A história sobre a socialite, que foi vítima de feminicídio na década de 1970, é contada de modo redundante por Hugo Prata

A história de Ângela Diniz, a socialite de Minas Gerais que abalou corações e foi motivo de burburinhos na década de 1970, tinha tudo para ser bem contada no filme dirigido por Hugo Prata (2023). Afinal, seria quase impossível tornar a vida da ‘Pantera de Minas’, apelido dado a Ângela , monótona. 

Porém, ao focar nas futilidades da protagonista, Prata reduz a história de Ângela a um relacionamento tóxico e abusivo, sem abordar o significado social do seu assassinato. Pois, nem mesmo o julgamento do caso foi abordado no longa, deixando o espectador apenas com alguns sons de tiros. O filme, lançado em setembro, não se preocupou em explorar adequadamente a história da personagem principal, como se todas as pessoas já soubessem a história da ‘Pantera de Minas’.

 

 

Algumas faces de Angela 

O caso de Ângela Diniz é conhecido nacionalmente como o da mulher que foi assassinada duas vezes. A vida da socialite era cheia de altos e baixos, mas ela sabia viver. Não é atoa que a chamavam de ‘Pantera de Minas’, uma vez que se adequava aos  padrões de beleza da época e tinha consciência da sua capacidade de sedução.

Infelizmente, a paixão pela vida fez com que Angela se relacionasse com Doca Street, homem que a assassinou em 1976. Por não aceitar o fim do relacionamento, o namorado de Ângela atirou quatro vezes nela, três vezes no rosto e uma vez na nuca, sendo então sua primeira morte. O segundo assassinato ocorreu quando o caso de Ângela Diniz foi parar no tribunal, afinal, uma mulher morta por um homem obcessivo deveria ter justiça. Porém, não foi o que aconteceu, uma vez que para a sociedade Doca Street não era o assassino, mas sim a verdadeira vítima do caso, pois ele apenas defendeu sua honra.

Percebe-se que Hugo Prata tinha a faca e o queijo na mão para dirigir a história perfeita. Além do enredo, ele também contava com um elenco de peso, composto por nomes como Gabriel Braga Nunes e Bianca Bin, além da talentosíssima Isis Valverde, que deu vida a personagem principal. Prata também tinha um timing excelente, afinal, foi somente neste ano que o Supremo Tribunal Federal tornou inconstitucional o argumento de ‘defesa da honra’ para crimes de feminicídio. Entretanto, o filme é reduzido somente a uma versão de Ângela frágil, descontrolada e depressiva.

São diversos os erros sobre a história de Ângela inseridos no filme. O primeiro e, talvez o mais grave, é a narrativa de que a protagonista seria um símbolo de resistência para todas as mulheres vítimas de violência doméstica e para aqueles que presenciaram o feminicídio de alguém próximo. Ângela Diniz pode sim ser vista como um símbolo, mas ela não representa todas as mulheres, uma vez que é uma mulher branca e rica. Ela não dependia de um homem para se sustentar, como é o caso de milhares de mulheres brasileiras que são vítimas de violência por parte de seus companheiros.

Outro erro do longa é taxar o crime como o primeiro caso de feminicídio do país. Não, ele somente foi um dos mais repercutidos na época, mas pelo simples fato de que os envolvidos eram pessoas que tinham reputação, tanto na sociedade mineira quanto na carioca, como era o caso de Doca Street. Afinal, não é qualquer João ou José que tem como advogado de defesa Evandro Lins e Silva, um dos Procuradores Gerais da República na época.

Um final medíocre para um filme medíocre

Da metade para o final do filme, parece que o roteiro tenta a todo custo achar uma resposta para justificar o assassinato da socialite. Outro erro, em meio a tantos, foi ter focado somente na primeira morte de Angela, uma vez que sequer lembravam do julgamento do caso. Não ter cenas sobre o julgamento de Ângela Diniz deixa qualquer um, que saiba minimamente sobre o caso, indignado. Seria justamente nessa parte que o filme poderia dar espaço para o debate referente a violência doméstica e ao feminicídio. Porém, mais uma vez, o filme peca.

 

Ficha técnica:

Produção: Leriany Barbosa

Edição e publicação: Alex Dolgan e João Vitor Pizani

Supervisão de produção: Luiza C. dos Santos 

Supervisão de publicação: Luiza C. dos Santos e Marizandra Rutilli