A instalação da casa do Papai Noel no calçadão da Rua Coronel Cláudio, no Centro de Ponta Grossa, abriu debate sobre acessibilidade e inclusão. A estrutura, que foi financiada pela Associação Comercial e Industrial de Ponta Grossa (ACIPG), foi posicionada no calçadão, obstruindo o piso tátil para uso de pessoas com deficiência visual.
A atração de Natal deve permanecer no local até o próximo domingo, dia 25. A ACIPG se manifestou sobre o assunto alegando que o local é apropriado para a atração de Natal. A justificativa é que a instalação é temporária e o ponto onde ela se encontra movimenta o comércio na região.
Por sua vez, deficientes visuais, bem como responsáveis e entidades que os representam, se sentem desrespeitados. “Nossa cidade é precária quando o assunto é acessibilidade. O pouco que existe ainda prejudicam”, afirma a assessora de imprensa da Associação de Pais e Amigos do Deficiente Visual (Apadevi) de Ponta Grossa, Larissa Rosa.
A instalação da ‘Casa do Papai Noel’ fere o esforço de cumprimento da legislação que regula a acessibilidade no espaço público urbano. O artigo primeiro da Lei 10.098 de 2000, conhecida como ‘Lei de Acessibilidade’, estabelece que a acessibilidade deve ser promovida “mediante a supressão de barreiras e de obstáculos nas vias e espaços públicos, no mobiliário urbano, na construção e reforma de edifícios e nos meios de transporte e de comunicação”.
A ACIPG foi procurada pela reportagem para se pronunciar sobre a questão, mas até o fechamento desta matéria não obtivemos resposta. Apesar disso, é possível verificar a presença de um vigia que orienta eventuais deficientes visuais que passem pelo local.
Procurada para comentar a situação, a professora Ana Claudia Savi, responsável por ministrar aulas de Orientação e Mobilidade (OM) na Apadevi, explica como se dá a orientação, aos deficientes visuais, na instituição.
“Onde tem pista tátil, eles devem se guiar por ela”, destaca. “Eles devem usar uma referência, um ponto fixo, que pode ser um poste de luz, esquina e poste de sinalização de trânsito para chegar a um banco ou outro estabelecimento”.
Nos locais onde não há pista tátil, os alunos usam como guia a parede ou o meio-fio e outras referências. A professora explica que se qualquer coisa for colocada em cima da pista tátil pode acontecer de eles perderem a localização. “Se for um obstáculo fixo pequeno eles desviam e continuam na pista tátil. Agora, se for um obstáculo grande pode, sim, acontecer de eles se desorientarem”, ressalta.
Sobre acessibilidade em Ponta Grossa, ambas – tanto Larissa quanto Ana Claudia – acreditam que falta “empatia” por parte do povo ponta-grossense. A repercussão do caso na mídia demonstra isso, segundo Larissa. “Como jornalista, me atentei bastante aos comentários e feedbacks de matérias na internet. Os comentários das pessoas me assustaram e muito!”
Apesar de desapontada com a situação, a professora Ana Claudia acredita que o caso pode ter um resultado positivo. “Foi bom (a ACIPG) colocar uma pessoa a disposição sim. Mas a questão é que não deveriam colocar a casa naquele lugar”, critica.
“Pista tátil é de uso exclusivo de deficiente visual, é direito deles. Acredito que o que aconteceu serviu para a população despertar para o que serve uma pista tátil. Muitos nem sabiam para que servia aquele caminho diferente nas calçadas”, avalia.
Para Ana Claudia, Ponta Grossa e seus cidadãos ainda precisam entender essa questão para evoluir no respeito aos direitos das pessoas com deficiência e avançar como uma sociedade inclusiva.
“Quando uma entidade como ACIPG faz isso, reforça o que a população faz sempre, que é desrespeitar a acessibilidade do cego. Nas minhas aulas de OM, canso de ver pessoas paradas, em cima da pista, para conversar e quando o aluno vai passar elas não saem da frente”, relembra.
“Não é o cego que tem que sair da frente, mas sim a pessoa que está parada na pista tátil. Colocar alguém para orientar os deficientes visuais que venham a passar pelo calçadão é o mínimo que a ACIPG pode fazer”, salienta.
Dificuldade não é exclusividade do deficiente visual
Não são só os deficientes visuais que sofrem com a pouca acessibilidade na cidade. Em setembro de 2010, a prefeitura mudou a regulamentação de concessão do “Habite-se”, em Ponta Grossa, no que diz respeito aos passeios públicos. Essa foi uma tentativa de melhorar a situação das calçadas em Ponta Grossa.
Apesar de ser um avanço, a mudança, à época, exigia calçada com um metro e meio de largura. Essa largura é insuficiente caso dois cadeirantes se encontrem na via. Uma cadeira de rodas tem, em média, setenta centímetros de largura.
As questões de acessibilidade foram especialmente discutidas em época de campanha. A própria APADEVI recebeu visitas de candidatos a vereador e prefeito. Naquele momento, segundo a assessoria da Associação, reclamações foram feitas.
Para cadeirantes, a questão da acessibilidade é complicada no Centro e nos bairros de Ponta Grossa. Não é difícil perceber que os prédios e outras edificações da região central são ladeados por calçadas estreitas e esburacadas. Nas periferias, a situação é ainda pior. Muitas vezes, falta calçamento de qualquer espécie e a vegetação toma conta do espaço que poderia ser utilizado por um cadeirante.
A equipe do Portal Comunitário foi verificar essa situação na região Central, onde foram encontradas calçadas estreitas ou desníveis que impossibilitam o circulação de um cadeirante. No bairro Santa Luzia, foram encontrados trechos de calçada sem a pavimentação e cobertos por vegetação.
A Lei Municipal 10.249, de 2010, aponta, no entanto, que a responsabilidade pelo passeio público, em ruas pavimentadas, é dos proprietários dos imóveis que as calçadas tangem. Apesar disso, a própria prefeitura reconheceu, em nota publicada em maio deste ano, que “Ponta Grossa possui um problema antigo no que se refere às calçadas para pedestres. Muitas áreas ainda não oferecem passeio, obrigando as pessoas a caminharem na faixa de rolamento de veículos, colocando pedestres e condutores em risco”.
Na mesma nota, o então chefe do Departamento de Urbanismo, Orlando Henneberg, explica que o proprietário tem a obrigação de fazer calçada sempre que seu imóvel estiver em rua pavimentada e com meio-fio.
“As especificações técnicas de como a calçada deve ser, como declividade, materiais a serem utilizados e dimensões estão descritas na lei”, diz Henneberg, na nota. Entre as exigências da legislação municipal, estão a largura mínima de um metro e meio de calçada e o passeio constituído com material antiderrapante.
No caso de não fazer o passeio obrigatório em frente ao imóvel, o proprietário tem um aumento em seu Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) com alíquota de 4% em caso de imóvel edificado e 4,5% em caso de imóvel sem edificação.