Marinho Gallera relembra parceria com Paulo Leminski | Foto: Vítor Almeida

O araraquarense Mário Amadeu Gallera, sentado no banco da praça Marechal Floriano Peixoto, fumou cinco cigarros durante a entrevista de quase duas horas e meia. Em meio aos três meses em que mora em Ponta Grossa afirma que “andou escrevendo algumas coisas”. Aos 71 anos, Marinho Gallera planeja começar um novo projeto até o final do ano, além de visitar os amigos e familiares de São Paulo.

Gallera desembarcou em Curitiba para estudar Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná, mas foi com os Paulos, Leminski e Vitola, um trio de amigos no qual, segundo ele, compunha sem vaidades, que Marinho fez carreira no meio artístico. Além de ter participado do Movimento Atuação Paiol (MAPA), que reunia pessoas ligadas à cultura curitibana, Gallera compôs trilhas, jingles, discos, fez parcerias e acompanhou o desenvolvimento dos grandes espetáculos nos teatros curitibanos. Em 2018, Gallera e Paulo Vitola lançaram o projeto “Nós de Pinho”, o primeiro volume de partituras com as canções compostas durante a parceria dos dois, que pode ser acessado no sit http://www.nosdepinho.com.br/.

 

Primeira Parte: Vida De Gallera

O senhor nasceu em Araraquara e sua mãe era cantora no coral Araraquarense. Apesar da música ter tomado o rumo da sua vida, o senhor veio a Curitiba estudar Ciências Sociais na Universidade Federal do Paraná. Então, a música sempre foi o primeiro “plano” do senhor ou isso se deu com mais força quando o senhor começou a compor com Paulo Vitola?
Foi quando comecei a entrar a no teatro. Apesar de estar faltando às aulas do primeiro ano, havia professores que assistiam às peças. Isso porque a universidade (UFPR) é muito próxima ao teatro Guaíra. Então eu estudava à tarde e ia para o teatro e ensaiava à noite, além das viagens longas que a gente tinha que fazer.

Além de Paulo Vitola, o senhor também teve uma parceria com Paulo Leminski. Como foi a experiência? Mudou o jeito de compor pelo fato de Leminski ter vindo da área da poesia propriamente dita, que não tem a melodia intrínseca como as “letras de música”.
O Vitola compõe canção, toca bem violão, só que ele parou. Leminski tocava também, moía os dedos no violão. Eu sabia um pouquinho mais do que ele. Então ele me dava as músicas dele para eu “ajeitar”, mas eu não mexia muito. O Leminski tinha a visão correta do ambiente que queria. Ele ouvia muito Bob Dylan, tinha o “negócio” das várias linguagens. Ele tinha acesso tanto à literatura quanto à música, no original. De entender de cabo a rabo. O Vitola teve uma formação basicamente publicitária e de bastante leitura. Ele sempre foi um cara muito dedicado à literatura e à escrita, por isso mesmo Leminski e Vitola eram íntimos. Onde Vitola ia, levava Leminski. Onde Leminski ia, levava Vitola. Então, quando o Leminski me deu um texto, o Vitola disse: “Ele falou para mim que ia te dar”. Não havia ciúmes nenhum. Já ouvi bastante comentário dizendo que Leminski era um cara difícil. Só que, durante os mais de 15 anos que a gente conviveu, notei que quem pintava, escrevia, era poeta, tocava ou fotografava. Ele dava uma certa preferência. Frequentava minha casa e eu frequentava a dele. Fizemos amizade, tínhamos crianças pequenas, às vezes eu até dormia lá depois que tomava umas cervejas. Então não havia problema nenhum porque estávamos juntos, cansamos de escrever juntos. Leminski e o Paulo (Vitola) eram pessoas que eu convivia diariamente, é lógico que quando a gente fez a peça “Cidade da Gente”, que era uma peça mais demorada, o Paulo (Vitola) ia na minha casa e a gente ficava horas e horas experimentando coisas, pensando em como dispor a canção. Com o Leminski era diferente. Ele dava os textos e dizia: “Este é teu”. Mas eu falava para ele que, quando estivesse pronta, ia mostrar para ele. Só fazia as coisas com o Leminski com aval dele. Tanto que, depois que ele morreu, dei tudo que tinha dele para a filha. Tinha muitos originais dele. Posteriormente, a Estrela [filha de Paulo Leminski] me pediu todas as músicas que eu tinha com ele para fazer um Songbook. O disco que eu fiz com o Leminski [Fazia Poesia] foi o primeiro que escrevi todos os arranjos do meu “jeitinho”, nada imenso.

O senhor ouve de tudo e gosta de tudo?
Eu ouço de tudo. Sempre tem alguma coisa que eu gosto. Eu não ouço muito samba “carnavalesco” porque não me interessa. Acho que é muito sazonal. É para aquele momento e não vai longe. Gosto de tudo. Tenho muita influência, na verdade, de música americana. Adoro Jazz, por exemplo Bill Evans e o pessoal mais da antiga, como Barney Kessel, Joe Pass, mas são coisas de gosto pessoal. Adoro esse pessoal do Nordeste. Tive o prazer de conhecer Dominguinhos e Gilberto Gil.

E para o futuro?
Tenho esse projeto do disco para sair até o final deste ano, pois tem todo uma pré-produção. Até final de junho, com certeza, fico aqui, quero assistir ao FUC [Festival Universitário da Canção] e aí vou para São Paulo rever a família.

Segunda Parte: A carreira

Em 1974, Paulo Vitola liderou o Movimento Atuação Paiol (MAPA). O senhor já tinha mais experiência quando chegou ao grupo. Por que o grupo não alcançou um espaço maior em âmbito nacional? Já que os grupos que interpretavam a MPB com uma “regionalidade” estavam alcançando um bom espaço, como é caso do Clube da Esquina, Novos Baianos, Os Almôndegas.
O problema era a falta de regularidade, pois no grupo tinha gente que fazia cursinho para medicina, direito, engenharias e essas pessoas seguiram nas suas respectivas carreiras. Não esperava do MAPA. Já que eram reuniões. A gente não esperava que o MAPA fosse resolver os nossos problemas. Tanto que quando ofereceram para gravar. A diretora responsável avisou que o objetivo não uma gravação para “soltar” no Brasil inteiro. Mas sim como um registro da gente. Então chegamos a gravar o disco, em 1978, sendo a última coisa que se fez no MAPA. Depois, cada um seguiu a sua. Uns continuaram na música, outros não.

Por onde passa o valor cultural e consequentemente musical de Curitiba e do Paraná? Onde a Curitiba musical acontecia? Quais os lugares? Como que era organizado a “cena” musical da época?
Tem até hoje as associações e sociedades musicais, além das músicas de concerto de Curitiba e festivais de música em Londrina. O teatro Paiol, depois que veio Vinicius de Moraes, ficou com uma programação musical imensa. Ia Gonzaguinha, Jards Macalé, Paulinho da Viola. Por isso as pessoas procuravam o Teatro Paiol, que apesar de ser um teatro pequeno e não tão bem localizado, tinha “nome”. No Teatro da Reitoria (UFPR) , sempre havia bons espetáculos. Só que voltado para apresentações de piano solo, orquestra de cordas. O Teatro Guairinha [Auditório Salvador de Ferrante] é, no meu modo de ver, o melhor teatro de Curitiba, mais eclético. Depois fizeram o Guairão [Auditório Bento Munhoz da Rocha Netto], que ficou para grandes espetáculos, como orquestras e balés. Coordenei o projeto Pixinguinha no Guairão, onde vinha artistas do Brasil inteiro que se revezavam em apresentações que ficavam em cartaz de segunda a sexta. O cenário na época era assim. Hoje tem o Espaço Cultural Capela Santa Maria que é muito boa, mas é exclusiva para concertos. Tem também o Teatro Positivo, que traz grandes espetáculos internacionais, mas as apresentações são esporádicas.

Com a globalização e a universalização da música através da Internet, o senhor acredita que tenha se perdido a identidade cultural local?
Vejo o momento. Não adianta querer comparar um tempo com o outro. Certas coisas antigas não dão nem para mexer. Uso “mesmo” a internet. O que eu não sei, eu procuro saber lá. O que acho que sei, procuro para ver se é aquilo mesmo. A gente tem acesso a tudo. Acho que isso é bom porque você ouve ou vê alguma coisa que nem imaginaria que existisse, mas existe e está lá. Acho bom que tenha acontecido esse lance tecnológico porque as pessoas saem um pouco mais da televisão. Tanto que, depois da entrada desse lance da internet, houve uma melhora da qualidade dos programas televisivos. Tenho ouvido essa gurizada nova. Às vezes estou escrevendo alguma coisa de música e estou ouvindo rádio, então tenho bastante interesse nesse lance tecnológico.

E sobre o MAPA?
Foi o primeiro disco que a Fundação Cultural fez. Na verdade, era um compacto duplo de quatro músicas. A Fundação cedia o Teatro Paiol para gente toda segunda-feira. Quando o Vitola teve que voltar para o Rio de Janeiro, fiquei na coordenação do grupo. Mas me apertei com o texto e chamei o Leminski para me ajudar. Ele topou na hora. Daí, eu falei: “Leminski, costure o texto! Fico com a parte da música lá no palco e você fica com o texto”. Ele me disse: “Vou tocar também!”. Quando Leminski entrou na jogada, começamos a fazer canções juntos. A gente se conhecia da publicidade. Ele era redator. Eu fazia jingles e trilhas e o Vitola era chefe de redação.

O MAPA conseguiu gravar um disco simples, pois a gente gravou em quatro canais. Na sequência, o Vitola escreveu “Curitiba cidade da gente”, uma peça grande. Ficamos meses ensaiando e a peça ficou meses em cartaz. Na época era a gestão do Jaime Lerner. Um dia, Lerner compareceu à peça. Ela saiu “perfeitinha”. Ele falou: “Temos que gravar esse lance. Só não sei se cabe tudo em um LP”. Daí, ele me indicou para eu ir na Fundação resolver. Então, eu e o Vitola fomos lá.

O processo foi de ir tirando música. A gente notou que não ia caber no LP. Foi quando alguém, não sei dizer quem, falou: “Faz um duplo [disco]”, Nesse momento que percebi que eles estavam afim de fazer mesmo. Aí o maestro Gaya [Lindolpho Gomes Gaya] me liga do Rio de Janeiro dizendo que vem passar uns tempos em Curitiba. Eu queria ele como meu arranjador. Ele carregava os equipamentos e instrumentos numa Kombi. O disco foi grande e demoramos dois anos para fazer. E para ficar barato, a gente ia nos horários ociosos para gravar, nunca em horários ruins, apenas quando não tinha horas marcadas para gravação.

Leminski acompanhou o tempo inteiro. Fez o glossário da capa e aparece nas fotos. Por ser um LP duplo, a gente teve um caderno gráfico imenso.

 

E sobre a gravação do álbum “Fazia Poesia”?
Depois que o Leminski morreu, Alice e as filhas me propuseram a registrar as coisas que eu tinha com o Paulo, mas também as coisas que ele fazia e que ela ouvia e que jamais foram gravadas. Falei que ia gravar as minhas músicas com ele. Fui fazendo com calma. Como havia muitas imagens do Leminski, o Vieira que é o marido da Aura [filha de Leminski] sugeriu que a gente fizesse um vídeo, com as imagens e com o depoimento. Quando resolvemos fazer o vídeo, o Vieira cedeu o estúdio que tinha. Remontamos a sala do Leminski, apenas a janela que ficou ao contrário do original [risos]. A Aura tinha tudo guardado em baús. Só quem foi lá que poderia testemunhar que não estava conforme era.

Eu, Alice e Aura ficamos escolhendo os poemas, as músicas que iriam entrar. Foi dividido em duas etapas. Primeiro foi a etapa de poemas e cenários lá do estúdio do Vieira. A parte de música, eu e o Vitola fizemos em um outro estúdio. Mas com a mesma direção e captação. Quando eu estava gravando o “Fazia Poesia”, já aproveitei e fiz das várias músicas, várias trilhas, pensando em utilizar no vídeo. Mesmo quando tivessem recitando poema, poderia ter uma música de fundo que não fosse cantada.

 

Ficha Técnica
Reportagem: Vítor Almeida
Foto: Vítor Almeida
Edição: Alunos do 2º. ano de Jornalismo e Cícero Goytacaz
Supervisão: Professores Angela Aguiar, Ben-Hur Demeneck, Fernanda Cavassana, Hebe Gonçalves e Rafael Kondlatsch

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