Desproporção mostra a diferença entre estudantes brancos e negros que tentam ingressar na universidade. Foto: Alexsander Marques

O número de inscritos pelo sistema de cotas raciais oriundos de escolas públicas nos vestibulares de 2016 a 2019 da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) não alcança 3% do total de inscritos em cada ano. Os dados são do Informativo das Inscrições nos Vestibulares, divulgado pela Coordenadoria de Processos de Seleção (CPS) da UEPG. As inscrições para o Vestibular de 2016 registraram 21.845 candidatos para cotas universais e escolas públicas, sendo 532 pessoas por cotas raciais, o que equivale a 2,44% do total de inscritos.

 

Em 2017, a UEPG recebeu 21.821 inscrições por cotas universais e de escolas públicas nos dois vestibulares. Entretanto, apenas 470 pessoas se inscreveram por cotas raciais, representando 2,15% do total das inscrições daquele ano. Já em 2018, o número de inscrições por cotas universais e de escolas públicas foram de 18.371. Porém, apenas 402 pessoas se inscreveram pelo sistema de cotas raciais no mesmo ano, correspondendo a 2,19% do total de inscritos. No primeiro vestibular realizado em 2019, foram recebidas 10.664 inscrições por cotas universais e de escolas públicas, enquanto apenas 216 pessoas se inscreveram por cotas raciais, representando 2,03% do total de inscritos.

Dos sete vestibulares no período de 2016 a 2019, 72.701 inscrições foram feitas nesse período pelo sistema universal e de cotas de escolas públicas. Por outro lado, apenas 1.620 inscrições foram realizadas pelo método de cotas raciais na UEPG, representando 2,23% do total no período de quatro anos. Essa desproporção mostra a diferença entre estudantes brancos e negros no ingresso no ensino superior público.

Para a Pró Reitora de Assuntos Estudantis, Ione da Silva Jovino, a falta de esclarecimento para a comunidade sobre o método de cotas raciais e como ele funciona é um dos fatores do baixo número de inscrições nos vestibulares. “O sistema de cotas necessita passar por uma mudança, principalmente na nota de corte, onde ela possa ser mais flexível para os estudantes que optam por esse modelo de ingresso, acompanhado de um maior investimento em informações tirando o preconceito que existe sobre cotas raciais”, explica Jovino.

“O sistema de cotas raciais é um projeto de País. Para algumas pessoas, a única possibilidade de ascensão social passa pela educação, seria uma forma de dizer para as pessoas negras que existe um espaço no meio acadêmico para elas, onde poderá futuramente mudar opiniões na sociedade por diferentes meios como político, econômico e social”, completa a Pró Reitora.

Para a estudante de Pedagogia da UEPG, Dayane Barbosa, 22 anos, o método de cotas raciais representa uma necessidade de crescer na vida profissional. O que não tem tido o entendimento por parte de parcela da sociedade. “Se não tivesse o sistema de cotas raciais eu provavelmente, não estudaria em uma universidade pública, pois comecei a trabalhar com meus 14 anos. Na minha casa sempre foi ensinado a conseguir um trabalho mais ou menos e viver assim”, relata Barbosa.

Dayane ainda comenta que era contra o sistema de cotas pois considerava vergonhoso recorrer às cotas. Ao se ver em um trabalho que não a valorizava, ela começou a perceber que não seria nenhuma humilhação e falta de capacidade optar pelo sistema de cotas. “Deparei que era necessário esta escolha. Se não viveria eternamente trabalhando apenas para sobreviver. Ao alcançar a vaga compreendi que eu a obtive porque lutei comigo mesma, fui contra o que me foi imposto toda a minha vida, portanto as pessoas têm que entender que, se a pessoa opta pelo sistema de cotas não é para se aproveitar e sim por uma necessidade”, diz a estudante.

A estudante de Pedagogia da UEPG, Hemili Maruim, 19 anos, acredita que as cotas servem como uma reparação social, visto que, a maioria das pessoas negras tem uma realidade diferenciada, como começar a trabalhar desde muito cedo. “Este sistema não representa que as pessoas negras sabem menos ou que tenhamos um potencial inferior. Mais que temos uma realidade social diferente e nossa única alternativa para um crescimento na comunidade é a partir da educação”, enfatiza Maruim.

Maruim conta que começou a trabalhar com 12 anos e já enfrentou diversos tipos de racismo. Para a estudante, o sistema de cotas raciais foi a possibilidade encontrada para realizar o sonho de ser educadora. “Trabalhava em um mercado de repositora. Em várias situações, clientes comentavam que pessoas da minha cor não conseguiriam mais do que aquilo na vida. Uma das tantas formas de racismo que as pessoas negras convivem diariamente”, explica.

A estudante de Direito da UEPG, Damaris Oliveira, 19 anos, optou por não concorrer ao sistema de cotas raciais mesmo sendo negra. “Tive medo da discriminação que poderia sofrer por ser estudante de cotas raciais e acabei optando pelo sistema de cotas de escolas públicas, acreditando também que, por me inscrever em outro sistema, a chance de alunos negros ingressarem aumentaria”, comenta Oliveira. “Pensar em sistema de cotas raciais é também refletir sobre a permanência do estudante na universidade, acompanhado de ações que previnam e combatam o racismo e a saúde mental do estudante negro”, enfatiza Oliveira.

De acordo com a presidente e fundadora da Sociedade Afro-Brasileira Cacique Pena Branca de Ponta Grossa, Tânia Mara Batista, ainda existem muitos jovens negros que desconhecem o acesso à universidade pelo sistema de cotas raciais. “A informação é um fator crucial para que as pessoas negras possam ir atrás do seu direito que é as cotas raciais, e possam usufruir de uma educação de qualidade”, conclui Batista.

O Brasil adota o sistema de cotas nas universidades de diferentes formas desde o início desde 2003, com a primeira implantação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), com 50% das vagas para os estudantes da rede pública. Com a aprovação da Lei nº12.711/2012, mais conhecida como “Lei de Cotas”, as instituições de ensino superior federal precisam obrigatoriamente reservar parte de suas vagas para alunos oriundos de escolas públicas, de baixa renda e negros, pardos e índios.

Em 2004, a Universidade de Brasília (UnB) foi a primeira Universidade federal a implementar no o ingresso pelo sistema de cotas raciais, ofertando 20% das vagas nos vestibulares a candidatos autodeclarados negros. Apesar de pretos e pardos corresponderem a mais da metade da população brasileira, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2015, apenas 12% da população preta e 13% da parda chegam ao ensino superior. Entre os brancos, o número é de 31%.

Na UEPG, o sistema de cotas raciais foi adotado em 2007. Após 8 anos, o sistema de ingresso por cotas passou por uma reavaliação. A resolução em vigor, de 2013, destina 50% das vagas para o sistema universal e outros 50% para candidatos provenientes de escolas públicas. Dessa porcentagem, é separado 10% das vagas para candidatos autodeclarados negros. Os interessados devem preencher uma ficha de autodeclaração no momento da inscrição do vestibular, com identificação quanto a sua cor/raça. Os candidatos devem possuir traços fenótipos desse grupo étnico-racial, sendo critério sua característica física e não de ascendência. Os mesmos podem ser chamados a qualquer momento pela Universidade para a comprovação do que foi declarado no momento da inscrição.

Para este ano, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (PRAE) prevê realizar consulta aos coordenadores de grupos de pesquisa e programas de extensão para que possam participar da nova Comissão de Acompanhamento e Avaliação da Política de Cotas da Universidade. A consulta visa a avaliação do sistema na UEPG para atualização do atual regulamento, previsto para entrar em vigor 2022.

Úrsula, de 1859, o primeiro romance abolicionista brasileiro e escrito por uma mulher negra, a escritora Maria Firmina dos Reis já chamava atenção para importância da escolaridade como liberdade para os negros: “Sei que pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher e ainda brasileira e negra de educação acanhada, espero que no futuro as mulheres com imaginações mais brilhantes e com educação mais acurada e com instruções mais vastas e liberal possam ser melhor do que nós hoje”.


Arquivo Portal Periódico

20/11/2018 - 10% das vagas da UEPG são destinadas a cotas raciais

Ficha Técnica

Repórter: Alexsander Marques.
Edição: Cícero Goytacaz.
Foto: Alexsander Marques.
Supervisão: Professores Angela Aguiar, Ben-Hur Demeneck, Fernanda Cavassana, Hebe Gonçalves e Rafael Kondlatsch

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