Existem diversos casos que mostram como o jornalismo falha na cobertura de tragédias. Principalmente quando se trata de abordagem das fontes. Nesses momentos, o jornalista pode ferir preceitos éticos da profissão, não respeitando a privacidade dos cidadãos ou no modo como aborda os entrevistados. Estas abordagens, como foram feitas nos casos que falarei a seguir, são invasivas e claramente com o objetivo de dar o furo de reportagem. Porém, de acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, “o jornalista não pode divulgar informações de caráter mórbido, sensacionalista ou contrário aos valores humanos, especialmente em cobertura de crimes e acidentes”.

O massacre de Suzano é um desses casos. A tragédia aconteceu no dia 13 de março de 2019, na escola Professor Raul Brasil, no município de Suzano localizado no estado de São Paulo. Nesse dia, dois ex-alunos do colégio, um homem e um adolescente, entraram no local e mataram alunos e funcionários. Além dos mortos, alguns alunos ficaram feridos.

Depois, o adolescente matou o homem e em seguida cometeu suicídio. Segundo as investigações, o ataque estava sendo planejado por um ano. Os criminosos tinham um carro alugado e algumas armas para realizar o crime.

Com o acontecimento, a imprensa começou a realizar a cobertura e, em pouco tempo, todo o Brasil já estava acompanhando a tragédia ao vivo. Alguns dos casos que mais expuseram e repercutiram esse comportamento antiético na abordagem de personagens foram de repórteres da televisão, como Márcia Dantas (SBT) e Marcelo Moreira (Band).

Os dois repórteres estavam no local pouco depois do ocorrido, ou seja, as pessoas envolvidas ainda estavam tentando saber o que tinha acontecido e absorver as informações. Márcia Dantas chegou na escola, onde estavam concentradas diversas pessoas, de uma maneira em que representava desespero, estava afobada e correndo. Abordava suas fontes de maneira invasiva e desesperada. Como cita Rogério Christofoletti (2008), a ética não é apenas um acessório do jornalismo, ela se mistura com a qualidade do trabalho. Segundo ele, o jornalista precisa dominar os equipamentos e a linguagem (a técnica) mas não deve deixar seus valores de lado, dessa forma “podem tentar suspender suas opiniões em certos momentos, mas, se por acaso esquecerem suas funções e suas relações com o público, vão colocar tudo a perder” (Christofoletti, 2008, p.11).

Marcelo Moreira acompanha a mãe de um dos atiradores para realizar uma entrevista. E, durante o trajeto, é possível perceber como a mulher fica incomodada com a situação. A entrevista foi feita no mesmo dia do massacre, ela não sabia muito bem sobre o ocorrido e estava a caminho da casa de seu pai para procurar mais informações. De certo modo, a insistência em realizar a entrevista, durante um momento difícil para a fonte, pode ser considerada um tipo de invasão de privacidade. 

Em um momento da entrevista, o repórter, depois de receber apenas respostas curtas para as perguntas feitas, falou a seguinte frase: “é importante você falar para defender a honra da tua família”. E em seguida a pergunta: “você se sente culpada de alguma forma?”. Essas perguntas feitas pelo repórter são insignificantes, não contêm informações. Além de serem antiéticas, podem orientar de forma inadequada a posição da entrevista. O jornalista não deve desrespeitar a fonte incitando o que ela deveria dizer, nem dizer que ela teria alguma culpa do ocorrido, como fez na entrevista. 

Com isso, acredito que seja importante frisar que o jornalista é totalmente responsável pelas consequências geradas pela sua reportagem, como informa o Código de Ética da profissão “o jornalista é responsável por toda a informação que divulga, desde que seu trabalho não tenha sido alterado por terceiros, caso em que a responsabilidade pela alteração será de seu autor”. E abordado também por Christofoletti (2008, p. 18), “pensamentos levam a julgamentos, que formam conceitos e que motivam ações. Essas ações acabam influenciando pessoas, incomodando outras, aliviando terceiras. Podem gerar benefícios ou prejuízos, cenários positivos e negativos. Um ato não se encerra nele mesmo. Há consequências. De novo, entra em cena a responsabilidade.”

Além disso, o cinegrafista também não respeitava a privacidade  e imagem da entrevistada a todo momento. Ela escondia o rosto para evitar ser mostrada e o operador de câmera mudava o ângulo insistentemente para conseguir capturar o que ela estava escondendo, a sua própria identidade. O Código de Ética dos Jornalistas brasileiros aponta que o jornalista não pode expor pessoas que estão sendo ameaçadas, exploradas ou correndo risco de vida. Dessa forma é proibido identificar “mesmo que parcial, pela voz, traços físicos, indicação de locais de trabalho ou residência, ou quaisquer outros sinais”. O que deveria ser respeitado durante a entrevista, já que a fonte é mãe de um dos atiradores.

Dessa forma, é possível dizer que é claro que o jornalismo tem o dever de informar mas, principalmente em momentos trágicos, os jornalistas devem ser mais humanos e naturais. Não devem buscar desesperadamente a informação, precisam ter o comprometimento com a ética. E ainda precisam tomar cuidado com as formas de abordagem dos entrevistados nesses momentos delicados, a imagem e a privacidade deles deve ser respeitada. Isso está explícito no Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, é dever do jornalista “respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão” bem como “ tratar com respeito todas as pessoas mencionadas nas informações que divulgar”. Normas que não foram cumpridas por Marcelo Moreira e Márcia Dantas na cobertura desse acontecimento.

 

*Este texto, produzido na disciplina de Ética e Legislação em Jornalismo, expressa a opinião da autora e não se vincula à opinião do Portal Periódico.

 

Referências

CHRISTOFOLETTI, Rogerio. Ética no jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.
FENAJ. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. 2007.
MOREIRA, Marcelo. Mãe de atirador diz não saber o que motivou atitude do filho. Vídeos Band UOL. 13 de março de 2019.

 

Ficha Técnica
Texto: Amanda Dombrowski
Revisão: Professora Fernanda Cavassana
Supervisão: Professoras Angela Aguiar e Fernanda Cavassana

 

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