Sem investimento do governo, instituições enfrentam dificuldades para promoção de direitos fundamentais 

 

 

Marcha da visibilidade lésbica em Ponta Grossa. Foto: Arquivo Lente Quente/Débora Chacarski 

 

 

Apesar de ter tido um orçamento de R$ 23 milhões entre 2017 e 2020, o órgão responsável pela formulação e direcionamento de recursos à comunidade LGBT+ no Paraná não repassou nenhum valor às políticas de promoção dos direitos LGBT+ no Estado. É o que mostram dados da Secretaria da Justiça, Trabalho e Família do Estado, pasta responsável pelo DEDIH, obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação.

 

Em nota, a Secretaria da Justiça, Trabalho e Família do governo do Estado informou: “O Departamento de Promoção e Defesa dos Direitos Fundamentais e Cidadania (Dedif), consta alocado na Lei Orçamentaria Anual (LOA), no Projeto/ Atividade 6379 – Políticas Públicas de Cidadania e Direitos Humanos, que tem como finalidade; Atuar na implementação de políticas públicas de garantia dos direitos fundamentais e da cidadania, independente de raça, cor ou etnia, idade, origem, gênero, identidade de gênero, orientação sexual, orientação religiosa, a partir  da interlocução com a sociedade civil organizada, incentivando a participação social preconizada pela Constituição Federal, bem como o enfretamento a todas as formas de intolerância e de discriminação, de modo a contribuir para a justiça social, ou seja, dentro do orçamento não há separação de valores por políticas públicas”.

 

Porém, sem investimento governamentais, instituições que auxiliam e atendem a comunidade LGBT+, no Paraná, enfrentam dificuldades para manter as atividades por meio de doações. Karoline de Souza, 22 anos, foi expulsa de casa, quando seus pais descobriram que estava se relacionando com outra mulher. Sem lugar para morar, encontrou na instituição Casa de Missão Amor Gratuito, em Sarandi, no interior do Estado, um espaço de acolhimento à população LGBT+ em vulnerabilidade social. “Posso dizer que a instituição salvou a minha vida, pois se não me abrissem as portas, certamente estaria vivendo nas ruas. Aqui eu encontrei um espaço de tranquilidade e afeto pelos demais, algo que eu não tinha dentro de casa”, diz Souza.

 

A instituição Casa de Missão Amor Gratuito, em Sarandi, no Paraná, funciona desde 2010, acolhendo a população LGBT+ e soropositivas, que se encontram em vulnerabilidade social. A organização funciona como um lugar de passagem onde a comunidade recebe moradia, alimentação, cursos e realizam todos os trâmites para retirada de documentos com nome social.

 

Contudo para o fundador e coordenador da Casa de Missão Amor Gratuito, Celio Rodrigues Camargo, o maior desafio da instituição atualmente é conseguir manter essas atividades com a falta de investimento do poder público, acompanhado das barreiras impostas pelo governo. “Nossa instituição não recebe nenhum tipo de ajuda governamental, pois no Paraná ainda existem algumas leis, que dificultam ao máximo, organizações como a nossa que acolhe o público LGBT+”. O coordenador ainda explica que para receber algum tipo de ajuda do governo, é preciso realizar um registro no Conselho Municipal de Assistência Social, no entanto, a instituição deve possuir psicólogos e assistentes sociais renumerados no quadro de funcionários, o que acaba dificultando, pois sem recursos e investimentos vindos do poder público, é impossível pagar esses profissionais. “Acaba virando um círculo vicioso, onde não conseguimos ajuda do governo pelas barreiras que o mesmo nos impõe”, diz Camargo.

 

O coordenador ainda enfatiza, que o impacto da falta de investimento do poder público em políticas voltadas aos direitos da comunidade LGBT+, torna as atividades ainda mais difíceis. “O impacto dessa ausência do governo perante a nossa comunidade é muito negativo, pois se tivéssemos um respaldo e ajuda, poderíamos ter maiores condições de oferecer suporte aos acolhidos, realizando mais atividades e trabalhos voltados para nossa comunidade, disponibilizando mais leitos na instituição e oferecendo mais qualidade de vida.”, conclui Camargo.

 

Outra instituição que atende o público LGBT+ no Paraná, é o grupo Renascer em Ponta Grossa. A instituição funciona desde o ano 2000 com o intuito da prevenção das doenças sexualmente transmissíveis (DSTs) perante a população LGBT+ e dos direitos e garantias da comunidade na região dos Campos Gerais. Para a fundadora e coordenadora do grupo, Débora Lee, a instituição é um braço da população LGBT+. “A instituição surgiu para alcançar direitos perante a comunidade, que o poder público não proporciona e que não se importa, principalmente na área da saúde e de renda”, diz Lee.

 

A coordenadora ainda explica as dificuldades que a instituição está passando sem a ajuda do poder público. “Até 2019, contávamos com a ajuda de custo do município, através da Fundação de Assistência Social de Ponta Grossa, porém, a partir de recomendações do poder federal, esta verba que era repassada a algumas instituições foi cancelada. Deste então, tivemos que fechar nossa sede que contava com doze salas, onde realizavamos diferentes cursos para a comunidade LGBT+. Sem a ajuda governamental ficou impossível pagar aluguel, água, luz e internet. A partir disso, tive que trazer a organização para um espaço menor para seguir as atividades. Hoje em dia, o grupo não necessita da ajuda do poder público, até mesmo porque ele lava as mãos sobre temas voltados à nossa comunidade”, enfatiza Lee.

 

Membro do Grupo Dignidade, primeira organização no Paraná no atendimento à promoção da cidadania perante à população LGBT+, Lucas Siqueira, explica que a instituição teve que se moldar sem o apoio financeiro do poder público estadual. “Tivemos que começar a pedir doações e ajuda de empresas privadas, visto que, não poderíamos ficar esperando para realizar nosso trabalhos perante a comunidade, que se encontra em situação de vulnerabilidade, pois chegamos a lugares onde o estado não chega e não consegue dialogar”, conta. Ainda, segundo ele, a instituição acaba sendo uma peça fundamental para a comunidade LGBT+, que muitas vezes, se sentem inseguros em órgãos governamentais. Assim, o Grupo oferece ”um espaço de confiança e segurança para a comunidade, nas suas diferentes questões”, diz Siqueira.

 

As demandas da comunidade LGBT+, estão cada vez mais fora da pauta do governo federal, estaduais e municipais no Brasil. Em 2020, por exemplo, foi extinto o Conselho Nacional de Combate à Discriminação LGBT+, criado em 2001, que tinha como objetivo a formulação e monitoramento de políticas voltadas para o combate à discriminação e para a promoção e defesa dos direitos da população LGBT+. No Paraná a situação não é muito diferente, formulado em 2013, o Plano Estadual de Políticas Públicas para Promoção e Defesa dos Direitos LGBT+, não teve nenhuma atualização ou modificação desde sua criação.

 

Para o professor do curso de Geografia e membro da organização da Parada LGBT+ dos Campos Gerais, Brendo Carvalho, a falta de repasse a políticas públicas voltadas à comunidade LGBT+, vem de um desinteresse do poder público em debater sobre temas voltados à comunidade. “O Estado tem pouco interesse em discutir qualquer questão que aborde a população LGBT+, como a violência, o perfil socioeconômico dessa população e a questão do emprego, pois temos um governo e grupos políticos extremamente tradicionais e conservadores, que não trabalham para colocar fim às desigualdades sociais, e sim para a permanência delas”, explica o professor.

 

Carvalho ainda comenta, que o poder público precisa urgentemente exercer o seu papel de investidor, auxiliando instituições que amparam a comunidade LGBT+, mas também, exercendo seu papel de legislador, criando leis e alternativas à população. “O poder público precisa criar campanhas, discutir sobre o tema nas escolas e perante a sociedade, construindo uma voz ativa e contrária a qualquer prática de violência lgbtfobia e discriminatória”, concluiu Carvalho.

 

Já para a Diretora da Casa de Missão Amor Gratuito, Paula de Oliveira Warmling, os temas voltados à comunidade LGBT+ precisariam ser debatidos em todos os órgãos públicos do estado. “Deveria ser falado mais sobre questões de gênero nas escolas, porque muitas vezes as pessoas pela ignorância, de não entender o que é ser uma mulher trans ou um homem trans, acabam se expressando de forma violenta e preconceituosa. Portanto, uma educação voltada a esses temas poderia melhorar a vida da comunidade, pois o que vemos atualmente é que a visibilidade trans está mais invisível na sociedade brasileira”, explica Warmling. 

 

 

 

 

Ficha técnica

Reportagem: Alexsander Marques Sobrinho

Infográfico: Alexsander Marques Sobrinho

Publicação: Jéssica Allana 

Supervisão: Vinicius Biazotti

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