O Portal Periódico entrevista Bruno Grupe, pai de santo e um dos organizadores do bloco Zé Pelintra que une samba, umbanda e busca por visibilidade

Desfile

O bloco Zé Pelintra foi campeão na competição de blocos de carnaval 2024, em Ponta Grossa.

Além de terem origens semelhantes, o samba e as práticas da umbanda ganharam outros contornos em Ponta Grossa. Bruno Grupe, pai de santo, uniu as duas propostas e, neste ano, ele e outros adeptos da religião desceram a avenida ao som de samba. O pai de santo do terreiro Esperança Sagrada fundou o bloco de Carnaval Zé Pelintra, que conquistou o prêmio em 2024 em sua primeira participação.O bloco é o primeiro de umbanda da cidade e o nome faz menção à entidade que é considerada o rei da malandragem, das ruas e das madrugadas. Por esse caldeirão de diversidade, Bruno Grupe recebeu a equipe do Periódico para abordar sobre samba, religião e preconceito.

 

Primeiramente, quem é o Bruno?

BG: Eu, profissionalmente, atuo como psicanalista, tenho formação de base em Filosofia e Sociologia, e mestrado em História. Mas isso não diz quem eu sou e sim o que eu estou fazendo por aqui. Eu sou dentro das minhas experiências espirituais e de vida , assim como eu e as outras pessoas somos espíritos, somos conscientes que estamos compartilhando algumas experiências divinas aqui na terra. A minha base de referências de mundo são baseadas na religião da umbanda. Então, eu sou um sacerdote de umbanda também. E tento conciliar ao longo dos meus estudos a minha espiritualidade e minhas práticas, para que eu consiga ter uma vivência equilibrada. Resumidamente, quem é o Bruno? Eu sou um cara que está andando aí pelo mundo tentando fazer o melhor para si e para os outros.

Como você se encontrou na religião?

BG: A minha trajetória dentro da religiosidade de umbanda começou em 2014. Antes disso, eu sempre tive uma curiosidade relacionada à magia, ocultismo, magia do caos, essas coisas. Eu estudava por conta própria, desde minha adolescência. Mas eu só consegui encontrar a umbanda em 2014. A partir  daí, eu me coloquei como aprendiz e comecei lá no Luz de Oxum, no terreiro da mãe Nice. Ela é minha mãe de santo e me consagrou, em 2019, como pai de santo também. Foi quando eu tive liberação para seguir minha jornada e começar a lidar no meu terreiro que é o Esperança Sagrada. E quando eu me assumi umbandista, percebi que várias pessoas se afastaram de mim, inclusive parentes, amigos e eu não compreendia muito o porquê. Se era algo que estava me fazendo bem, não fazendo mal para ninguém e, ainda assim, as pessoas se afastaram de mim, eu pensei: será que essas pessoas realmente queriam meu bem? No fim, essas pessoas que se afastaram acabaram não fazendo falta; chegaram novos amigos.

Como começou o seu bloco de Carnaval do Zé Pelintra? 

BG: O bloco de Carnaval, na verdade, foi uma questão que a minha esposa começou a criar. Um amigo da minha esposa disse para a gente inventar alguma coisa para o Carnaval, que teria alguns meses para se organizar, mas ela deixou meio por cima a ideia. Daí, em uma gira que teve aqui no terreiro, seu Zé Pelintra chegou e cobrou assim: “Vocês nunca fazem festa para mim. Já que  vocês nunca fazem, vocês vão fazer uma, mas uma bem feita. Vocês vão fazer um Carnaval para mim”.Minha esposa lembrou da questão do bloco. No final das contas, faltava um dia para acabar as inscrições e a gente fez a inscrição do bloco do Zé Pelintra. Tínhamos um mês para nos organizarmos para  apresentar mesmo. Tinha um axé espiritual rolando também para movimentar as ideias da própria cidade. A gente ganhou a questão dos blocos, mas a gente sabe que vai muito além disso. Isso abre caminho para todo mundo poder fazer também.

Qual a importância de um bloco umbandista ter ganho essa visibilidade por ganhar o Carnaval, já que Ponta Grossa é uma cidade mais conservadora?

BG: É bem importante porque a gente precisa ocupar espaços, a gente é invisibilizado. Há alguma atenção pequena, mas não é muito na questão de organização dos terreiros da cidade. Então, é importante  ocuparmos os espaços,mostrarmos que existimos. O cidadão conservador  acha que não é importante porque não existem terreiros em Ponta Grossa, mas há boatos que existem mais de cinco mil terreiros na cidade. Terreiros são considerados grupos religiosos que não são católicos, não protestantes e que trabalham, às vezes, de maneira esotérica ou mística. Então é uma quantidade muito grande de religiosidade “não padrão”, já que o padrão é o cristão.

Você sentiu algum tipo de preconceito no desfile? 

BG: Eu, pelo menos, não percebi nada. Eu estava desfilando com alguidar de uma oferenda para o  seu Zé Pelintra. Em cada encruzilhada que eu passava, eu jogava uma rodela de cebola para traz e batia no meio da encruzilhada, e fui fazendo isso pela Vicente Machado inteira. Posso dizer que eu fiz uma macumba na cara da sociedade, no meio da avenida. Eu usei elementos naturais para  abrir caminhos para esse bloco de Carnaval e os futuros blocos que vão chegar ainda. Alguns filhos da casa perceberam algumas caretas, algumas pessoas ficaram de costas para não ver, mas foram poucos comparados pela quantidade de pessoas.

Como estão os preparativos para o ano que vem?

BG: A minha esposa está organizando, ela fez uma equipe do terreiro pra cuidar disso. Eles fazem reuniões, conversam entre si, já têm várias ideias a mais para acrescentarmos, como novos instrumentos. A gente, talvez, trabalhe com alguma outra entidade dentro do bloco. Têm vários detalhes que a gente quer acertar e convidar outros terreiros também para participar. 

Você já passou por situações de intolerância religiosa?

BG: Já. A vida do macumbeiro é uma constante de intolerância religiosa. Aqui dentro do terreiro, têm muitos filhos e filhas de santo que os familiares não toleram que seja da religião de umbanda. Se as pessoas têm dúvidas, que venham na nossa gira e  tirem suas dúvidas. Têm vários e vários vídeos na internet explicando sobre umbanda. Então, a pessoa que se fecha na sua ignorância, na sua própria bolha, que não está disposto a aprender sobre outras religiões, talvez não saiba nem sobre a própria. Eu também ando com uma guia vermelha e preta e as pessoas normalmente ficam olhando com um olhar de curiosidade. Mas, há vezes que é tipo: “nossa, macumbeiro,!Está fazendo maldade para os  outros”.

Como você vê a percepção da sociedade em relação às religiões de matriz africana/indígenas?

BG: Eu vejo que, comparado há 10 anos, quando eu comecei, tem se aberto muito graças a vídeos, divulgação e palestras. As pessoas têm tido muito acesso a esses conhecimentos e isso é ótimo. Eu tenho um ditado: intolerância a gente combate com conhecimento. De uma parte, há mais conhecimento e informação, há muitas pessoas se mostrando umbandistas, que ficavam escondidas em casa. Hoje em dia, temos terreiros que abrem as portas, mostram a cara e estão fazendo os serviços sem medo de ser feliz. Por outro lado, há um número maior de pessoas reacionárias que querem colocar o cristianismo como a única coisa que eles querem acreditar. 

Como é possível combater essa intolerância?

BG: Muito é pela partilha de conhecimento. Algumas pessoas chegam e perguntam e a gente vai conversando e explicando. Elas estão propagando esse conhecimento e vivências também. Outra maneira é ocupar espaços, fazer bloco de Carnaval, ir à rua, mostrar a cara e não ter vergonha de mostrar-se umbandista. 

Como você avalia a legislação atual em relação à proteção contra a intolerância religiosa?

BG: Na teoria, nós temos uma legislação que nos protege e nos dá amparo e sustentação para qualquer tipo de intolerância, racismo e preconceito. Mas, na prática, a legislação é dominada por pessoas conservadoras. Há a possibilidade de fechar uma avenida inteira por um dia inteiro no dia de Corpus Christi, e a gente não consegue fazer por uma hora no meio da encruzilhada.

Como é trazer uma religião de matriz africana para o Brasil?  

BG: Na realidade, a umbanda é brasileira. A umbanda e o candomblé são religiões brasileiras, com influência africanas. Quando os negros vieram da África, o culto aos orixas é diferente do daqui. Porque lá, na África, uma tribo inteira cultua um único orixá. Quando chegaram aqui, eles misturaram todo mundo para que ninguém conseguisse falar a mesma língua e não conseguissem se organizar para uma rebelião. Então, pessoas de várias tribos se misturaram e  havia alguém que cultuava Ogum, outro rum de Xango, Oxum e, assim, foi misturando esses orixás. O culto aqui é de vários orixás. São pelo menos 16 orixás cultuados no candomblé, mas são mais de 200 na África. E na umbanda, por consequência, ela vai pegar um hibridismo de maneira harmônica, vai pegar a matriz africana, a matriz índigena, da matriz cristã, e vai fazer uma mistura de alguns fundamentos.

O que você espera para o futuro em relação à intolerância e ao respeito pelas diversas religiões no Brasil? 

BG: Eu espero, do fundo do coração, que as pessoas tenham ciência de si mesmos. Porque ninguém pode dar o que não tem. A pessoa tem que ter ciência de si mesma para que comece a pensar ao seu redor.

Qual é a sua mensagem para aqueles que ainda têm preconceito ou desconhecimento sobre as religiões?

BG: Se permita conhecer. Você não pode falar mal do que você não conhece. Se você estiver difamando algo que não conhece, você está pecando. Um dos mandamentos fala não levantar falso testemunho. Você está levantando falso testemunho sobre algo que você não conhece. Você não precisa concordar com as pessoas de outras religiões, apenas respeitar, cada um com a sua fé.

 

Ficha Técnica

Produção: Eduarda Breus Macedo

Edição: Annelise dos Santos

Publicação:  Karen Stinsky e Lívia Maria Hass

Supervisão de produção: Muriel Emidio Pessoa do Amaral

Supervisão de publicação: Kevin Furtado