A canção “Desconstrução”, de Tiago Iorc, é a primeira faixa do álbum Reconstrução, lançado em 2019. Composta por Iorc, a música retrata a (de)pressão causada pelas redes sociais e as relações líquidas.
A história cantada pelo músico parece ser de uma garota tímida que não tinha os pais presentes e, por isso, buscou a atenção de outras pessoas. Tal busca por atenção nas redes sociais é um pedido de ajuda de pessoas que tentam preencher o vazio que sentem. Só que nem sempre este pedido é ouvido; como diz um dos versos da canção: “Ninguém notou a sua depressão. Seguiu o bando a deslizar a mão para assegurar uma curtida”.
A falta de sensibilidade para não perceber que o outro precisa de ajuda é resultado de querer mostrar uma vida perfeita nas redes sociais. Acredito que isso gera pressão e depressão em quem não se encaixa no padrão. Nós perdemos nossa sensibilidade porque só enxergamos o que o outro posta e convenhamos que a maioria das pessoas não gosta de aparentar uma vida imperfeita no mundo virtual.
A música ainda nos convida a refletir sobre as relações líquidas. O filósofo e sociólogo polônes Zygmunt Bauman defende a tese da sociedade líquida, pois, com o decorrer do tempo, as relações estão ficando cada vez mais superficiais e o contato entre indivíduos fora do mundo virtual está cada vez menor. No verso “Viralizou no cio da ruína, ela era só uma menina”, é perceptível que a personagem da música estava descobrindo o mundo e a si mesma, e acabou chegando à ruína porque as relações estabelecidas por ela eram tão superficiais que não perceberam que ela precisava de ajuda.
Isto é um triste retrato de que as redes sociais estão minando as relações e contatos entre indivíduos fora do mundo virtual. A reflexão causada pela melancólica canção de Tiago Iorc é profunda e nos faz visitar memórias e questionamentos que estão escondidos em nossa mente, o que pode ser desconfortável porque a música toca brilhantemente em aspectos que nós não queremos tocar. Ela, apesar dos pesares, possui a sensibilidade que nos tem faltado.
Iorc poderia ter sido mais brilhante na parte final da canção, porém. Nos versos “estilhaçou seu corpo celular. Saiu de cena pra se aliviar. Vestiu o drama uma última vez. Se liquidou em sua liquidez”, ele poderia ter explorado a questão do suícidio de uma forma mais aprofundada ou até mesmo sair da obviedade, se a intenção é retratar a (de)pressão das redes sociais, porque o suícidio vem bem antes da morte e, geralmente, há mais de um motivo.
Além de provocar reflexão, Tiago Iorc beirou a genialidade na composição desta música. Isso se deve ao fato de que dialogou com a canção “Construção”, de Chico Buarque, lançada, em 1971, no álbum de mesmo nome. Buarque compôs a música com versos terminando em proparoxítonas. Iorc compôs “Desconstrução” com versos acabando em oxítonas e demonstrando que a música brasileira respira — mesmo que com a ajuda de aparelhos.
A escolha de Buarque por palavras proparoxítonas e a escolha de Iorc por oxítonas terminando os versos estão relacionadas ao ritmo, que tem o objetivo de deixar o ouvinte cada vez mais envolvido nas histórias de ambas canções. Eles conseguem.
Ficha Técnica
Aluno: Gabriela de Paula Oliveira
Publicação: Isadora Ricardo
Supervisão de produção: Marcos Zibordi
Supervisão de publicação: Marcos Zibordi e Mauricio Liesen