Diretores relatam dificuldades de tornar prédios tombados acessíveis

Em setembro deste ano, o Instituto Brasileiro de Museus (IBRAM) lançou o Programa “Acesse Museus”. O projeto tem o objetivo de orientar museus do país a investir em iniciativas de acessibilidade, para garantir que pessoas com qualquer deficiência e grupos em situação de vulnerabilidade social tenham acesso à cultura. Segundo a portaria IBRAM nº 3.135, entende-se como acessibilidade “a possibilidade e condição de alcance para a utilização de espaços, mobiliários, equipamentos urbanos, transporte, informação e comunicação”.

Dados do Censo Demográfico do IBGE de 2010 apontam que, em Ponta Grossa, mais de 65 mil pessoas registraram possuir algum tipo de deficiência. Dessas, aproximadamente 48 mil, possuem deficiência visual. Além disso, há registros no município de pessoas com deficiências física ou motora, auditiva, mental ou intelectual.

A cidade possui, atualmente, quatro museus, sendo um deles privado.  Dentre os públicos, dois são da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG):: o Museu Campos Gerais (MCG) e o Museu Ciências Naturais (MCN). Em novembro de 2023, a cidade inaugurou o Museu Municipal Aristides Spósito. A reportagem investigou como as questões de acessibilidade são tratadas em cada um desses espaços.

A museóloga Samara Hevelize Lima explica que a função básica do museu é comunicar, pesquisar e preservar. O espaço museal deve ser semelhante a todas as pessoas. Dessa forma, ao pensar em acessibilidade universal dentro do museu, Hevelize compreende que é necessário “tornar o ambiente, as exposições e os objetos condizentes com as questões das interações, acessos e usos, respeitando a individualidade de cada um que vai circular nesses espaços”. 

O Museu Campos Gerais foi criado em 1950 e a  partir de 1983, passou a ser sediado no espaço do primeiro Fórum de Ponta Grossa, quando o prédio histórico se tornou posse da UEPG. Em 2003, precisou ser transferido para outro imóvel, visto que, o prédio original precisou passar por uma restauração. Após anos de reforma, o Museu Campos Gerais retornou ao prédio em junho deste ano. A arquitetura do ímovel conta com grandes escadarias, o que limita o acesso.

De acordo com o diretor do museu, Niltonci Batista Chaves, esse problema foi contornado com a reforma: “Com a restauração , tivemos acesso a elementos de acessibilidade motora, como piso tátil, rampas, plataformas e elevador. Hoje um cadeirante consegue visitar o museu, mas está muito claro para nós que um cego, um surdo teriam dificuldades para acessar esse prédio”. O elevador fica localizado em uma entrada alternativa ao acesso principal, sendo necessário que o visitante solicite a utilização do elevador aos funcionários. 

Como forma de auxiliar o MCG a se tornar um espaço cada vez mais acessível, estudantes de licenciatura em história participam de um grupo de extensão que realiza ações de acessibilidade no espaço. A estudante do segundo ano, Tamirys Antonia Chaves, participa do grupo e segundo ela, uma cartilha de acessibilidade está sendo produzida. O grupo também tem projetos de áudio descrição das exposições e inclusão de legendas em braile. 

Inaugurado em 2022, o Museu de Ciências Naturais é fruto de projetos extensionistas da geografia e da biologia. Está localizado na antiga biblioteca do campus de Uvaranas da UEPG. Como o museu é recente, a equipe está se adaptando às questões de acessibilidade. Para Ana Paula Gonçalves de Meira, pesquisadora e educadora do MCN, “acessibilidade não diz respeito só às deficiências físicas ou neurológicas, mas também à diversidade do público”. 

Na busca pela inclusão, iniciativas tomadas pelo MCN estão relacionadas a questões físicas, incluindo rampas e adaptações nos banheiros, seguindo os padrões da UEPG. “O que a gente tenta incorporar, também, nas nossas ações é a questão da acessibilidade sensorial, por meio dos projetos de impressões em 3D”, explica Meira. Segundo ela, os visitantes com baixa visão podem segurar as peças, que são impressas em resina ou polietileno. Outra forma de inclusão são os audioguias. Em cada exposição há um QR code, que quando escaneado leva ao youtube com a audiodescrição da exposição. 

O Museu Municipal Aristides Spósito foi inaugurado em setembro de 2023 e engloba a coleção do antigo Museu Época e está localizado no prédio da Mansão Vila Hilda, tombado em 1990 como Patrimônio Histórico do Paraná. A acessibilidade na mansão é limitada: há escadarias para qualquer acesso e espaço restrito para a circulação. O prédio não conta com outros recursos para acessibilidade, como legendas em braile e áudio guia. No entanto, o espaço leva em conta a inclusão de crianças que precisam de tratamento especial. Para isso, a equipe disponibiliza um cordão de girassóis que identifica essas crianças, além da “calm zone”, uma sala de interação com maquetes e objetos que podem ser tocados.

De acordo com Claudiane Araújo dos Santos, gerente administrativa, um elevador será instalado no Museu Municipal no próximo mês: “Ele vai funcionar do andar térreo até o primeiro andar, assim recebemos os visitantes no jardim de inverno. Por enquanto, pelo prédio ser tombado, não conseguimos que o elevador tenha acesso ao sótão”. Ela enfatiza que projetos estão sendo feitos para que os visitantes consigam acessar todos os espaços.

Em 1998, o arqueólogo e professor de história Moacir Elias Santos começou a fazer réplicas de peças sobre a evolução humana. Em decorrência da sua produção e acervo pessoal, ele inaugurou, em 2001, o Museu da Arqueologia Ciro Flamarion Cardoso, espaço que tem por objetivo estimular, para fins didáticos, a visitação ao acervo de escolas e universidades. O museu é aberto ao público. Além das peças pessoais de Moacir, ao longo dos anos o museu recebeu doações de objetos originais que compõem o acervo. 

Como o espaço é privado, o ingresso para a visitação custa 20 reais. Estudantes têm preços reduzidos, pagam 10 reais. O museu se mantém com o dinheiro das visitações e sua equipe é composta apenas por duas pessoas, Moacir e uma senhora que cuida da recepção. O museu possui  rampas de acesso e cada peça exposta tem legenda, para auxiliar os visitantes. As vitrines são baixas, o que facilita o acesso de cadeirantes e crianças. “Quando recebemos visitas de pessoas cegas, deixamos elas tocarem nos objetos. Mas, infelizmente, grande parte das peças estão em vitrines para a conservação”, explica Santos. 

 

Adaptação de prédios tombados para a acessibilidade

Metade dos museus de Ponta Grossa estão sediados em prédios tombados. É o caso da sede histórica do Museu Campos Gerais e do Museu Municipal. O tombamento de bens materiais limita a possibilidade de reforma desses lugares: a estrutura da propriedade precisa ser mantida. O professor Moacir levanta a questão de adaptar ambientes, sem excluir as pessoas com deficiência. Como exemplo, ele cita a entrada para pessoas com mobilidade reduzida do Museu Campos Gerais. É uma entrada alternativa pela lateral, afastada da porta principal. “Isso é um dos pontos que a gente discute. Se, ao fazer isso, você não provoca separação, mas não tem outra forma de modificar totalmente”, comenta.

Para Hevelize, a adaptação de prédios tombados não significa descaracterizá-los, mas sim torná-los democráticos. “Essa modificação serve para tornar o espaço igualitário e, para fazer parte da historiografia dele, as modificações são necessárias. As pessoas com deficiência devem fazer parte desse local, social e historicamente”, aponta. O diretor Niltonci Chaves relata que não conseguia abrir vaga de estágio para PCD’s: “O prédio, no caso  a antiga sede do museu, não poderia contemplar um PCD, sobretudo com deficiência motora, não há nenhum elevador no prédio e a universidade não pode instalar porque o prédio pertence ao governo do estado.”

“Há uma cultura do Brasil em transformar prédios antigos em museus”, aponta Moacir. A Mansão Vila Hilda e o prédio histórico do Museu Campos Gerais são reconhecidos por suas escadarias, não foram construídos para ser museus, mas hoje ocupam esse lugar e, por isso, as adaptações que podem ser feitas nesses espaços são limitadas. Explica que “se o patrimônio, mesmo que tombado, não for utilizado, ele vai se degradar”, o que seria pior. Ele precisa de uso”.

Ficha técnica

Produção: Loren Leuch e Mariana Borba

Edição e publicação: Joyce Clara, Lucas Veloso e Mariana Real

Supervisão de produção: Carlos Alberto de Souza

Supervisão de publicação: Aline Rosso e Kevin Kossar Furtado

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