De dia, a senhora, de aparência franzina, pede ajuda para ganhar o almoço em uma das ruas do Centro. Durante a tarde, de lixeira em lixeira, é o momento de catar latinha para ter uma renda a mais e também para ocupar a cabeça. A idosa perambula pelas ruas com uma mochila com um par de roupas e um cobertor batido. Nas mãos, a sacola onde junta o material recolhido.

Pela noite, a segunda refeição do dia é um lanche que ganha no trailer em uma das avenidas principais da região central. É debaixo da marquise de um banco, próximo ao Terminal Central, que ela encontra abrigo. Com as amizades feitas nas ruas, enfrenta o perigo da madrugada. E já sabe que, com elas, pode ter proteção caso precise de ajuda.

Assim é a vida de Dona Terezinha, nome fictício da senhora de 64 anos que preferiu não ter o nome divulgado. A motivação para o anonimato? Há quatro anos, ela vive em situação de rua desde que um dos filhos tomou a posse da casa por ela obtida através da Companhia de Habitação de Ponta Grossa (Prolar) e ainda ficou com o do cartão-benefício da aposentadoria.

A violência que levou ao abandono da idosa pela família é crime descrito no artigo 104 do Estatuto do Idoso. A Lei no 10.741 de 2003 prevê a pena de detenção de seis meses a 12 anos e multa para o ato de “reter o cartão magnético de conta bancária relativa a benefícios, proventos ou pensão do idoso, bem como qualquer outro documento com objetivo de assegurar recebimento ou ressarcimento de dívida”.

A idosa visita o filho mais novo, que tomou posse de seu cartão-benefício, uma vez por semana já que a convivência com a família não é boa. O quadro de abandono se completa com a violência psicológica sofrida, como as palavras repetidas, muitas vezes, pelo neto: “você não é minha avó”.

Contraditoriamente, é do filho mais novo que vem a ajuda descrita como “apenas alguns trocados”. Embora lúcida e ainda tendo relações com a família, Terezinha faz parte do grupo de idosos que sofre violação dos próprios direitos. E mesmo tendo consciência dos abusos sofridos, ela prefere não denunciar os familiares pelos maus tratos.

Dados de 2011 a 2014 do Ministério de Direitos Humanos indicam que o maior número de ocorrências correspondem à negligência e ao abandono por parte dos filhos, cônjuges e familiares.

Dados do Ministério dos Direitos Humanos, colhidos por meio do Disque 100, revelam que, em 2017, em todo o Brasil, houve mais de 33 mil denúncias de abusos contra pessoas acima de 60 anos. Em Ponta Grossa, segundo o Centro Especializado de Assistência Social (Creas), no ano passado, foram registrados 224 casos de maus tratos a idosos. Em agosto de 2018, último levantamento, o número já chegava a 170.

 

Através da Lei 13.646, publicada em abril passado, 2018 foi definido como o Ano de Valorização e Defesa dos Direitos Humanos da Pessoa Idosa. A iniciativa resulta do processo de ratificação, pelo Brasil, da Convenção Interamericana sobre a Proteção dos Direitos Humanos dos Idosos.

Nesta segunda-feira (10), são comemorados os 70 anos da Declaração dos Direitos Humanos. E, em primeiro de outubro, o Estatuto do Idoso completou 15 anos de publicação, no Brasil. Apesar dos esforços de proteção da população idosa, os números indicam o desrespeito à legislação.

A assistente social do Asilo São Vicente de Paulo, Fernanda Almeida da Silva, explica que casos de desrespeito aos direitos do idoso são comuns. Logo quando começou a trabalhar na Instituição, há quatro anos, Fernanda prestou atendimento a uma idosa, que apresentava o quadro de demência. A paciente morava com o filho, que também enfrentava o mesmo problema de saúde.

Sem condições de receber a assistência do filho, a mulher, que dependia dos cuidados dos vizinhos para receber o benefício da aposentadoria e para comer, ficou muito debilitada, doente, e acabou indo parar no Pronto Socorro.

A idosa foi abrigada no Asilo São Vicente e se tornou um dos 102 internos da instituição. “Ela estava bem suja, com terra nas axilas pela falta de banho e cabelo embaraçado que não tinha como pentear”, descreve a assistente social que ressalta o fato de que, hoje, a idosa recuperou a saúde e passa bem.

Fernanda declara ser impactante deparar-se com casos de maus tratos a idosos, uma vez que ela percebe um avanço na implementação dos direitos humanos em outras áreas. A assistente social alerta para o fato de, muitas vezes, “a comunidade está vendo [os maus tratos aos idosos] e demora para agir por medo de se envolver”. No primeiro semestre deste ano, ela se deparou com um caso muito parecido ao da paciente.

O artigo 3º do Estatuto do Idoso estabelece que “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar”.

O respeito aos direitos do idoso não cabe somente aos familiares, mas a todas as pessoas. Dessa forma, de acordo com o Estatuto, nenhum indivíduo, acima de 60 anos, pode sofrer qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão, sendo que, qualquer descumprimento aos direitos da pessoa idosa, será punido por lei.


Em Ponta Grossa, de acordo com o último boletim de 2018 do Instituto Paranaense de Desenvolvimento Econômico e Social (Ipardes), a população idosa está estimada em 21 mil pessoas, dentre os 348 mil habitantes da cidade. A estimativa é que, em 2040, a população idosa paranaense passará de 9,2% (2017) para 19,9%.

Já o Conselho Municipal da Pessoa Idosa afirma que Ponta Grossa possui cerca de 40 mil idosos, o que representaria 11% da população. Desse total, apenas 200 têm vaga em instituições com convênio com a Prefeitura; 100 são assistidos pelo Asilo São Vicente de Paula; 40, pelo Lar das Vovozinhas; e 30, pela Comeia Espírita Cristã Abgail e pela Casa do Idoso Paulo de Tarso. Além disso, cerca de 30 vagas são disponibilizadas em casas particulares.

O custo médio mensal do interno no Asilo São Vicente de Paula varia de R$ 2.200 a R$ 3 mil, depende do estado de saúde do interno, logo das dificuldades locomotoras e psíquicas do idoso.

O artigo 3o da Resolução 33 de 2017 determina que o Conselho Municipal do Idoso ou o Conselho Municipal da Assistência Social estabeleça, no caso de entidades filantrópicas ou casa-lar, a cobrança de participação do idoso no custeio da entidade. No entanto, esse valor não poderá exceder a 70% de qualquer benefício previdenciário ou de assistência social recebido pelo idoso.

No Brasil, segundo o relatório nacional do Disque 100, filho e neto são considerados, supostamente, os maiores violadores dos direitos dos idosos, seguidos de genro e nora. Os dados demonstram que em 85% dos casos, a violência praticada contra pessoa idosa ocorre em âmbito doméstico, como foi um dos muitos casos presenciados pela assistente social Almeida.

Segundo o relatório da ouvidoria do Disque 100, 64% das vítimas de violência são mulheres, destas, 32% com idades entre 71 e 80 anos. Destro destes relatório, afirma-se que 41,10% da idosas vítimas de violência são da brancas. Há ainda uma parcela considerável de vítimas com idades entre 61 a 70 anos, revelando que a vulnerabilidade da pessoa idosa se dá, não só pela faixa etária, mas principalmente pela entrada neste grupo populacional dos idosos.

O vice-presidente do Conselho Municipal da Pessoa Idosa, Armando Madallosso, discorre que a Cartilha Direito Humanos Idosos institui o necessário para que a pessoa idosa, seja cada vez mais, incluída no convívio social e faça essa opção. A ideia é que o idoso direcione o seu tempo livre para a realização de novos projetos nesta nova etapa de vida.

Madallosso destaca que, no município de Ponta Grossa, falta a implementação do programa do Governo Federal chamado “Centro Dia”, um espaço de convivência social onde o idoso chega pela manhã e passa o dia todo dentro da instituição e, à noite, retorna para própria casa. Durante a permanência, o idoso teria convivência com outros idosos e assim haveria um espaço de reabilitação, atividades lúdicas, terapêuticas, de lazer e cultura.

O Centro Dia para idosos é um Serviço de Proteção Social Especial de Média Complexidade. O programa se caracteriza como sendo um espaço para atender idosos que possuem algumas limitações para realização das atividades da vida diária, como alimentação, mobilidade e higiene. Ou seja, destina-se aos idosos que não possuem comprometimento cognitivo severo ou que apresentam perdas cognitivas leves ou moderadas e que, na maioria das vezes, ainda residem ou mantêm vínculos com suas famílias, mas não dispõem de atendimento em tempo integral em seus domicílios.

A Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) possui a instituição Universidade Aberta para a Terceira Idade (Uati) que cumpre com o artigo 25 do Estatuto do Idoso que diz: “As instituições de educação superior oferecerão às pessoas idosas, na perspectiva da educação ao longo da vida, cursos e programas de extensão, presenciais ou a distância, constituídos por atividades formais e não formais”.

A Uati oferece cerca de 24 atividades semanais. Entre elas, estão natação, dança, pilates, teatro, informática, línguas, caminhada, pintura em tela, artesanato e etc. Cerca de 70 alunos da terceira idade usufruem dos espaços da Universidade para a realização de atividades. No fim do ano letivo, os alunos passam pela formatura. Vagas para uma nova turma são abertas no mês de novembro.

Ponta Grossa também conta com a Pastoral da Pessoa Idosa, um movimento da Diocese da cidade que tem por objetivo proporcionar uma vida social aos membros. A coordenadora de um dos grupos da pastoral, Margarida Guimarães de Lima, explica que “todo idoso precisa ter uma vida social e suas vidas sociais são restritas por eles morarem sozinhos e recebem vistas apenas dos filhos”.

Os encontros são realizados nas paróquias que possuem a Pastoral da Pessoa Idosa. Geralmente são encontros dinâmicos com atividades e rodas de conversa. Margarida Guimarães de Lima explica que há alguns idosos que não conseguem participar dos encontros e, por isso, a coordenação vai até suas casas para visitá-los uma vez ao mês.

“A gente visita 16 idosos que sentem dificuldade em sair de casa e se sentem sozinhos e, durante a visita, trabalhamos este lado do diálogo, já que eles gostam muito de contar as histórias e conversar”, conclui a coordenadora.
Segundo a Cartilha dos Direitos Humanos dos Idosos, “é necessário que a pessoa idosa seja cada vez mais incluída e faça essa opção, direcionando o seu tempo livre para a realização de novos projetos nesta nova etapa de sua vida, contribuindo para uma sociedade mais justa e fraterna”.


CONSELHO MUNICIPAL DA PESSOA IDOSA
O Conselho é um dos mais atuantes na cidade, sendo composto por 24 representantes de entidades, que discutem demandas com comissões temáticas segundo a prioridade das pautas, como a verba do Fundo Estadual do Idoso que precisa ser aprovada pelo conselheiros. Há ainda as vistorias nas entidades e discussão e encaminhamento das demandas aos órgãos competentes.
A sociedade pode entrar em contato com o Conselho Municipal da Pessoa Idosa de Ponta Grossa pelo endereço Rua Joaquim Nabuco, nº 59, bairro Uvaranas. Os telefones de contato são (42) 3026-9563 e 3026-9565 e o e-mail conselhoidosopg@gmail.com. A presidente da entidade é Marisa Pereira de Carmargo.

TIPOS CRIME CONTRA O IDOSO
Segundo o artigo 19 do Estatuto do Idoso, considera-se violência contra o idoso qualquer ação ou omissão praticada em local público ou privado que lhe cause morte, dano ou sofrimento físico ou psicológico

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