Registros já são cinco vezes maiores do que o registrado em 2019, conforme dados obtidos via Lei de Acesso à Informação

 

No Paraná, as denúncias de injúria racial e racismo cresceram 440%, de 2019 a 2020, segundo dados do Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania, do governo estadual. As denúncias foram registradas no programa SOS Racismo, canal gratuito, criado pela Lei Estadual nº 14.938/2005 e regulamentado pelo Decreto Estadual nº 5115/2016. Em 2019 foram registradas 32 denúncias, enquanto de janeiro a outubro de 2020, o número de registros era de 173, mais de cinco vezes ao ano anterior.

A segregação e o preconceito racial que atingem a população negra ainda estão presentes em nossa sociedade, mesmo a população negra representando 56,1% dos brasileiros, de acordo com os dados do IBGE de 2018. Contudo este aumento não fica restrito apenas ao Paraná. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, houve um aumento de 23,4% no número de denúncias de racismo no Brasil, no período de 2018 a 2019. Além dos índices mostrarem a quantidade de registros, outros dados expõem o aumento de homicídios contra a população negra no Paraná onde, conforme dados do Sistema de Informações sobre mortalidade do Ministério da Saúde, de 2014 a 2018, houve um aumento de 5,33% dos casos de homicídios contra negros no Estado.

A vendedora Natália Araújo Pereira, 28, comenta que o racismo sempre esteve presente em sua vida de diferentes maneiras. “Desde que era criança eu escutava as pessoas falarem para eu alisar o meu cabelo, ou usavam apelidos para se referir ao meu cabelo crespo. Na adolescência trabalhei como babá. Um dia os avós da criança aparecerem na casa da minha patroa e escutei eles dizendo que uma preta não deveria se sentar junto com a família, pois isso não era o certo. Naquele momento senti a pior sensação que uma pessoa poderia passar”, diz Pereira.

O defensor público e coordenador do Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos, Julio Cesar Duailibe Salem Filho, comenta que através das denúncias, é que a sociedade compreende que o racismo está presente no cotidiano. “As pessoas precisam continuar denunciando para que a própria sociedade possa compreender que o racismo é algo concreto e não abstrato, que está presente no dia a dia”.

Salem ainda menciona as adversidades de trabalhar com questões de combate ao racismo acompanhadas de políticas públicas ainda insuficientes. “A maior dificuldade que encontramos, em nosso trabalho, é tratar com a mentalidade cultural que torna o racismo estrutural no Brasil muito forte, se tornando um problema de base, pois as políticas de enfrentamento, ainda não tem força para enfrentar o racismo que existe em todos os segmentos da sociedade”, conclui Salem.

Para o vice-presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB/PR, Sandro Luiz Britto Sprenger, o aumento de denúncias de racismo no Paraná, revela que a população negra almeja justiça e menos impunidade. “Vejo esse aumento de denúncia de racismo como algo positivo, pois as pessoas não podem se calar. Este número mostra que as pessoas negras não estão aguentando mais serem desrespeitadas dentro daquilo que são. Por isso, hoje, se esse índice está aumentando, é sinal que a população negra sonha com justiça e que crimes assim não fiquem em segredo ou na impunidade”, enfatiza Sprenger.

A pesquisadora do Núcleo de Relações Étnico-Raciais, de Gênero e Sexualidade da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Merylin Ricieli dos Santos, explica o papel da mídia no aumento dos casos de denúncias de racismo no Paraná. “Os números de denúncias têm aumentado devido, sobretudo, ao posicionamento da mídia, que passa a olhar para isso, pois hoje em dia, as pessoas negras acabam percebendo as mais variadas formas de racismo, desde processos discriminatórios mais sutis até o próprio genocídio dos jovens negros pela polícia”.

Santos ainda relata que a população negra no passado já lutava contra o racismo porém não eram ouvidos. “A população negra, que denuncia o racismo hoje, são filhos, netos e bisnetos de sujeitos pretos e pardos que no passado já lutavam pela liberdade e direitos à cidadania e educação e que já possuíam voz, mas não eram ouvidos para além dos seus. E a tendência é essa, mais lutas, mais denúncias, mais reivindicações, protestos e cobranças por posicionamentos civis e governamentais, pois chegou o momento de admitir que a convivência branca em relação a desigualdade racial é o combustível perfeito para alimentar o sistema racista”, conclui a pesquisadora.

 

Diferença entre racismo e injúria racial

 

A diferença entre a injúria racial e o racismo está no direcionamento da ação. Enquanto a injúria racial está prevista no artigo 140, parágrafo 3º, do Código Penal, sendo uma ofensa referida diretamente a um indivíduo pela raça ou cor diferente. O crime de racismo está previsto na Lei n.7.716/1989. E implica em conduta  discriminatória a um grupo social, geralmente, refere-se a crimes mais amplos.

Sprenger explica as penalidades para quem comete esse tipo de delito. “O crime de injúria racial vai ser um crime pessoal, cometido contra a honra da pessoa, que traz elementos como a raça, cor ou origem da vítima, a pena para quem comete esse tipo de crime vai de um até três anos de reclusão e multa. Enquanto no crime de racismo, a conduta discriminatória é dirigida a um determinado grupo por causa da sua raça, religião ou cor, a penalidade é dois a cinco anos de reclusão mais multa, diferente da injúria racial o crime de racismo é inafiançável e imprescritível”, enfatiza o vice-presidente.

O Supremo Tribunal Federal, no último dia 02 de dezembro, adiou a conclusão do processo que busca garantir o mesmo reconhecimento de prescrição que já existe em crimes de racismo para os casos de injúria racial. O julgamento foi suspenso por um pedido de vista do ministro Alexandre de Morais e não há previsão para a retomada.

 

Como denunciar casos de racismo ou injúria racial

 

As denúncias de racismo ou injúria racial podem ser feitas com à Polícia Militar, pelo número 190, caso as agressões verbais ou físicas estejam acontecendo no momento do relato da ocorrência. Outra opção é entrar em contato com o programa SOS Racismo, através do 0800-6420345, no qual as denúncias de discriminação em razão da origem, cor, raça e religião são encaminhadas aos órgãos competentes para averiguação.

Infográfico: Alex Marques


Há também possibilidade de registrar um boletim de ocorrência, em qualquer delegacia da Polícia Militar. Neste caso, a ocorrência deve ser registrada como crime de injúria racial ou racismo, com  provas, testemunhas ou gravações.

Infográfico: Alex Marques


Caso o indivíduo, que realizou o boletim de ocorrência, tenha percebido algum erro no registro, Há ainda a possibilidade de entrar em contato com o Núcleo de Promoção da Igualdade Étnico-Racial do Ministério Público do Paraná, pelo telefone (41) 3250-4905 ou ligar para o Disque 100.

Infográfico: Alex Marques

 

Confira no YouTube a reportagem produzida por Alex Marques:

 

 

Ficha técnica:

Repórter: Alex Marques

Imagem: Alex Marques

Edição: Alex Marques e Robson Soares

Supervisão: Angela Aguiar, Cintia Xavier, Jeferson Bertolini e Vinicius Biazotti