Contexto político deve agravar políticas públicas e instituições de auxílio que não atendem a demandas dos indígenas

 

Ponta Grossa não tem estrutura para receber indígenas que estão de passagem pela cidade. A afirmação é de Thaís Verillo, diretora do Departamento de Proteção Social Especial da Fundação de Assistência Social de Ponta Grossa (FASPG). Ao início do ano, o número de indígenas na cidade variou entre 120 e 150 pessoas. “É uma rotatividade muito grande. Chega uma família, fica uma semana e, logo, vão embora. Assim eles vão rodando pelo Paraná”, afirma. Os dados são,  entretanto, imprecisos devido ao caráter migratório dessa população.
Conforme Verillo, esses indígenas são de Guarapuava, Faxinal, Cândido de Abreu, Manoel Ribas, entre outras cidades. “Essa população nunca foi pensada como uma população aqui do município”, diz. Dados do IBGE, que mapeiam a distribuição da população indígena no Brasil, apontam 555 pessoas autodeclaradas indígenas em Ponta Grossa. Entretanto, não há aldeias ou tribos na proximidade.

 

Municípios com as maiores populações indígenas no país. Fonte: IBGE

 

“Para os indígenas, essa procura começou nos últimos anos”, afirma. “A intenção futuramente é até fazer uma reunião com esses municípios de origem para verificar se lá eles estão com alguma dificuldade para entender o porque dessa migração tão grande deles”, complementa.
A diretora reforça que os indígenas “têm o direito de ir e vir e a gente não faz esse controle porque não é nossa política de atendimento específica fazer esse controle”. Para a Fundação de Assistência Social do município, esses indígenas não estão em situação de vulnerabilidade social e nem têm seus direitos violados, o que a diretora aponta como premissa para que a assistência social do município atue de maneira mais incisiva. “Por isso que a gente fala que é uma questão que deve ser discutida por todos os setores, todas as políticas e não só da assistência”, justifica.
A Fundação de Assistência de Social de Ponta Grossa atua nessa questão quando recebe denúncias da população. “Quando as crianças estão vendendo coisas no sinal, quando tem alguma questão que envolve violação de direitos ou vulnerabilidade”, explica. Quando esses indígenas itinerantes estão em Ponta Grossa, eles se instalavam em um terreno baldio próximo à rodoviária, na Avenida João Manoel dos Santos Ribas.

 

Indígenas costumavam improvisar barraca próximo à rodoviária. Foto: José Tramontin/Lente Quente

Conforme Verillo, a Fundação de Assistência Social deseja construir “uma base, com banheiro, uma estrutura mínima que possa comportar essas famílias quando eles estiverem em Ponta Grossa. Estamos aguardando resposta da Secretaria do Meio Ambiente para que eles nos passem um novo local mais adequado e que não seja tão longe do Centro, onde os indígenas possam comercializar seus produtos”, afirma Verillo. “O município dispõe de terrenos que podem ser cedidos”, diz.
Em outubro deste ano, uma reportagem do Portal Periódico denunciou as péssimas condições que se encontra a Casa do Índio de Ponta Grossa. Localizada no bairro de Uvaranas, a estrutura comprometida é ocupada por cerca de 16 indígenas que utilizam o local para passar a noite.

 

555 habitantes de Ponta Grossa se consideram indígenas. Fonte: IBGE

 

 

PLANO MUNICIPAL DE ATENDIMENTO AO INDÍGENA
O Departamento de Proteção Social Especial anunciou, em junho deste ano, o intuito de reunir uma comissão que trabalhe com desenvolvimento de um Plano Municipal de Atendimento ao Indígena. O objetivo da iniciativa é encontrar soluções que respeitem a cultura do indígena, tal como a criação de um espaço para acampamento das pessoas que ficam na cidade temporariamente.
O Plano Estadual de Assistência Social do Estado do Paraná, que compreende os anos de 2016 até 2019, aponta como diretriz “fortalecer o acesso à proteção social aos povos indígenas e às comunidades tradicionais” e apresenta como horizonte contemplar 100% dos municípios do Paraná na cobertura de serviços de Proteção Social Básica.
Originada pela Fundação de Assistência Social, o intuito da ação é reunir diferentes entidades representativas do município que atuam de acordo com suas especificidades na questão indígena como a Secretaria do Meio Ambiente, Educação, Saúde e Segurança. A diretora Thaís Verillo informou que a comissão já foi instaurada mas que nenhuma ação efetiva foi tomada. Verillo relata a dificuldade da comissão se reunir, com frequência, e que isso resultou no atraso das discussões. Entretanto, ela garante que, ano que vem, as discussões serão retomadas para a produção do Plano Municipal.
O objetivo do plano é que a primeira ação da comissão seja instaurar um novo espaço reservado ao acampamento de indígenas que ficam de maneira temporária na cidade.

TERRAS INDÍGENAS NO PARANÁ
De acordo com informações da Fundação Nacional do Índio (Funai), apenas 10% das terras indígenas demarcadas no Brasil estão no Sul do país. O espaço de terras demarcadas nessa região soma pouco mais de 0,1% do território total da região. Apenas 8% das terras indígenas ocupadas estão regularizadas.
O Brasil conta, atualmente, com 462 terras indígenas regularizadas, majoritariamente concentradas no Norte do país. No Paraná, são 17 terras indígenas demarcadas, conforme destaca Célia Rego, representante da Coordenadoria Técnica Local (CTL) da Funai em Londrina.
As CTLs  acompanham as aldeias nas terras demarcadas. “Hoje em dia nosso trabalho é mais de conscientização”, conta Célia, que está na Funai há mais de 20 anos e iniciou no setor de educação da Fundação. “O assistencialismo acabou. A Funai não tem mais dinheiro”, relata. “O nosso trabalho é fazer que as terras indígenas fiquem independentes. Muitos deles têm carro, caminhão, ônibus e dinheiro no banco. Eles plantam. É totalmente diferente”, completa.
A população indígena do Paraná enfrenta, desde o início do ano, uma série de desafios frente ao sucateamento de serviços públicos específicos à pauta indígena. Em março, a sede da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), em Curitiba, foi ocupada por cerca de 100 manifestantes indígenas de diferentes etnias: guaranis, xetás, caingangue, entre outros grupos, unidos através do Movimento Indígena do Paraná. O coletivo protestava contra a diminuição da frota de veículos para o traslado nos casos de atendimento à saúde indígena.
Conforme Célia, os servidores da Funai têm que “inventar trabalho”, já que a única atribuição restante à Fundação é de supervisionar o processo de demarcação de terras. Para que uma terra indígena seja regularizada como demarcada, segundo o Decreto 1777, a Funai precisa produzir um estudo “de natureza etno-histórica, sociológica, jurídica, cartográfica, ambiental e o levantamento fundiário necessários à delimitação”. Após o estudo ser aprovado pelo Ministério de Justiça, a Funai deve delimitar fisicamente a terra que depende da homologação do presidente para demarcação.
Em outubro, a Funai aprovou estudo que recomenda a demarcação de terras em Altônia, Guaíra e Terra Roxa, no oeste do Paraná. Um total de 24 mil hectares que abrigariam 14 aldeias do povo Avá-Guarani. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) classificou a recomendação da Funai como “inconstitucional”. Conforme a FPA, a Funai não considera um julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) que estabelece, entre outros critérios, o marco temporal. Essa regra afirma que as terras passíveis de demarcação são aquelas que estavam ocupadas na promulgação da Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988.
Outros critérios incluem a ligação étnico-cultural dos povos indígenas com aquela terra. Para a professora Isabel Rodrigues, do Departamento de História da Universidade Estadual de Maringá (UEM), “o tipo de propriedade privada e individual vigente no Brasil, desde a Lei de Terras de 1850 não é compatível com os modos de posse de terras dos indígenas”. Rodrigues afirma que “assim os indígenas foram perdendo os direitos aos seus territórios para o estado e para as companhias de colonização”.
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, indígenas “não-integrados” à sociedade ficavam sujeitos ao “regime tutelar”. Portanto, reservas indígenas ficavam condicionadas aos tutores desses povos.
O Projeto de Emenda Constitucional 255, que aguarda discussão no plenário do Congresso Nacional, credita aos estados a obrigação de demarcar terras indígenas. Atualmente, a responsabilidade é da União. A PEC 255 foi o tema da prova oral no 18º Vestibular dos Povos Indígenas.

DESAFIOS DA POPULAÇÃO INDÍGENA NO NOVO GOVERNO
Eleito futuro presidente do Brasil com 55 mil votos, Jair Bolsonaro (PSL) já declarou que a demarcação de terras indígenas não será prioridade do seu governo. Em entrevista concedida ao programa Brasil Urgente da TV Bandeirantes, no dia 5 de novembro, Bolsonaro declarou: “Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”. Ele continua sua fala alegando que as demarcações são uma ameaças aos fazendeiros: “Qual a segurança para o campo? Um fazendeiro não pode acordar hoje e, de repente, tomar conhecimento, via portaria, que ele vai perder sua fazenda para uma nova terra indígena”.
Não foi a primeira vez que Bolsonaro se declarou contrário aos direitos dos povos indígenas. Enquanto deputado federal, em 2017, durante discurso proferido na Hebraica, em São Paulo, Bolsonaro já havia se posicionado contra indígenas.
Para Célia Rego, indígena e representante da Funai, a adversidade no governo Bolsonaro será um motivo de fortalecimento para os indígenas. “Com esse pensamento dele, vai piorar, mas eu acredito que nada morre, tudo se transforma e nós vamos dar um jeito de sair pela tangente”, reforça. “Desde 1500, a gente tá aqui e não desapareceu. Estamos aí conservando a língua, dançando, cantando e a gente não desapareceu. Nós também não vamos desaprecer com um ‘bolsonarinho’ desses”, finaliza.