Especialistas analisam impacto de demonstrações racistas e nazistas em grupo de Whatsapp de universitários e em instituição de ensino

Até que ponto o humor e a liberdade de expressão são aceitos como desculpas para justificar atitudes racistas e nazistas? Os últimos meses em Ponta Grossa serviram para mostrar que as pessoas têm memória curta ao deixarem a consciência histórica de lado. Alguns estudantes do curso de Agronomia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) compartilharam stickers (figurinhas) de cunho racistas através de um aplicativo de mensagem instantânea. Poucos dias depois, uma professora do Colégio Sagrada Família fez uma saudação nazista dentro da sala de aula. Ambos os casos ganharam destaque na mídia nacional em veículos como Mídia Ninja, Grupo Globo, Folha de S. Paulo. 

As duas situações ocorreram em um intervalo de um mês e mostraram que tais atitudes são estruturantes da sociedade brasileira por serem vistas como algo comum, segundo o professor e doutor em sociologia e direito penal, Aknaton Toczek Souza. “Tanto as atitudes racistas como a apologia ao nazismo são vistas como ações absolutamente comuns no Brasil, uma vez que nós nos sentimos até mesmo constrangidos a expressar alguma opinião contrária”, avalia. 

Aknaton completa que as reações aos atos são consequências das inúmeras interações humanas. Poucas são as manifestações contrárias, pois as pessoas têm receio de se posicionar mesmo diante de expressões que humilham e ridicularizam. O professor ressalta ainda a fantasia que alguns brasileiros têm de serem identificados como europeus. “O que mostra ser reflexo de uma dimensão moral e racial originada desde a escravidão, pois essas atitudes mostram a expectativa das pessoas em buscar ser aquilo que não são”, destaca.

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Protesto contra atos preconceituosos em Ponta Grossa / Foto: Debora Chacarski/Arquivo Lente Quente

Desde 2017, Bruno Marques atua como psicanalista na região dos Campos Gerais e, assim como Aknaton, aponta que casos como esses ocorrem com frequência. “O que se vê atualmente, é que tais atos se tornaram mais comuns devido à popularização da internet”, completa. Marques afirma que atitudes racistas e fascistas ganharam mais destaque na sociedade brasileira por conta da representação política atual. “Existe uma identificação com esses movimentos, por ter quem os acolha dentro e fora das redes sociais, alimentando pensamentos criminosos, pois essas atitudes são criminosas”, reforça. 

Crimes

Conforme a Lei 9.459 de 1997, ambos os casos são considerados crimes. O ato de racismo cometido pelos alunos da UEPG se insere no artigo 20, sendo crime “praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”. Enquanto a saudação nazista da professora de redação do Colégio Sagrada Família de Ponta Grossa se enquadra no inciso I do mesmo artigo, que considera violação “fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo”. No Brasil, a pena é de reclusão de dois a cinco anos e multa.

Papel da educação

O filósofo e Pró-Reitor de Graduação (PROGRAD/UEPG), Carlos Willians Jaques Morais, salienta a importância da educação na hora de abordar casos semelhantes. “Os dois casos aconteceram dentro de instituições de ensino, o que é estranho, pois é justamente através da educação que se supera as tentativas de superioridade entre os sujeitos”. Para o filósofo, as duas situações refletem o vício que as pessoas sentem por objetivar a superioridade. 

Jaques Morais usa como exemplo a obra Educação e emancipação, do filósofo alemão Theodor Adorno, mais especificamente o capítulo Educação após Auschwitz. Neste trecho do livro, o autor fala sobre a importância da educação após o fim da Segunda Guerra Mundial para que o passado não se repita. “As instituições deveriam zelar por processos civilizatórios, mas, ao que parece, nos remete ao contrário de tudo que é civilizatório, nos remete ao bárbaro", conclui Jaques ao citar a passagem do livro.

 

Ficha técnica:

Reportagem: Leriany Barbosa

Edição e publicação: Bettina Guarienti e Isadora Ricardo

Supervisão de produção: Muriel E. P. Amaral

Supervisão de publicação: Cândida de Oliveira, Marcelo Bronoski e Ricardo Tesseroli