Só a Netflix prepara 20 produções no Brasil até 2023

 

Resumo

  • Produções da Netflix, a maior do ramo, crescem 66% desde a estreia, em 2017
  • Contracapa, da produtora paranaense GP7 Cinema, integra o catálogo da Amazon Prime Video
  • O Brasil é o segundo país que mais consome serviços de streaming no mundo
  • Para Cássio Kelm, cineasta independente de Ponta Grossa, a centralização da produção pode representar um retrocesso

 

Os serviços de streaming funcionam como locadoras virtuais e revolucionaram a forma como as pessoas assistem televisão. Responsáveis pela produção de séries, filmes e outros produtos de entretenimento audiovisual, estas plataformas empregam cada vez mais atores, produtores e outros profissionais da área. E tornaram-se alternativas para o mercado audiovisual.

A Netflix, maior do ramo no Brasil, tem 20 produções originais brasileiras planejadas para entrarem em seu catálogo até 2023: alta de 66% desde que o serviço começou a investir em produções originais do país, em 2017. Atualmente, 36 obras entre filmes, séries e variedades integram a interface da plataforma. 

Em 2021, a Netflix lançou cinco produções realizadas em solo brasileiro. O Amazon Prime Vídeo, principal concorrente, iniciou seus trabalhos no país neste ano de 2021 e exibe oito títulos nacionais. 

 

Foto: Yuri A.F. Marcinik

 

O serviço de streaming brasileiro Globoplay aparece como o único que se aproxima da Netflix no número de produções nacionais, com 24 títulos lançados a partir de 2018. Ele é o único que tem a possibilidade de exibir suas produções em outros formatos, como a grade de exibição da Rede Globo.   

Segundo o Internet Movie Database (IMDB), a média de orçamento de cada produção varia de 3 a 10 milhões de reais, como é o caso de Bom Dia Verônica (2020), da dupla Ilana Casoy e Raphael Monte.Isso impulsiona uma cadeia empregatícia que pode chegar a até 600 profissionais, sem contar setores que se beneficiam perifericamente, como os de alimentação, transporte e hotelaria.

 

Série Bom Dia Verônica | Crédito: Divulgação

 

Paraná

O cineasta Gutto Pasko, dono da produtora GP7 Cinema, comenta que a alta de produções trouxe algo ainda mais benéfico para o mercado audiovisual, que foi a multiplicação dos chamados players, produtores e fomentadores de conteúdo, que vieram junto com as gigantes do streaming para o Brasil.

“Os streamings são uma nova realidade. Isso não é ruim, pelo contrário. Estão ajudando o mercado a se manter ativo e com os profissionais trabalhando. Séries desse porte, com o orçamento de 3 milhões, acabam gerando um contingente de mais de 400 pessoas empregadas em todo o processo da série”.  

O produtor comenta que esse foi o caso da série Contracapa, que a GP7 Cinema produziu em 2018. Atualmente, ela integra o catálogo do Amazon Prime Video, além de ser exibida no canal pago AXN.

 

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Série Contracapa | Crédito: Divulgação

 

Gutto diz que a tendência do lançamento simultâneo nos cinemas e em serviços de streamings é cada vez mais comum. Esse foi o caso de Duna e Matrix Ressurrections nos EUA pelo serviço HBO MAX em 2021. “A gente, como profissionais, deve se adaptar a essas novas regras e entender como isso funciona. Hoje o mercado sobrevive e respira à base das produções dos streamings concentradas no eixo Rio-São Paulo”, comenta Pasko. 

Segundo o portal Finder, o Brasil é o segundo país que mais consome serviços de streaming no mundo, com 64,5% da população assinando pelo menos um serviço.  Ficamos atrás apenas da Nova Zelândia (65,2%) e à frente de países como EUA (58,9%) e Índia (56,9%).

Mesmo com o reajuste de preço das mensalidades, que chegou até 24% dependendo do plano, a Netflix lidera com folga o número de assinantes no Brasil. A empresa é a preferida por 52,6% da população, enquanto os concorrentes mais próximos, como o Amazon Prime Video e o Disney+,  mal atingem 15% da preferência do espectador. 

 

Produção independente

Mas mesmo com a movimentação ativa do setor e geração de empregos, nem todos são amistosos em relação à expansão das produções dos streamings no Brasil. Para Cássio Kelm, cineasta independente de Ponta Grossa, tal centralização da produção no eixo Rio-São Paulo pode representar um retrocesso para a produção nacional. “O perfil desses players desfavorece quem se dedica a fazer um tipo de cinema mais autoral”, comenta Kelm. 

O cineasta fala que profissionais como ele, alheios ao eixo do Sudoeste, só tiveram a chance de entrar no mercado audiovisual e cinematográfico graças a políticas promovidas por órgãos públicos, como a Petrobrás, de capacitação e descentralização na década de 2000 e início de 2010.

“Pessoalmente, não vejo problema no convívio entre cinema e streaming. Mas essa concentração tende a nos levar de volta para o tempo em que quase toda a produção nacional era realizada no eixo Rio-São Paulo, o que prejudicava a diversidade e inclusão de novos profissionais.” 

Kelm comenta que todo filme precisa passar por uma trajetória de distribuição. Ela começa na exibição em festivais e precisa ir para o lançamento no circuito de salas de cinema. Isso garante publicidade prévia e favorece a distribuição doméstica, o que inclui a colocação dos filmes nos catálogos das plataformas de streaming. “ É crucial esse tipo de lançamento. Pois assim, o filme já chega com uma boa publicidade, e às vezes até com um público, para a plataforma e formato em que será distribuído”.

O cineasta comenta que isso não é apenas benéfico para os produtores e realizadores da obra. “Quando o filme é negociado nesses termos, ele se torna vantajoso tanto para nós, que o produzimos e assim temos o retorno pelo esforço e recursos investidos, quanto para aqueles que o exibem, que já possuem um público alvo para focar nos anúncios. Com o lançamento direto para o streaming, tal trajetória e encontro de público é inexistente, e por isso se torna um problema para quem produziu, pois nos deixa sem  argumentos para que a distribuição seja feita de forma a beneficiar ambas as partes.”

 

Ficha Técnica: 

Repórter: Yuri A.F. Marcinik

Edição: Gabriel Clarindo Neto

Publicação: Gabriel Clarindo Neto

Supervisão: Jeferson Bertolini, Marcos Zibordi e Maurício Liesen