A planta auxilia no tratamento de doenças crônicas, como ansiedade, epilepsia e Alzheimer

O acesso gratuito a medicamentos à base de maconha para pessoas de baixa renda em Ponta Grossa está em discussão na Câmara dos Vereadores. A Proposta de Lei (PL) propõe que esses remédios sejam fornecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e por farmácias populares para tratar doenças crônicas e transtornos psicológicos. Na justificativa escrita no projeto o objetivo é facilitar o “acesso a tal medicamento para pacientes pontagrossenses que não tenham condições de arcar com os custos”. 

O Projeto de Lei nº 174/2023, de autoria dos vereadores Geraldo Stocco (PV), Josi Kieras do Coletivo (Psol) e Julio Küller (MDB) foi apresentado em junho deste ano e ainda aguarda para ser votado. Conforme o co-vereador pelo Psol, João Stefaniak, os autores decidiram pelo adiamento da votação para a semana após o evento “Cannabis sativa: Aspectos Legais e Uso Medicinal”, em decisão interna. O painel aconteceu na última terça-feira (19) e foi organizado pelo projeto de extensão Democracia e Direitos Humanos, do curso de Jornalismo da UEPG.   

Apesar das dificuldades no acesso, mais de 70 mil pacientes em todo o Brasil já se beneficiam do tratamento com maconha, conforme dados da empresa especializada Kaya Mind. O reconhecimento de seus benefícios terapêuticos levou pessoas como Júlia Frere, farmacêutica, a buscar o Óleo de Canabidiol (CBD) - um componente da planta - para reduzir os efeitos colaterais dos medicamentos convencionais usados no tratamento da ansiedade. "O fato de substituir um medicamento que estava me causando mal por outro que oferece efeitos ainda melhores é incrível", enfatiza. Júlia faz uso da medicação e também terapia com psicólogos para controlar os sintomas.

No geral, a posse e cultivo de cannabis para uso medicinal ainda passam por obstáculos, desde o cultivo da planta até o acesso aos produtos. Para conseguir o Óleo de CBD, Júlia Frere buscou o apoio das Associações Canábicas. Esta opção foi mais rápida do que através das drogarias. Júlia também conta que o valor nas farmácias custa em torno de 700 reais, mais que o dobro das Associações. “São medicamentos que deveriam ser acessíveis e garantir o bem estar dos pacientes. É algo que causa menos danos ao organismo comparado com outras drogas que já são distribuídas gratuitamente”, afirma. 

Para garantir o acesso a pessoas de baixa renda, a proposta dos vereadores estabelece algumas regras. O paciente precisa de uma prescrição médica e um Código de Identificação de Doença (CID) que indique a necessidade do tratamento com cannabis. Além disso, o paciente não deve ter condições financeiras para comprar o medicamento, seja ele à base de canabidiol ou tetrahidrocanabinol (THC), ambos componentes da maconha.

No Congresso Nacional e na Assembleia Legislativa, projetos de lei relacionados à cannabis também estão sendo debatidos. No estado do Paraná, a Lei Pétala, de fevereiro de 2023, já oferta o acesso a medicamentos e produtos à base de CBD e THC. O Projeto de Lei n° 89/2023, no Senado Federal, busca estabelecer uma Política Nacional de fornecimento gratuito de medicamentos. No entanto, o uso da planta, seja in natura (uso da planta em flor) ou suas partes, permanece proibido no país, como indicado pela Nota Técnica da Anvisa publicada em julho de 2023.

MACONHA LEGALIZAÇÃO Kimberlly Safraide

Cartaz exibido na marcha em prol da legalização da maconha. / Foto: Kimberlly Safraide

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A obtenção de remédios feitos com cannabis ainda é complicada porque não há regulamentação clara. Até 2021, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) permitiu a prescrição e venda desses medicamentos, mas com algumas condições. Os médicos precisam preencher formulários específicos e pedir autorização à Anvisa para cada paciente, o que torna o processo muito demorado.

Konstantin Gerber, advogado e pesquisador das regulamentações do uso de cannabis, diz que essas diretrizes são usadas para diferenciar entre produtos e a própria planta, em vez de tornar mais fácil o acesso das pessoas. Para ele, além de facilitar o acesso, também deveria haver medidas para verificar a qualidade dos produtos importados. “Não existe uma organização que fiscalize a quantidade de substâncias de produtos importados. Para medicamentos nacionais usados via oral existe uma restrição que nos importados não tem”, exemplifica o advogado. 

Uma maneira mais rápida de obter acesso a esses medicamentos são as Associações Canábicas. Elas são grupos formados por pacientes, profissionais de saúde e defensores do uso medicinal da cannabis. O objetivo principal das Associações é tornar mais simples o acesso a produtos feitos com cannabis para tratamentos médicos. Essas associações também têm um papel importante na educação sobre os benefícios terapêuticos da planta. Segundo o estudo de Rafael Follann em sua tese, foram identificadas 13 dessas associações ativas no Paraná, incluindo uma em Ponta Grossa.

A maconha como medicação 

Em 2022, a Anvisa deu permissão para três novos medicamentos feitos com cannabis, o que permitiu pela primeira vez o uso terapêutico do tetrahidrocanabinol (THC). Agora, são 18 medicamentos à base de cannabis que podem ser usados para aliviar a dor, melhorar o sono, reduzir a inflamação e até mesmo ajudar a prevenir doenças neurodegenerativas.

No entanto, apesar dessa evolução, a pesquisa médica relacionada à maconha avançou lentamente desde a primeira autorização, que ocorreu em 2017. Amanda Dias, que é especialista em medicina endocanabinoide, explica que uma das razões para isso é que a maconha ainda é considerada uma substância ilegal devido à legislação brasileira. “Precisamos trazer informação. Precisamos saber sobre a nossa própria cannabis com acompanhamento e com controle de qualidade”, complementa a médica.  

Amanda destaca que todas as partes da planta Cannabis Sativa podem ser utilizadas para fins medicinais. Além disso, a planta pode influenciar positivamente diversas partes do corpo com o sistema endocanabinóide, que pode regular várias funções do corpo humano. O THC, por exemplo, pode ser usado no tratamento de inflamações e até durante a quimioterapia. Já o CBD é frequentemente usado para tratar condições psicológicas e neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson.

 

Ficha técnica:

Produção: Alex Dolgan

Publicação: João Iansen e Kailani Czornei

Supervisão de Produção: Manoel Moabis

Supervisão de Publicação: Luiza Carolina dos Santos, Marizandra Rutili e Maria Eduarda Ribeiro