A edição do Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) deste ano teve mais de 10 mil inscrições de apenados

 

SEBO ESPAÇO CULTURAL RAFAELA KOLODA

                                           Número de apenados que buscam a conclusão dos estudos aumenta no Paraná | Foto: Rafaela Koloda

Neste ano, o Estado do Paraná apresentou um aumento de mais de 20% de pessoas privadas de liberdade (PPLs) inscritas no  Exame Nacional para Certificação de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) em relação à 2022. O Exame deste ano somou 10,1 mil inscrições de PPLs, já a edição do ano passado teve 8,4 mil inscritos. O aumento é quase o mesmo registrado no período anterior, de 22% em relação a 2021, quando o Encceja teve 6,9 mil inscrições.

A Educação Penal em Ponta Grossa completou 20 anos em 2023. De acordo com dados deste ano, as quatro penitenciárias da cidade juntas, somam mais de 2.100 apenados. Na Penitenciária Estadual de Ponta Grossa existem mais de 600 pessoas encarceradas, destas, cerca de 100 conseguem oportunidades de trabalho e estudos. O tempo de espera para uma pessoa privada de liberdade receber uma  oferta de estudos ou emprego é de oito meses a um ano desde sua entrada na Penitenciária.

De acordo com o professor do curso de Direito da Universidade Estadual de Ponta Grossa e doutorando em desenvolvimento humanitário, Rauli Gross Junior, a oferta de estudos é um mecanismo para estimular o bom comportamento e disciplina dos  apenados. O professor relata que essas oportunidades são formas de avançar enquanto estão reclusos, mas em contrapartida, muitas dessas pessoas nunca tiveram acesso à educação, o que dificulta o processo. “A grande maioria não tem o ensino fundamental completo. Eles (apenados) tem uma certa resistência no início porque a maioria nunca leu um livro na vida”, acrescenta.

Rauli afirma que a faixa etária de pessoas privadas de liberdade também diminuiu. Atualmente, de acordo com o professor, mais de 70% têm entre 18 e 30 anos. “Precisamos melhorar a educação dos nossos jovens para que eles não cheguem à penitenciária. É muito mais barato educar do que consertar esse indivíduo depois”.

A Universidade Estadual de Ponta Grossa oferece vagas de estudos para PPLs através do vestibular. Ano passado, pelo menos seis apenados foram aprovados na UEPG. O grande problema, segundo Rauli Gross Junior, é que as pessoas que são privadas de liberdade nem sempre tem autorização de sair da penitenciária para  estudar. “Conheço um apenado que passou no vestibular mas não conseguiu a autorização do juiz para sair estudar, então fez outro vestibular e agora cursa a distância”, relata.

Segundo o professor, é necessário realizar um trabalho de socialização e habilitação para que os apenados possam sair melhor da unidade penal. Apenas trancar uma pessoa por anos sem perspectivas futuras não é viável. “Elas têm que se sentir parte da sociedade e valorizadas”, justifica.

A Penitenciária Estadual de Ponta Grossa segue um padrão americano e é uma referência no país. Contudo, de acordo com Rauli, ela não retrata a realidade carcerária do Brasil. Há 20 anos a penitenciária incorpora o CEEBJA para ofertar educação dentro da unidade penal em Ponta Grossa. Na Cadeia Pública Hildebrando de Souza, o projeto e a primeira sala de aula foram incorporados apenas em 2016.

Existe um trabalho interdisciplinar dentro das penitenciárias que envolve psicólogos, assistentes sociais e profissionais de enfermagem, para que as pessoas possam ser inseridas no momento certo no campo do estudo e do trabalho. Em 2011, o professor Rauli, em parceria com o curso de Direito, criou um projeto para trabalhar a remição de pena através da leitura. “Isso ajuda que eles não fiquem ociosos”, avalia Rauli. O ministério público aceitou esta forma de remir pena a partir de 2015. A cada 12h de estudo, um dia de pena é reduzido e a cada três dias de trabalho um dia de pena remido.

 

Educação penal na prática

Privada de liberdade há quatro anos, Ana Vitória*, natural do estado de São Paulo, realizou a prova do Encceja deste ano em Ponta Grossa e aguarda o resultado para a conclusão do Ensino Médio. Além de estudar, ela também trabalha em um serviço terceirizado oferecido para PPLs. “É uma oportunidade muito boa porque quando a gente está com tornozeleira é muito difícil conseguir emprego”, relata.

Enquanto estava no regime semiaberto, Ana Vitória cursava o Ensino Médio no Centro Estadual de Educação Básica para Jovens e Adultos (CEEBJA) da penitenciária de Curitiba. Como conseguiu redução de pena de quatro meses e transferência para Ponta Grossa por meio do estudo e trabalho, a PPL deixou quatro disciplinas pendentes para terminar. Ao realizar a prova do Encceja ela pode eliminar parcial ou integralmente as matérias. Além disso, a aprovação no Exame diminui seis meses de pena.

Caso obtenha  resultado positivo na prova, Ana Vitória pretende realizar o Exame Nacional Do Ensino Médio Para As Pessoas Privadas De Liberdade (ENEM PPL). “Meu sonho é cursar pedagogia”, finaliza.

Além do estudo regular, a PPL Ana Vitória  trabalhou em empresas e serviços na penitenciária durante o regime semiaberto. Ela relata que quando está trabalhando se sente participante da sociedade, “eles não me veem como bicho”, acrescenta. O trabalho e o estudo são alternativas para integrar as PPLs na comunidade e incentivar a disciplina. “Quando eu saí  (do regime semiaberto) ganhei meu dinheiro certinho do período em que trabalhei, fora a remição”, explica Ana Vitória.

A apenada também participou de vários cursos enquanto estava na penitenciária. “Eu fiz um monte de cursos, nem lembro todos. Mas ganhei certificado do curso de cabeleireira, culinária, gestão de empresas, crochê e mandala”, conta.

 

Ana Vitória* é um nome fictício utilizado para preservar a identidade da fonte que busca ressocialização.

 

Ficha Técnica 
Produção: Vitória Testa 
Edição e publicação: Camila Souza e Quiara Camargo 
Supervisão de produção: Manoel Moabis P. dos Anjos
Supervisão de publicação: Luiza C. dos Santos, Marizandra Rutilli e Maria Eduarda Ribeiro