Por descumprir limite da Lei da Responsabilidade Fiscal, gestão estaria impedida de contratar funcionários

A Prefeitura Municipal de Ponta Grossa contratou 285 funcionários acima do limite prudencial desde 2017. Dados disponibilizados no Portal do Servidor da Prefeitura (na página Demonstrativos de Pagamento Geral) indicam que, de junho a dezembro de 2017, foram realizadas 53 contratações. Em 2018 e 2019 foram, respectivamente 111 e 121 admissões. Atualmente a Prefeitura mantém 152 funcionários que foram contratados dentro deste período.

Desde 2017, a gestão do Prefeito Marcelo Rangel (PSDB) ultrapassa 95% do limite máximo das despesas com pessoal e não poderia contratar ou nomear cargos efetivos ou temporários, conforme reportagem publicada pelo Foca Livre em novembro (edição 213).

Pelo artigo 22 da Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000 (Lei da Responsabilidade Fiscal), quando o município excede a porcentagem prudencial de 51,3% dos gastos com pessoal, o gestor fica impossibilitado de criar funções, contratar em horas extras, alterar estrutura da carreira ou nomear qualquer cargo, com exceção da reposição de morte ou aposentadoria de servidores das áreas da saúde, segurança e educação.

A Constituição Federal (Artigo 65, parágrafo 3º) institui que o relatório referente à despesa tem até 30 dias para divulgação. No parecer do 1º quadrimestre de 2017, disponível no Portal da Transparência da Prefeitura de Ponta Grossa, as despesas com pessoal somam 53,45%. Após o tempo de publicação, o município deve diminuir em dois quadrimestres, demitindo primeiramente os funcionários comissionados. Mas, apenas em junho de 2017, foram admitidos 10 novos funcionários, sendo sete em cargos comissionados.

A Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos (SMARH) é a que absorveu mais contratos neste período, seguida pela Secretaria Municipal Políticas Públicas Sociais (SMPPS), com 90 e 23 em cada uma delas, respectivamente, nos períodos de junho a dezembro de 2017, 2018 e 2019. Somente os dois órgãos somam 113 contratações, o que corresponde a 40%, ou seja, mais de um terço do número total. Por ano, a SMARH contratou 11, 21 e 58 funcionários, enquanto que na SMPPS foram 8, 9 e 6 contratações.

No levantamento dos dados do Portal do Servidor não foram contabilizados o número de servidores da Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública (SMCSP), da Secretaria Municipal de Educação (SME), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) e da Fundação Municipal de Saúde (FMS), além dos funcionários com funções da área da saúde, educação e segurança, por considerar que a LRF não determina as funções dos funcionários para os diferentes órgãos da Prefeitura.

 

180 contratos ilegais ocupam cargos comissionados

Cerca de 65% (180 funcionários) dos servidores contratados entre junho de 2017 a novembro de 2019 foram para cargos comissionados. Atualmente trabalham na Prefeitura 275 pessoas em cargos não estáveis. Do total de contratos no período do levantamento, 120 ainda continuam trabalhando.

A partir de junho de 2017, 2018 e 2019, foram contratados respectivamente 47, 63 e 70 pessoas. Em 2015 e 2016, foram registrados em alguns quadrimestres o valor acima do limite prudencial.

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O Sindicato dos Servidores Municipais de Ponta Grosa (SindServ) pede a redução de pelo menos 20% dos comissionados, ou seja, 55 funcionários, conforme reivindicação na Câmara de Vereadores, para tetos a cargos comissionados, noticiada pelo Foca Livre em novembro deste ano. Pela Constituição Federal, o município precisa reduzir pelo menos 20% das despesas com cargos de comissão e funções de confiança, além da exoneração dos servidores não estáveis. Se mesmo assim não for suficiente, os servidores estáveis poderão perder o cargo. Os efetivos despedidos são compensados financeiramente pela lei e seus cargos são extintos, não podendo ser ocupados por outros funcionários.

Em resposta à reportagem publicada pelo Foca Livre nº213, a assessoria da Prefeitura informou que os comissionados representam apenas 3,5% do total de funcionários e que a folha de pagamento chega a menos de 2% dos R$ 30 milhões por mês para os cargos efetivos. Além disso, os comissionados não têm direito a nenhum outro benefício, apenas o salário.

Para o presidente SindServ, Roberto Ferensovicz, o fato de o município estar acima do limite prudencial afeta o direito dos servidores de Ponta Grossa. A falta de pessoal prejudica principalmente a área da educação e saúde. Como a Prefeitura está impedida de realizar concurso público para a entrada de novos efetivos, ela só realiza contratos temporários.

“O ponto principal são as nomeações ilegais”, afirma o presidente do SindServ. Ferensovicz frisa que, mesmo ocorrendo exonerações, após atingir o limite não poderia haver contratações de comissionados, nem de efetivos.

 

Prefeitura recebe novo alerta do TCE-PR por descumprir ‘limite máximo’

A gestão do prefeito Marcelo Rangel (PSDB) recebeu novo alerta do Tribunal de Contas do Estados do Paraná (TCE-PR), em 5 de dezembro, por descumprir o limite máximo permitido pela Lei de Responsabilidade Fiscal. O aviso foi publicado no Diário Eletrônico do TCE-PR (Nº 2200/2019). Pela LRF, o Executivo pode gastar com pessoal até 54% da receita corrente líquida, sendo o limite máximo. Porém quando alcança o limite prudencial, de 51,3%, o município já fica impossibilitado de algumas atitudes como nomeação de cargos.

Em setembro deste ano, Rangel chegou a receber o primeiro alerta referente ao limite máximo. No novo ato de alerta do TCE-PR, está disposto que a partir da extrapolação deve reduzir 1/3 do excesso em dois quadrimestres e nos outros dois retornar para abaixo de 54% da Receita Corrente Líquida. Após dois quadrimestres, o prefeito Marcelo Rangel deveria ter reduzido 0,54% nas despesas de pessoal, mas apenas abaixou 0,37% (para 55,25%). Nos relatórios de setembro e outubro do TCE-PR constam variações nos números, com 55,47% e 55,21% os gastos com pessoal respectivamente. Porém a redução não chegou ao limite de 54%, conforme determinado pela LRF. O dado de novembro deste ano ainda não foi divulgado.

 

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Presidente da Câmara alega que “prefeito não extrapolou gastos com pessoal”

O presidente da Câmara de Vereadores de Ponta Grossa, Daniel Mila (PV), afirmou que “o prefeito não extrapolou no momento das contratações a questão do limite prudencial”. O presidente disse que, em diálogo com o TCE-PR, “as contas do município estão dentro do estipulado”. “A argumentação do prefeito [de Ponta Grossa, Marcelo Rangel] hoje é de que não tem a questão limite prudencial extrapolado. No entanto, ele consegue fazer as contratações sem que tenha esse prejuízo”, relata Mila. De acordo com o vereador, o papel da Câmara é analisar os relatórios do Tribunal de Contas do Estado e verificar a situação do município em relação aos dados fornecidos pela administração municipal.

O vereador e advogado Pietro Arnaud (REDE) afirmou ser “totalmente ilegal qualquer contratação do município” dentro deste período em que se encontra acima do limite prudencial. “Eventuais criações de cargos, empregos ou funções, alteração na estrutura do Município e contratações de empréstimos como operações de crédito realizadas pelo Município de Ponta Grossa, podem ser considerados atos de improbidade administrativa praticado por administradores do Município de Ponta Grossa, em decorrência do artigo 10 da Lei 8.429/92 [Lei de Improbidade Administrativa]. O vereador disse ainda que tem tomado medidas contra possíveis irregularidades: “Já estamos denunciando aos órgãos competentes, como TCE, e espera-se um protocolo de uma ação judicial”.

O vereador ainda citou que no dia 5 de dezembro o Prefeito Marcelo Rangel recebeu mais um alerta pelo Diário Eletrônico do TCE-PR (Nº 2200/2019), o que comprovaria que o município extrapolou nos gastos. No ato do diário o aviso afirma que a cidade, nos dois quadrimestres deste ano, esteve acima do limite máximo de 54%.

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A assessoria da impressa do Tribunal de Contas do Paraná (TCE-PR) reforçou que não pode haver nenhuma contratação, exceto nos casos de nomeações para repor servidores aposentados ou falecidos nas áreas de educação, saúde e segurança. “O fato de o Tribunal de Contas emitir ou não alerta sobre o problema não influi na necessidade de o gestor adotar as medidas determinadas pela lei para corrigir a situação. O alerta serve exatamente para isso: alertar o gestor sobre a necessidade – da qual ele, na maioria dos casos, já está ciente – de tomar providências imediatas para adequar a realidade da gestão municipal às determinações da LRF”.

 

Prefeitura afirma que contratações seguem Lei de Responsabilidade

A assessoria de imprensa da Prefeitura Municipal de Ponta Grossa respondeu, por e-mail à reportagem, que as contratações de pessoal seguem a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): “As contratações realizadas no período estão dentro das exceções previstas pelas LRF: para a reposição por aposentadoria ou morte, ou para atender à necessidade nas áreas autorizadas. A Controladoria tem conhecimento do índice de pessoal do Município e vem orientando as secretarias e órgãos sobre a necessidade de redução. Entre as medidas adotadas pela Prefeitura estão a redução das horas extras, revisão de Funções Gratificadas e aumento da receita do município. A exoneração de cargos em comissão é uma das medidas previstas pela legislação para a redução do índice”.
A reportagem tentou ainda falar diretamente com a Controladoria Geral do Município. A assessoria de imprensa da Prefeitura de Ponta Grossa informou a impossibilidade de o órgão atender à reportagem até o fechamento desta edição.

 

Apuração dos dados

Todos os dados apurados na quantidade de funcionários irregulares se encontram no Portal do Servidor da Secretaria Municipal de Administração e Recursos Humanos. Na página Demonstrativos de Pagamentos dos dados estatísticos gerais está disponibilizado todos os funcionários que já foram admitidos no município junto com informações sobre a função, secretaria que trabalha e data de admissão e data de demissão/transferência.

Nesta página foi filtrado os resultados por ano (2017, 2018 e 2019) e transferidos tudo para uma tabela do Excel. Após isso foi excluído aqueles funcionários que foram demitidos dentro do período, porém foram admitidos em anos anteriores, e também aqueles ligados a Secretaria Municipal de Educação, Secretaria Municipal de Cidadania e Segurança Pública, Secretaria Municipal de Saúde, Fundação Municipal de Saúde e aqueles profissionais das áreas da educação, segurança e saúde que não fosse dos respectivos órgãos. O portal não permite apurar se essas admissões são decorrentes de reposição de morte ou aposentadoria.

A partir desta tabela, basta filtrar a quantidade contratada por cada órgão, os cargos em comissão e aqueles que não foram demitidos/transferidos para saber os outros resultados da reportagem.

 

Ficha Técnica:
Produção: Emanuelle Soares
Edição: Gabriel Germano Busatto e João Paulo Pacheco
Infografia: Emanuelle Soares
Supervisão: Professores Angela Aguiar, Ben-Hur Demenek, Fernanda Cavassana, Hebe Gonçalves e Rafael Kondlastch