O jornalismo, enquanto instituição que representa o interesse público, deve tratar temas que são sensíveis e relevantes para a sociedade, como os feminicídios. Esta é uma contribuição importante para o debate público, que colabora com a pluralidade e pode ser compreendido como um comportamento ético do jornalismo, considerando o compromisso profissional com os direitos humanos e aquilo que se espera da prática.

O caso Nathalia Deen chocou os Campos Gerais. Em 6 de abril de 2018, Nathalia foi encontrada morta em seu apartamento no bairro de Uvaranas, em Ponta Grossa. A jovem foi morta a facadas e seu irmão, que morava com ela, também sofreu lesões. O principal suspeito do crime era seu ex-namorado, que pouco tempo depois do acontecimento foi encontrado no Campus de Uvaranas da UEPG quebrando uma janela de vidro e utilizando os cacos para cortar os pulsos, na tentativa de tirar a própria vida. Os vigilantes que o encontraram recorreram à PM, que retiraram o rapaz inconsciente do local, ele foi atendido e levado para um hospital da cidade.


Pouco tempo depois, no mesmo dia, a jovem foi reconhecida como Nathalia Deen, estudante do quinto ano de Agronomia na UEPG, ela tinha 22 anos e era natural de Castro. Seu irmão, Carlos Deen, também foi esfaqueado, sobreviveu e foi levado a um hospital da cidade. Ele tinha 19 anos.

Esse caso teve grande repercussão na mídia ponta-grossense e, neste artigo, será analisada especificamente a cobertura do Portal ARede sobre o crime, para compreender se o jornal tratou o caso de maneira ética ou não. Por exemplo, em um período de cinco meses, foram postadas 23 reportagens, de abril a agosto de 2018, sobre o crime. Algumas delas não tratavam exclusivamente o caso, mas o pautavam como exemplo para outro assunto, há duas reportagens neste estilo.

Abordar jornalisticamente os assassinatos femininos no Brasil está relacionado à aprovação da Lei do Feminicídio, em vigor desde 2015, que caracteriza o crime como um agravante para um homicídio. É possível observar a incidência desses crimes a partir dos dados do Mapa da Violência sobre o homicídio de mulheres.

A mídia e o jornalismo, devido à relevância diante da sociedade e na produção de opinião, têm papel fundamental na criação de visibilidade sobre o tema. Assim, não deveria somente informar sobre o assunto, mas contribuir para o fim da prática na sociedade, divulgando informações e análises, que colaboram para a formação da opinião pública contra esse tipo de crime.

É possível reconhecer de que forma os enunciados influenciam sobre a percepção de verdade. Informar sobre acontecimentos pode servir de estratégia para influenciar discursos a respeito de determinado tema. O jornalismo feito pelo Portal ARede diante do feminicídio de Nathalia cumpriu o que se esperava dele, pois apenas informou o fato que ocorreu, sem pré-julgamentos e opiniões do jornalista que escreveu.

Nesse caso, a forma que o portal ARede trata do crime que aconteceu, com relação à vítima ou ao suspeito, colabora para formar a opinião do público. Por esse motivo, é necessário que o jornal trate o assunto com clareza, ética e responsabilidade.

"Atualmente, a informação é importante [...] para que saibamos aquilo que acontece nas distintas regiões do mundo e nos posicionarmos diante de culturas, comportamentos, política, economia, etc [...] falar em direito, em moral e em ética não é, portanto, somente nos rendermos às evidências do que já existe [...] a potencialidade de intervir no futuro social da humanidade" (Karam, 1997, p. 25).

 

Este jornal já foi alvo de críticas duras ao seu jornalismo, pois muitas vezes noticiou reportagens com pouca apuração, para dar a notícia o mais rápido possível. Essa baixa qualidade de apuração afasta o jornalismo da verdade. O Código de Ética da Federação Nacional dos Jornalistas - FENAJ (2007) destaca no capítulo III, artigo 4º, que: “o compromisso fundamental do jornalista é com a verdade no relato dos fatos, razão pela qual ele deve pautar seu trabalho pela precisa apuração e pela sua correta divulgação”.

É preciso dar visibilidade para casos como o da Nathalia Deen, mas, por outro lado, também é preciso cuidar da forma com que se dá a notícia, pois é um caso delicado que trata de feminicídio. Dependendo da forma que o crime é tratado, pode-se erroneamente culpar a vítima.

A violência contra a mulher tem sido pauta com maior frequência nos jornais. No entanto, além de verificar a presença do tema no noticiário, é preciso compreender como os enunciados são construídos e quais discursos são colocados em circulação.

As fontes ouvidas por ARede foram exclusivamente os advogados da vítima e do suspeito. Outra fonte utilizada foi a delegada que tratava do caso, que concedeu uma entrevista exclusiva ao portal, existiu pluralidade de fontes, pois os dois lados foram ouvidos. O veículo não divulgou nenhuma imagem que ferisse a vítima ou que colocasse o suspeito do crime como o autor. Somente foi publicado um vídeo que mostrava o suspeito pulando o muro do condomínio onde a moça morava.

O jornalista deve ser uma espécie de guardião e observador, que difunde as notícias e fomenta debates na sociedade. O jornal foi correto ao ter a decisão de não divulgar imagens fortes e, ao dar a notícia, não explicitar nenhuma opinião que favorecesse alguma versão dos fatos. É importante tratar desse tipo de notícia para dar visibilidade a esse tipo de crime, que ainda não é tratado com frequência na mídia brasileira, por mais que sejam casos recorrentes.

*Este texto, produzido na disciplina de Ética e Legislação em Jornalismo, expressa a opinião da autora e não se vincula à opinião do Portal Periódico.

 

Referências
Código de Ética dos Jornalistas Brasileiro. FENAJ. 2007.
KARAM, Francisco José. Jornalismo, ética e liberdade. São Paulo: Summus, 1997.
WAISELFISZ, Julio. Mapa da Violência 2015: Homicídios de Mulheres no Brasil. Rio de Janeiro: Flacso, 2015.

 

Ficha Técnica
Texto: Fabiana Manganotti
Revisão: Professora Fernanda Cavassana
Supervisão: Professoras Angela Aguiar e Fernanda Cavassana

 

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