrentam desigualdade de gênero em relação ao acesso à educação no Paraná, conforme os dados mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD-Contínua), divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE). O levantamento revela que o número de mulheres paranaenses analfabetas é quase o dobro em comparação aos homens. Em 2022, o estado registrou cerca de 356 mil pessoas com 15 anos ou mais que eram analfabetas. Desse total, 144 mil eram homens e 211 mil eram mulheres. A taxa de analfabetismo feminino indica que elas têm mais dificuldade de acesso às escolas no Paraná.
No Brasil, a situação do analfabetismo é inversa ao caso paranaense. No recorte nacional, são os homens que têm o maior índice de analfabetismo. A estimativa no país mostra que existem 4,73 milhões de mulheres analfabetas, enquanto o número de homens analfabetos é de 4,83 milhões. Além do Paraná, todos os estados das regiões Sul e Sudeste também apresentam um maior número de mulheres analfabetas em relação aos homens. Já nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, o analfabetismo é mais frequente entre os homens.
Valdivina Andrade, 63 anos, é vendedora de pipoca nas praças do centro de Ponta Grossa. Com a voz baixa e com vocabulário modesto, ela conta que abandonou os estudos na segunda série quando morava em São João do Triunfo. Devido ao trabalho no campo, uma exigência de seus pais na época, ela não teve a oportunidade de continuar estudando e aos 12 anos decidiu ir à Curitiba para trabalhar como diarista. Anos mais tarde, optou por mudar para Ponta Grossa. Desde então, voltar para a escola não foi uma opção, "Eu não tive oportunidade quando era criança e nem mais velha. Eu não consigo entender como tem gente que tem oportunidade, mas não quer estudar", desabafa a vendedora.
Valdivina enfrenta dificuldades significativas por não saber ler e escrever adequadamente. Atualmente, como vendedora ambulante, ela encontra desafios quando precisa lidar com o troco das vendas de pipoca. “Tem uns que voltam pedir o resto do dinheiro que dei errado”, relata. Outro obstáculo enfrentado por Valdivina é quando precisa resolver questões bancárias. Ela conta que precisa chamar alguém para acompanhá-la, pois não consegue lidar com essas situações sozinha.
A falta de um processo de alfabetização adequado também limita as possibilidades de negociação que Valdivina alcança nas vendas de pipoca. Como não sabe ler e fazer contas de forma suficiente, ela não aceita pagamentos por cartão ou Pix.
Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos. Foto: Alex Dolgan
Dificuldades de acesso à educação
Para a pesquisadora do analfabetismo no Brasil, Vera Lúcia Martiniak, também coordenadora do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), o fato das mulheres terem menos acesso a educação que os homens no Brasil está relacionado com o acúmulo de atividades no ambiente familiar e doméstico, “As mulheres são sobrecarregadas com a responsabilidade de cuidar da casa e dos filhos, além de muitas vezes precisarem trabalhar para sustentar suas famílias. Essas obrigações acabam levando à evasão escolar”, afirma.
Em estudo, o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF revelou que em 2021, 2 milhões de crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos abandonaram a escola antes de concluírem a educação básica no Brasil. Essa parcela corresponde a 11% da amostra pesquisada. Entre os motivos citados pelos jovens que não estão frequentando a escola, metade deles (48%) afirmou que deixaram de estudar devido à necessidade de trabalhar. Essa seria a resposta da maioria das mulheres no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) Prof. Paschoal Salles Rosa, onde Denise Gomes é diretora. Denise conta que além de trabalhar, essas mulheres exercem ocupações profissionais precárias, com distribuição de panfletos e limpeza doméstica.
Mesmo com o retorno à sala de aula depois de adulta, o acúmulo de atividades que a mulher é responsável continua visível. No CEEBJA que Denise Gomes atua, as mulheres que estudam na escola tiveram filhos em idade precoce, o que as impediu de prosseguir com a formação. “Muitas vezes, maridos e companheiros também não permitem que elas frequentem a escola, o que agrava ainda mais a situação”, complementa a diretora.
Educação para Jovens e Adultos
Outra dificuldade que agrava o índice de analfabetismo apontada pela pesquisadora Vera Lúcia é a pouca oferta de educação para Jovens e Adultos em Ponta Grossa. Conforme dados apurados no Consultas Escolas, de todos os 49 colégios estaduais localizados no núcleo de Ponta Grossa, dois são Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos, o Ceebja Prof Paschoal e o Ceebja Prof Odair. Outras três escolas ofertaram, no ano letivo de 2023, matrículas para Educação Jovem e Adulto, sendo elas o Amálio Pinheiro, Arnaldo Jansen e o Maestro Bento Mossurunga.
Ainda, outras 14 contam com turmas matriculadas para o Ensino Médio Regular Noturno. Vera Lúcia destaca que com menos escolas ofertando o ensino noturno, o processo de alfabetização pode ser dificultado. “A escolha de instituições próximas às suas residências ou locais de trabalho é uma necessidade, pois o transporte e o tempo gasto para chegar às aulas podem se tornar empecilhos significativos” afirma a pesquisadora.
Ficha técnica
Reportagem: Alex Dolgan
Edição: Emelli Schneider
Publicação: Sara Dalzotto e Vitória Testa
Supervisão de produção: Manoel Moabis
Supervisão de publicação: Marizandra Rutilli e Luiza Carolina dos Santos