As mudanças no Direito do Trabalho no Brasil que ocorreram em 2017 prejudicam ainda mais a participação da mulher no mercado de trabalho

O trabalho nas plataformas digitais conhecido como "crowdwork", evidencia a desigualdade de gênero no mercado de trabalho. Embora ofereça uma aparência de flexibilidade, na prática, essas condições frequentemente resultam em trabalho precário e sem garantias de direitos trabalhistas. Além disso, não há regulamentação específica para o trabalho em plataformas digitais no Brasil, o que coloca os trabalhadores, tanto homens quanto mulheres, em uma posição desprotegida.

“Para as mulheres, essa desvantagem é agravada pela necessidade de conciliar o trabalho remunerado com o trabalho não remunerado, muitas vezes relacionado às responsabilidades domésticas”, explica a advogada e mestranda em Direito, Hanna Caroline Krüger. O trabalho nas plataformas digitais se caracteriza por ser repetitivo e requer pouca qualificação, sem planos de carreira e sem negociações coletivas.

No entanto, a advogada esclarece que há casos em que os tribunais brasileiros reconhecem o vínculo empregatício para trabalhadores em plataformas digitais. Como no caso da Uber, em que a empresa foi condenada em primeira instância a pagar uma indenização de R$1 bilhão e  formalizar o vínculo empregatício com os motoristas do aplicativo.

 O panorama das relações de trabalho nas plataformas digitais é uma tendência global, e as regulamentações e os direitos dos trabalhadores estão evoluindo em resposta a essa transformação. “Ainda é muito recente, mas em outros países, por exemplo, já criaram regras que devem garantir reconhecimento de vínculo de trabalho e direitos para trabalhadores de plataformas de entrega, e se espera o mesmo para o Brasil”, conta Hanna Caroline.

Em relação à situação de desigualdade acentuada pelas mudanças no Direito do Trabalho no Brasil a partir de 2017, a advogada explica que com a ascensão de Michel Temer à presidência, a legislação trabalhista passou por reformas significativas. O que afetou tanto o direito coletivo quanto o direito processual do trabalho. Isso incluiu a terceirização da atividade-fim da empresa, a introdução do trabalho intermitente e o teletrabalho, bem como dificuldades ao acesso à Justiça do Trabalho. “Além de flexibilizar a proteção de mulheres grávidas que trabalham em ambientes insalubres, um direito que havia sido garantido pela legislação ordinária anterior à reforma”, explica Hanna Caroline.

No entanto, Hanna Caroline conta que há uma projeção de aumento na taxa de participação feminina no mercado de trabalho até 2030 de acordo com os dados da PNAD Contínua de 2019. Há estimativa de 64,3%, um crescimento de 8,2 pontos percentuais em relação a 1992. Esse aumento contrasta com a tendência de declínio na taxa de participação masculina, que deve chegar a 82,7%, uma queda de 6,9 pontos percentuais em comparação com 1992.

A advogada destacou que mesmo após a crise, análises apontam que a participação feminina na força de trabalho continuou a ser desproporcionalmente menor em relação aos homens. Os resultados indicam também que as variáveis que influenciam a decisão das mulheres e dos homens de participar da força de trabalho não sofreram mudanças. Assim, Hanna Caroline explica que os dados revelam uma lacuna de gênero persistente no mercado de trabalho, pedindo por ações eficazes que abordem essa desigualdade. 

Em outro levantamento realizado pela PNAD Contínua de 2019, foi observado que a participação das mulheres brasileiras na força de trabalho, entre os 18 e 59 anos, que residem em áreas urbanas, atingiu 70,6%, enquanto os homens registraram uma taxa de 87,3%. No entanto, devido ao impacto da crise em 2020, a participação das mulheres caiu para 62,4%, o que representa uma redução mais significativa em comparação com os homens, que viram sua taxa diminuir para 80,8%.

 

Entregador João Pizani

Dados revelam uma lacuna de gênero presente no mercado de trabalho | Foto: João Vitor Pizani

 

Uma perspectiva do trabalho nas plataformas digitais 

Josiane Milleo, motorista do aplicativo Uber de Ponta Grossa, compartilha um pouco de suas experiências e desafios no transporte de passageiros na cidade. Em julho deste ano, enfrentando o desemprego, Josiane viu na atividade de motorista uma oportunidade de renda até que uma nova proposta profissional surgisse.

"Meu dia de trabalho começa por volta das sete horas da manhã. Busco escolher corridas para regiões que conheço, por segurança", revela Josiane. Ela estabelece metas diárias de ganhos para manter o foco, normalmente trabalha até atingir essa meta, o que geralmente acontece por volta das 19h. Durante o tempo de trabalho, Josiane faz uma ou duas paradas em horários de baixa demanda para descansar.

Por razões de segurança, Josiane limita suas viagens a áreas que conhece. Algumas corridas não fornecem informações claras sobre o destino, e essas ela prefere não aceitar. Por isso, Josiane concentra seu trabalho durante o dia, acreditando ser mais seguro. “O Uber tem algumas medidas de segurança, se no caso eu ficar muito tempo parada enquanto estou em uma corrida ou fazer um desvio de rota, o aplicativo entra em contato questionando se está tudo bem ou se eu preciso de ajuda”, explica a motorista. No entanto, Josiane enfatiza que, apesar dessas medidas, o risco está sempre presente, principalmente no trânsito intenso.

Quando se trata de horários, Josiane tem flexibilidade. Ela já conhece os momentos de maior movimento e as corridas mais lucrativas. Se precisa realizar atividades pessoais, procura os horários de menor demanda. Além disso, o aplicativo exibe áreas com alta demanda e Josiane tenta se deslocar até essas regiões para atender às corridas.

"Em um primeiro momento, comecei a trabalhar enquanto procurava por um emprego fixo. Eu achava que seria difícil ganhar o suficiente, mas me surpreendi. Estou conseguindo cerca de 50% a mais do que o que imaginava", relata Josiane. Embora tenha se surpreendido com os retornos financeiros da Uber, ela ainda procura uma vaga efetiva devido à segurança, registro formal e benefícios. 

A motorista de aplicativo destaca que  o aspecto desgastante do trabalho é o desafio mental de passar o dia inteiro no trânsito. Entretanto, ela enfatiza que o Uber é o que a sustenta atualmente e planeja continuar dirigindo nas horas vagas mesmo quando conseguir uma nova colocação.

Josiane acredita que se a Uber decidir contratar seus motoristas como funcionários, isso reduzirá significativamente os rendimentos. Ela vê a Uber como uma oportunidade para quem deseja evitar um empregador tradicional ou para pessoas que buscam uma renda extra. Ela observa que muitas pessoas inicialmente acreditavam que ganhariam muito dinheiro e trabalhariam menos quando a plataforma chegou a Ponta Grossa, o que não se concretizou. Josiane sugere que o Uber poderia implementar incentivos adicionais, como auxílio para manutenção e seguro do veículo para tornar a plataforma mais atrativa para os motoristas.

 

Ficha técnica:

Produção: Pamela Tischer

Edição e publicação: Larissa Del Pozo e Vitória Testa

Supervisão de produção: Manoel Moabis

Supervisão de publicação: Luiza C. dos Santos