Mudanças na legislação de trabalho dos motoristas impactam cerca de sete mil profissionais de Ponta Grossa e região
Alterações na Lei dos Caminhoneiros causa descontentamento da classe |Foto: Larissa Del Pozo
A Lei dos Caminhoneiros registrou recentes alterações em julho deste ano. As mudanças, realizadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF), causaram descontentamento dos motoristas. Dentre as revogações, o descanso entre as viagens, folga semanal e tempo de espera de carga e descarga impactam diretamente os serviços dos profissionais. A Confederação Nacional de Transporte (CNT) estima que cerca de dois milhões de caminhoneiros atuam no transporte rodoviário no Brasil.
Declarados pelo Ministro Alexandre de Moraes como inconstitucionais, o descanso interjornada, repouso semanal e tempo de espera foram alterados. Anteriormente, os profissionais cumpriam oito horas diárias de descanso entre as viagens e dividiam mais três horas no dia. A partir da mudança, passou a ser obrigatório o descanso de 11 horas ininterruptas. As preocupações dos motoristas e empresas se dão pelo acúmulo do tráfego de caminhões nas rodovias. Além das dificuldades do pernoite em postos de gasolina, que exigem o abastecimento no local.
Se antes os motoristas podiam acumular a folga semanal para fazer em casa, agora precisam realizar no local onde estiverem. A cada 6 dias trabalhados, o caminhoneiro precisa descansar 35 horas obrigatórias independente de onde estiver. A medida preocupa os profissionais diante do relacionamento com as famílias. Além disso, o tempo de espera de carga e descarga foi outro fator que descontentou os motoristas, passando a ser considerado jornada de trabalho. Assim, o motorista tem seu tempo na estrada comprometido, já que passa mais tempo parado do que na estrada.
Realidade nas estradas
Para o motorista Jair Sachini Júnior, a desigualdade é uma questão que permanece na legislação. Na busca de atender os motoristas de transporte rodoviário, o profissional acredita que cada área possui uma especificidade. “Essa lei não é aplicada de forma igual na categoria”, reforça. Jair afirma que as alterações atingem diretamente as jornadas diárias de trabalho dos caminhoneiros, como no alcance de metas de rodagem e economia de combustível. Além disso, a questão de alguns postos de gasolina condicionarem o pernoite ao abastecimento ou diária, prejudica o cumprimento das 11h ininterruptas de descanso. “O motorista acaba ficando de mãos atadas diante dessas situações”, lamenta.
De acordo com o funcionário do Posto Pelanda Tibagi, Jonatan Hartmann, o estabelecimento não cobra pelo pernoite dos motoristas no pátio. Entretanto, conta que percebeu um grande aumento na quantidade de abastecimentos e paradas de descanso no local. Além do grande fluxo de caminhões na BR 376. “Percebemos que o movimento aumentou após as mudanças na lei, agora, chega umas 21h e o pátio já está lotado”, comenta.
O funcionário do Posto O Cupim Panorâmico, Fabiano Lopes, revela que também percebeu um aumento na quantidade de caminhões que passam pela Rodovia do Café, após as mudanças na legislação. Fabiano conta que o estabelecimento não possui pátio para parada de caminhões, mas que o tráfego dos veículos na região por conta do Porto de Paranaguá, intensificou-se significativamente.
Para Shirlei de Mello, esposa de caminhoneiro, as mudanças na Lei do Motorista impactaram negativamente, tanto no âmbito profissional, quanto familiar. “Simplesmente não trará benefícios nem para o colaborador, nem para a empresa. Tempo parado não beneficia ninguém. Folga longe da família não beneficia o profissional”, afirma. Shirlei acredita que o descanso semanal deveria permanecer na condição de acumulativo, para que o profissional pudesse continuar realizando-o em casa. “Não tem como o motorista usufruir de sua folga semanal em pátio de posto ou na própria empresa [...] acaba não trazendo nenhum benefício à saúde mental do profissional”, revela.
Segundo o caminhoneiro Vilmar Cristo, as transformações propostas na lei impactam diretamente os profissionais na remuneração e atividades cotidianas. O motorista acredita que deve ocorrer uma parceria entre os caminhoneiros e os sindicatos para realizar adequações na lei para atender as necessidades de todos. “Tem que ser através de um sindicato, de um acordo coletivo, para que traga uma segurança jurídica para empresa e funcionário”, afirma.
Sindicatos
De acordo com o presidente do Sindicato dos Motoristas, Condutores de Veículos Rodoviários e Trabalhadores em Transportes Rodoviários de Ponta Grossa (Sitroponta), Jorge Chila, a organização representa cerca de 7 mil trabalhadores de Ponta Grossa e região. Ele revela que a falta de participação dos sindicatos dos trabalhadores na elaboração da lei dos caminhoneiros anteriormente vigente foi um dos motivos da solicitação das mudanças. “A [Lei] 13.103 veio com várias alterações feitas pelo congresso, sem a participação dos sindicatos e federações, por isso que a CNTTT entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), por não entenderem a realidade dos caminhoneiros”, explica.
Diante das recentes alterações, o sindicalista afirma que ainda é necessário compreender o objetivo dos legisladores com as reformulações e ressalta que as empresas e profissionais ainda estão se adaptando a novas obrigatoriedades da legislação. “Está sendo uma mudança radical, drástica. Temos recebido várias ligações de escritórios de contabilidade, empresas, advogados e trabalhadores”, conta.
Segundo o presidente do Sindicato das Empresas de Carga de Ponta Grossa (Sindiponta), Hermes Lorenzoni, a maior dúvida das empresas é sobre o tempo de validade da lei. Se passa a valer a partir de julho deste ano ou desde 2015, já que registrou inconstitucionalidades, podendo assim cobrar indenização das empresas das atividades realizadas nos últimos oito anos. “É uma grande insegurança jurídica. Até um mês atrás cumpria essa decisão nas formas legais que a lei ditava, e agora, após declarada inconstitucional, quem cumpriu a lei será penalizado também”, revela.
Hermes ressalta a preocupação das empresas na manutenção das atividades dos motoristas, diante das mudanças no descanso diário, tempo de espera e folga semanal. “Nossa preocupação é que tenha uma evasão na quantidade de trabalhadores e tenha um aumento no custo que irá refletir de forma expressiva nos alimentos e combustível no país”, lamenta.
Neste contexto, o proprietário da transportadora Annege, Jorge Marcinik, acredita que as mudanças podem comprometer o avanço da área de transporte rodoviário no Brasil. Marcinik afirma que, além do impacto nos custos, a logística das cargas também pode ser impactada. “O volume de transporte vai perder uns 20 a 30 % de rentabilidade do veículo, então vai sobrar carga e faltar caminhão”, explica.
Histórico da legislação
A primeira lei (n°12.609) que atendeu a categoria dos motoristas caminhoneiros foi promulgada em 2012. Em 2015, passou por uma revogação, onde vigorou a Lei dos Caminhoneiros, vigente até junho deste ano. Quando promulgada em 2015, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Terrestre (CNTTT) alegou inconstitucionalidades na legislação.
De acordo com o portal do Supremo Tribunal Federal (STF), a CNTTT alegou a retirada dos direitos previstos na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), no Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e na lei anterior (n°12.609), e enviou ao Supremo a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5322, para questionar a Lei dos Caminhoneiros (13.103/2015).
Em setembro de 2021, o Plenário do STF iniciou o julgamento da ADI 5322, diante das revogações sobre a redução dos horários de descanso e alimentação. Em julho deste ano, o Ministro Alexandre de Moraes declarou inconstitucionais 11 pontos da Lei 13.103/2015. Na decisão, a jornada de trabalho, descanso e repouso semanal foram revogados.
Ficha técnica:
Produção: Larissa Del Pozo
Edição de texto: Vittoria Mulfait
Publicação: Tayná Landarin
Supervisão de produção: Manoel Moabis
Supervisão de Publicação: Luiza Carolina dos Santos e Marizandra Rutili