Os eletrônicos estão redefinindo a preferência de consumo infantil, mas especialistas alertam sobre os riscos à formação cognitiva e social das crianças.

 

Na era digital, as crianças se veem cada vez mais atraídas pelos eletrônicos. Tomando por comparação, brinquedos tradicionais, como bolas, bonecas e carrinhos, que ao longo do século 20 e início do 21 eram os preferidos do público infantil,agora,  são deixados de lado. Isso marca uma mudança no padrão de consumo do público infantil. Na lista de compra dos pais e parentes, os meninos e meninas têm preferência por celulares, computadores, tablets, videogames e jogos eletrônicos. 

Levantamento realizado pela pesquisa TIC KIDS ONLINE BRASIL 2024 revela que 93 das crianças brasileiras navegam na internet

Levantamento realizado pela pesquisa TIC KIDS ONLINE BRASIL 2024, revela que 93% das crianças brasileiras navegam na internet. | Foto: Luísa de Andrade

De acordo com o levantamento da pesquisa Tic Kids Online Brasil 2024, que tem como objetivo analisar o padrão de consumo online de crianças e adolescentes, 93% da população, entre 9 a 17 anos de idade, acessa a internet no Brasil. O telefone celular se destaca como o meio mais utilizado por crianças e adolescentes para se conectar ao mundo.  Em seguida a televisão com 69%, computador com 37% e videogame com 19%. Segundo esses dados, o uso do aparelho telefônico teve um aumento de 86%, em 2015, para 98%,em 2024. 

Esse cenário revela a influência que os aparelhos e jogos eletrônicos exercem na vida das crianças, afetando também seus desejos de consumo. A dona de casa Sara Medeiros tem uma filha de 9 anos. Ela observa que, em épocas comemorativas como Dia das Crianças, Natal e Aniversários, os pedidos mais comuns feitos pela criança são eletrônicos como computadores, tablets e microfones. Segundo Medeiros, as redes sociais e os influenciadores digitais, como os youtubers, acabam induzindo no comportamento da filha, que pede novos equipamentos eletrônicos a fim de se igualar ao influenciador. O custo elevado dos eletrônicos é uma das causas que leva Sara a orientar a escolha da criança na hora de escolher o presente. “Utilizo da velha e conhecida frase "muito caro” ou “primeiro aproveite o seu celular". “A cada período querem trocar por algo mais moderno que está no mercado”, comenta Medeiros. Ela  completa que na negociação final com sua filha, os brinquedos comuns como bonecas  ou bichos de pelúcia acabam sendo comprados.

Atraídas pelos eletrônicos crianças preferem celulares e tablets aos brinquedos tradicionais marcando uma transformação nos padrões de consumo e nas listas de desejos

Atraídas pelos eletrônicos, crianças preferem celulares e tablets aos brinquedos tradicionais, marcando uma transformação nos padrões de consumo | Foto: Luísa de Andrade

Impactos do excesso de tela na formação infantil.

A substituição de brinquedos físicos por eletrônicos pode causar grande impacto na formação cognitiva e motora das crianças. Segundo a neuropsicopedagoga Rosane Cristina Costa Ribeiro, essa substituição afeta diretamente o desenvolvimento das habilidades criativas da criança. “Muitos jogos eletrônicos promovem o raciocínio lógico e a resolução de problemas. Mas eles  podem não estimular a  criatividade e exploração que proporciona um ambiente desafiador e divertido com os brinquedos físicos, como blocos de montar, quebra-cabeças ou jogos da memória”, explica . Ribeiro destaca que a interação com brinquedos físicos afeta positivamente o desenvolvimento de competências sociais, pois “incentiva a interação, permitindo que as crianças aprendam a compartilhar, a negociar e a resolver conflitos”. Esse tipo de brinquedo também “proporciona oportunidades para desenvolver empatia e habilidades de comunicação em um ambiente mais seguro e divertido”, complementa.

“O ato de brincar é papel fundamental para o desenvolvimento físico e mental das crianças, pois é nele que se constrói autonomia e se estimula a criatividade”. É o que afirma a psicóloga infantil Ana Cristina Defino. Segundo ela, quando o momento de brincar é substituído pelos aparelhos eletrônicos como celulares e tablets, os estímulos proporcionados são nocivos às crianças, isto porque os eletrônicos possuem estímulos rápidos, os quais  liberam dopamina, um neurotransmissor que fornece uma sensação de prazer imediato. Quanto maior o contato com eles, mais estímulos a criança recebe,  o que pode ocasionar vício, esclarece a psicóloga. Defino alerta também para os sinais que os  responsáveis devem observar quando a situação começa a ficar grave:“Impaciência, isolamento social, redução da autoestima, sono desregulado, sedentarismo, ansiedade, imediatismo e até impactos à saúde ocular”.

Os pais têm papel primordial na educação e supervisão desses comportamentos. “Criança aprende por imitação e a família é responsável por ensinar que nada substitui o afeto humano, o olhar, a expressão facial. Como o brincar é a linguagem da criança, esta acaba sendo uma excelente oportunidade de vinculação dos pais com seus filhos”, destaca Defino. Ribeiro pontua também a importância da figura exemplar dos pais, eles precisam demonstrar equilíbrio no uso da tecnologia, no dia a dia. “Mostre o uso equilibrado da tecnologia em sua própria vida. As crianças aprendem muito observando os adultos.” Demonstre, salienta a neuropsicopedagoga, como é importante “equilibrar o tempo de tela com outras atividades”.

 

Regulamentações sobre o consumo infantil de eletrônicos e o direito de brincar

Segundo o Manual de Orientação, desenvolvido  pela Sociedade Brasileira de Pediatria, a restrição ao uso e à exposição à tela, para crianças menores de 2 anos, deve ser total;  entre 2 a 5 anos, a exposição é de 1 hora por dia. Entre crianças de 6 e 10 anos, o tempo recomendado é de no máximo 2 horas diárias. Para adolescentes, situados na faixa dos 11 aos 18 anos, o tempo de exposição é de 2 a 3 horas. A entidade alerta que a utilização deve ser sempre supervisionada por pais e responsáveis.

 Para além da questão da saúde, há normas e legislações que procuram preservar os direitos da criança, como é o caso da Lei Federal 14.826, sancionada pelo presidente da República em 20 de março de 2024. Esta lei institui a parentalidade positiva e o direito de brincar como estratégias intersetoriais de prevenção à violência contra crianças. A lei assegura que é dever do Estado, da família e sociedade a ação de prevenir as violações de direitos infantis, garantindo crescimento saudável e íntegro das crianças.

 

Ficha Técnica

Produção: Luísa de Andrade de Camargo

Edição e publicação: Loren Leuch

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Furtado