Cerca de 70 famílias obtém o direito ao território para o exercício da agricultura após mais de duas décadas
A comunidade se divide em mais de 50 unidades produtivas | Foto: Naiomi Mainardes
Depois de 21 anos de sua criação, em agosto de 2003, a comunidade Emiliano Zapata, localizada no distrito de Itaiacoca, obteve o direito à terra e se tornou um assentamento reconhecido pelo Estado. A celebração, que aconteceu no dia 16 de março, contou com a presença de moradores, apoiadores e representantes de instituições relevantes para a história do território ocupado.
Após décadas de negociação em acampamento, até mesmo sem energia elétrica em alguns momentos, segundo relatos de moradores, a comemoração da reforma agrária é uma vitória para a redistribuição de terras. Os moradores construíram um banheiro coletivo para a festividade, assim como ofereceram almoço gratuito produzido nas terras do próprio assentamento. Além do ato político, a programação contou com visita às unidades produtivas, música ao vivo, auriculoterapia e feiras promovidas por vendedores externos, moradores e também pela Incubadora de Empreendimentos Solidários (IESOL).
A propriedade, a cerca de 20 quilômetros de Ponta Grossa, era uma propriedade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Em 31 de agosto de 2001, a área foi ocupada e, então, iniciou-se um processo de recuperação do solo para produção de agricultura não-intensiva voltada para alimentação.
Célio Rodrigues, agricultor familiar, afirma que o grupo ocupou o território por ser o maior latifúndio individual do município de Ponta Grossa, com um total de 5 mil hectares. “Essa é uma área pública que estava sendo desviada de sua função, sendo descrita como destinada a pesquisa de tecnologia em agricultura, mas foi entregue a uma empresa para a produção de pinus e dois fazendeiros”, afirma Célio.
O então acampamento, organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), é o segundo assentamento a ser efetivado no Paraná. Ainda existem cerca de 7 mil famílias, distribuídas em 82 acampamentos, a serem assentadas até 2026 no estado. O primeiro assentamento no Paraná está localizado em Castro, se chama Maria Rosa do Contestado e abriga aproximadamente 60 famílias.
As diferentes unidades produtivas são divididas em grupos nomeados em homenagem a figuras históricas | Foto: Naiomi Mainardes
A importância da agricultura familiar
De acordo com o Governo do Estado do Paraná, aproximadamente 80% dos estabelecimentos agropecuários são regidos por núcleos familiares. A multicultura, utilização responsável de recursos naturais, manutenção da biodiversidade e menor impacto ambiental são alguns dos benefícios da agricultura familiar.
No assentamento, além da valorização do pequeno produtor, muitas das produções possuem certificação de orgânico, caracterizada pelo baixo ou nulo uso de agrotóxicos e processo extrativista sustentável. O professor do departamento de Agronomia da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) , Carlos Hugo Rocha, pontua: “A agricultura familiar agrega um valor em sua produção que se aproxima do agronegócio. O Paraná tem a característica de ser um dos estados com uma distribuição de terra um pouco melhor que o resto do Brasil, não que ela seja boa, mas é menos pior que nos outros estados do Brasil.”
O professor afirma que o pequeno produtor não possui recursos para produzir em larga escala, portanto não consegue competir com o grande agricultor e obtém margem de lucro pequena. “Essa relação é perversa porque ela expulsa a pequena propriedade”, afirma Rocha. “Uma propriedade de 20 hectares produzia soja, mas hoje ela é inviável como produtora porque não gera renda, isso leva a concentração de terra. Tudo isso com subsídio do estado’’, finaliza.
Em parceria com a Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG), os acampados passaram por capacitações para que, então, pudessem mitigar os desequilíbrios causados pela antiga plantação e obter os melhores resultados em suas culturas. Apesar da inexistência de um projeto da instituição voltado especialmente ao assentamento, o professor afirma que a universidade serviu em diferentes demandas, incluindo burocracias e serviços topográficos. “A gente precisa de novas alternativas, possibilidades e políticas associadas à produção da pequena propriedade, e algumas experiências como é o caso aqui [do assentamento] são exemplos da agricultura familiar verdadeiramente sustentável, com base em agregar valor no trabalho familiar, principalmente em tempos de crise climática”, finaliza Carlos.
Wellington Dias, Ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil (MDS), esteve presente na comemoração. O ministro anunciou uma parceria para a integração de famílias em situação vulnerável do assentamento ao programa Fomento Rural. A iniciativa disponibiliza R$4.600 a cada família para que destinem trabalho a atividades produtivas em suas terras. “É uma parceria entre o MDS e a Itaipu. O MDS entra com a verba e a Itaipu com o auxílio técnico, para que as mulheres possam produzir em seus quintais”, explica Célio Rodrigues. “Isso vai ser estendido a 2500 mulheres do país”, finaliza.
A organização do evento estima cerca de 1000 pessoas na celebração | Foto: Victor Schinato
Uma história de luta
Ao serem reconhecidos como assentamento, os moradores da comunidade podem ter apoio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e possuem a garantia de que seus direitos serão respeitados, sem novas tentativas de despejo na luta contra uma terra.
Nelson Antônio Rodrigues, lavrador e morador do assentamento desde a ocupação, relembra o caminho até a oficialização da comunidade. “O começo foi difícil, porque quando a gente vem pra cá, a gente acha que tão rápido vai sair um assentamento, e não é bem assim. Já são 21 anos, tem muita trava no meio”.
Ao ser questionado sobre o conflito por posse de terras, o lavrador disse: “Um pobre hoje não consegue comprar uma terra. A terra está tudo na mão do capitalismo, que não deixa o pequeno crescer”, afirma Nelson. “Nós que produzimos a comida, é o pequeno que põe a comida na mesa, um grande latifundiário jamais vai plantar uma mandioca ou um pé de abóbora’’, finaliza.
O morador ainda pontua o papel da mídia na construção da imagem dos assentados na sociedade, afirmando que se houvesse maior cobertura e aprofundamento na vivência dos assentamentos e pequenos produtores, existiria um maior apoio à reforma agrária. É válido ressaltar a ausência de grandes veículos de imprensa no evento, mesmo com a presença de indivíduos com expressiva presença política e confirmação da parceria entre o Ministério Federal e uma grande empresa binacional. “Isso aqui é uma grande conquista pra mim, porque eu perdi três pessoas. Eu perdi um filho de 10 anos. Depois, perdi meu irmão, que veio aqui comigo. E, então, perdi minha mãe, que estava aqui também. Jamais vou abandonar isso aqui”, encerra Nelson.
Confira abaixo o infográfico que detalha artigos relevantes da Lei da Reforma Agrária, N°8.629 de 1993.
Ficha Técnica:
Produção: Victor Schinato
Edição e publicação: Karen Stinsky
Supervisão de produção: Luiza Carolina dos Santos
Supervisão de publicação: Luiza Carolina dos Santos e Candida de Oliveira