O estudo feito pelo GEMAA revela que alunos transexuais e travestis compõem apenas 0,3% das graduações nas universidades federais. Enquanto isso, o Brasil é o país que mais mata pessoas trans no mundo. 

 

LGBT UEPG Angelo Rocha

           Uepg não conta com sistema de cotas para pessoas trans na graduação e pós graduação. Foto: Angelo Rocha

 

O Projeto de Lei que propõe a criação de cotas para pessoas trans nas instituições de ensino superior foi apresentado pela deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP) em julho deste ano e está em discussão na Câmara dos Deputados. Se aprovado, para cada curso e turno, serão destinadas no mínimo 5% das vagas para pessoas trans e travestis, com alcance a 63 universidades federais brasileiras e 38 institutos federais. De acordo com o Grupo de Estudos Multidisciplinar da Ação Afirmativa  (GEMAA), até 2021, as regiões sul e centro-oeste são as únicas onde não foram identificadas políticas de ação afirmativa para o ingresso de pessoas trans na graduação.

O Projeto de Lei é semelhante ao que tem ocorrido em relação à Lei de Cotas Raciais, em vigor desde 2012, que assegura 50% das vagas para pretos, pardos, indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escola pública. O estudo feito pelo GEMAA revela que alunos transexuais e travestis compõe apenas 0,3% das graduações nas universidades federais

E apesar dos esforços, entre 2020 e 2021, houve uma queda de 80% no número de vagas ofertadas. 

A iniciativa foi construída pela parlamentar em parceria com 15 coletivos e organizações trans de todo o país De acordo com o GEMAA, até 2021, apenas cinco universidades públicas brasileiras destinaram cotas para o ingresso de pessoas trans no ensino superior. Entre essas, três estão localizadas no estado da Bahia (UNEB, UFSB e UEFS), uma no estado de São Paulo (UFABC) e outra no Amapá, a UEAP. 

Em 2022, a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) reformulou sua política de cotas, estabelecendo novas normas relativas à reserva de vagas ofertadas no Vestibular e Processo Seletivo Seriado dos Cursos de Graduação presenciais para candidatos oriundos de Instituições Públicas de Ensino, para aqueles que se autodeclarem negros e pessoas com deficiência. Entretanto, pessoas transgênero não foram contempladas por tal reformulação. 

Julio Maroneze ,estudante trans do curso de direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa, aponta a necessidade de intervenções para além do ingresso no ensino superior. “A inclusão de cotas trans nas universidades pode, a curto prazo, aumentar o número de estudantes trans nas universidades, mas não faz nada para garantir a permanência dessas pessoas no ambiente universitário. A dificuldade educacional da população trans não é adentrar a faculdade, mas sim permanecer nela devido à transfobia sofrida diariamente”, opina. 

 

Para além das cotas

Julio faz um apelo à necessidade de que a universidade seja mais rigorosa na alteração de nome dos alunos nos registros universitários. Ele conta que, apesar de seu nome social constar na lista de chamada, a biblioteca da universidade tem apenas seu nome de batismo. 

Decreto N° 8.727, de 2016, dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal. De acordo com o Diagnóstico sobre o acesso à retificação de nome e gênero de travestis e demais pessoas trans no Brasil, da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA), o “nome social”atua como parte do processo de reposicionamento dessas pessoas dentro da estrutura social a partir do rompimento com o gênero designado.

Em 2020 o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEPE) da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) aprovou a Resolução CEPE 202/35 , que aborda a questão do nome social e do reconhecimento da identidade de gênero de estudantes que são travestis, transgêneros e transexuais na UEPG. A Universidade foi a primeira do Paraná a estabelecer regulamentações para o uso do nome social.

Em janeiro deste ano, os estudantes da UEPG organizaram a Rede Trans UEPG Fernanda Riquelme. O grupo realiza reuniões sobre as demandas e pautas da comunidade. Entre, está o requerimento da obrigatoriedade do uso do nome social na plataforma de Sistema Eletrônico de Informações (SEI).O Brasil segue sendo o responsável por 40% dos assassinatos de pessoas trans que ocorrem no mundo, segundo o boletim do ANTRA. Na área da educação, 70% da comunidade transgênero não concluiu o ensino médio e apenas 0,02% encontram-se no ensino superior. Os dados mostram que a cada 48 horas uma pessoa transgênero é barbaramente assassinada no Brasil. De acordo com o Dossiê Assassinatos e Violências contra Travestis e Transsexuais Brasileiras em 2022, publicado em janeiro de 2023. Entre 2017 e 2022 o Paraná registrou 42 assassinatos de pessoas trans. Enquanto isso, o Brasil é o país que mais consome pornografia trans no mundo. 

“A exclusão social da comunidade trans é uma consequência que infelizmente a gente já vive e que grande parte dos nossos representantes políticos não estão preocupados em mudar”, afirma Noah Louie, estudante de Ciências Sociais. Noah é uma pessoa não-binária que faz o uso de suas redes sociais para divulgar temas associados à comunidade trans e seus direitos. 

Segundo Luiza Ienke, acadêmica de Serviço Social da UEPG, pessoas trans sofrem uma série de violação de seus direitos, por isso, garantir o acesso e a permanência na educação superior transforma a sociedade como um todo. “Há muito o que se avançar no processo de democratização do ensino superior e é por isso que existem políticas de ações afirmativas. São práticas que incentivam a inserção de diferentes grupos sociais dentro da universidade.” Ela também afirma que a inclusão no meio acadêmico pode ser uma forma de quebrar uma série de situações de vulnerabilidade, como trabalho desprotegido e exploração. 

 

Políticas de Permanência

Políticas de permanência são programas institucionais desenvolvidos para melhorar a permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade na universidade e diminuir a taxa de evasão no Ensino Superior. 

 

Política de Cotas: 

Segundo a “Lei de Cotas”, N° 12.711, de 2012,  50% das vagas nas universidades e instituições federais são garantidas a pretos, pardos e indígenas, pessoas com deficiência e estudantes de escola pública. A decisão por adotar ou não políticas de ações afirmativas que contemple outros grupos minorizados fica a critério das próprias universidades. A modificação à Lei de Cotas reduz o limite de renda familiar per capita do estudante interessado em utilizar as cotas para o ingresso em cursos federais para um salário mínimo. Além disso, ao invés de os candidatos que se beneficiam das cotas competirem exclusivamente por vagas destinadas ao seu grupo específico (como afrodescendentes, indígenas, e similares), eles agora participarão da competição geral por vagas no processo de seleção. Caso não obtenham a pontuação exigida para a admissão nas vagas gerais, suas notas serão  direcionadas para a disputa reservada ao seu grupo específico, dentro do limite de 50% do total de vagas disponíveis. 

Programa de Bolsa Permanência:

A iniciativa é um compromisso do governo para fornecer assistência financeira aos alunos, especialmente àqueles provenientes de comunidades quilombolas, indígenas e que enfrentam desafios socioeconômicos. O foco está nas universidades federais, com o objetivo de ajudar esses estudantes a se manterem e concluírem seus cursos com êxito. Os recursos são transferidos diretamente aos alunos que estão cursando a graduação, por meio de um cartão de auxílio. No momento, a quantia disponibilizada é de R$900,00 para os estudantes indígenas e quilombolas, e de R$400,00 para os demais estudantes em situação de vulnerabilidade.

Em 2023 foram disponibilizadas 2.278 novas vagas do programa destinadas a apoiar os alunos matriculados em cursos presenciais de graduação oferecidos pelas IFES e que já estão registrados no Sistema de Gestão da Bolsa Permanência. Será concedida um total de até 10 mil vagas, levando em consideração o número de bolsas atuais, conforme a alocação orçamentária disponível. O benefício será no valor de R$1.400.

 

Plano Nacional de Assistência Estudantil  (PNAES)

O Plano Nacional de Auxílio ao Estudante (PNAES) tem como propósito respaldar a permanência de alunos com recursos financeiros limitados que estão inscritos em cursos de graduação presencial oferecidos pelas instituições federais de ensino superior (IFES). A meta é assegurar igualdade de chances a todos os estudantes e fomentar aprimoramento acadêmico, através de medidas destinadas a enfrentar desafios como a repetição de disciplinas e o abandono dos estudos. O processo de seleção dos estudantes é baseado no contexto socioeconômico dos alunos e também incorpora critérios específicos ajustados às particularidades de cada instituição. 

 

Prouni:

O Prouni, também conhecido como Programa Universidade Para Todos, representa uma iniciativa concebida pelo Ministério da Educação (MEC) com o propósito de oferecer bolsas de estudo parciais e integrais em estabelecimentos de ensino privados, voltada aos estudantes de renda limitada e que ainda não possuem diploma de ensino superior. O objetivo central dessa iniciativa é alargar as oportunidades de acesso ao ensino superior para a população em condições de carência financeira."

 

Fies:

O Fies, que corresponde ao Fundo de Financiamento Estudantil, constitui-se como um programa promovido pelo Ministério da Educação (MEC) para facilitar a entrada no ensino superior. Através desse programa, os alunos têm a oportunidade de pleitear o financiamento total ou parcial das despesas mensais relacionadas ao curso que optarem, permitindo-lhes custear essas obrigações com um ônus reduzido ou até mesmo postergar o pagamento até a conclusão de sua formação."

 

Ficha técnica:

Produção:  Maria Eduarda Kobilarz

Foto: Angelo Rocha

Edição de texto: Larissa Delpozo

Publicação: Quiara Camargo e Wesley Machado 

Supervisão de produção: Manoel Moabis

Supervisão de Publicação: Luiza Carolina dos Santos e Marizandra Rutili